Em uma reviravolta judicial, o desembargador Roberto Gonçalves de Moura, presidente do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), suspendeu agora a pouco a decisão que excluía o município de Ananindeua do leilão de privatização da Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa), garantindo a continuidade do certame realizado na B3, em São Paulo. A íntegra da decisão, obtida pelo portal Ver-o-Fato, aponta que a medida do juiz Adelino Arrais Gomes da Silva, da Vara da Fazenda Pública de Ananindeua, foi considerada uma ameaça à ordem pública, à saúde, à segurança e à economia do estado, comprometendo investimentos de R$ 18,8 bilhões e a universalização do saneamento até 2033.
Na decisão, o desembargador argumenta que a exclusão de Ananindeua, determinada na sexta-feira, violava o pacto federativo e desrespeitava a política regionalizada de saneamento, estruturada pela Lei Complementar Estadual nº 171/2023 e pelo Novo Marco Legal do Saneamento (Lei Federal nº 14.026/2020). “A liminar, ao conferir primazia à vontade de um único ente federado em detrimento da decisão colegiada, compromete a ordem administrativa”, destacou Moura, reforçando que a Microrregião de Águas e Esgoto do Pará (MRAE) foi criada democraticamente, com aprovação de colegiado formado por representantes dos 144 municípios paraenses, após consultas e audiências públicas.
O impacto da decisão de primeira instância, segundo o presidente do TJPA, seria devastador. Além de paralisar o leilão do Bloco A – que inclui Belém, Ananindeua e Marituba, com outorga mínima de R$ 1,042 bilhão –, a medida colocava em risco a confiança de investidores e o planejamento de obras para universalizar água e esgoto no Pará.
“A interrupção do certame, ainda que parcial, retarda o início de obras e compromete o acesso da população a direitos fundamentais, como saúde, dignidade e meio ambiente equilibrado”, afirmou o desembargador, citando o risco de lesão à economia pública e à saúde coletiva.
A suspensão da liminar assegura que o leilão, conduzido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), siga como planejado, incluindo Ananindeua no Bloco A. O certame, que envolve 99 cidades e prevê R$ 15,2 bilhões em investimentos, tem como meta a universalização do abastecimento de água até 2033, com esgotamento sanitário no Bloco A também atendido no mesmo prazo.
A decisão de Moura ainda reforça precedentes do Supremo Tribunal Federal, que validaram a microrregionalização compulsória e a governança interfederativa em casos semelhantes envolvendo Ananindeua.
A reabertura do caminho para a privatização da Cosanpa reacende o debate sobre o futuro do saneamento no Pará, onde milhões ainda carecem de serviços básicos.
Outros trechos da decisão
Sobre a legalidade da microrregionalização e o risco à ordem administrativa: “A Microrregião de Águas e Esgoto do Estado do Pará (MRAE) foi instituída por meio da Lei Complementar Estadual n.º 171/2023, em conformidade com o art. 25, § 3º, da Constituição Federal e com as diretrizes estabelecidas pelo Novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei Federal n.º 14.026/2020). […] A decisão liminar, ao conferir primazia à vontade de um único ente federado em detrimento da decisão colegiada, compromete a ordem administrativa e viola o pacto federativo, afetando não apenas os atos do certame, mas todo o arranjo institucional estabelecido.”
Esse trecho enfatiza que a estruturação da MRAE seguiu rigorosamente a legislação, com aprovação democrática por representantes de todos os municípios, e que a exclusão de Ananindeua desrespeitaria esse acordo coletivo.
Sobre o impacto na saúde e nos direitos fundamentais: “O projeto em curso visa reverter esse cenário com metas concretas de universalização até 2033, conforme as diretrizes da Lei nº 14.026/2020. A interrupção do certame, ainda que parcial, retarda o início de obras e compromete o acesso da população a direitos fundamentais, como saúde, dignidade e meio ambiente equilibrado.”
Aqui, o desembargador aponta que a paralisação do leilão não apenas atrasaria investimentos, mas também prejudicaria diretamente a qualidade de vida da população, ao limitar o acesso a serviços essenciais de água e esgoto.
Sobre a lesão à economia e à confiança dos investidores:
“Não bastasse, há grave lesão à economia pública, tendo em vista o impacto imediato sobre a confiança dos investidores, a paralisação de uma modelagem que prevê R$ 18,8 bilhões em investimentos privados, além de aportes públicos e recursos federais atrelados ao cumprimento de metas pactuadas com a União.”
Moura destaca o risco financeiro de suspender o leilão, que poderia afastar investidores e comprometer recursos já planejados, incluindo verbas federais condicionadas ao avanço do projeto.
Sobre a ausência de ilegalidade no edital:
“Também há indicadores específicos para reuso de efluentes e redução de perdas, estabelecidos nos anexos do edital, em observância ao artigo 10-A, inciso I, da Lei nº 11.445/2007. Não se verifica, pois, ilegalidade manifesta ou omissão relevante que justifique, nesta fase inicial, a drástica intervenção promovida pela decisão suspensa.” Nesse ponto, o desembargador reforça que o edital foi elaborado com base em normas técnicas e legais, refutando as alegações de irregularidades levantadas pelo município de Ananindeua.
Sobre precedentes do Supremo Tribunal Federal:
“Ressalte-se que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal, nas Reclamações n.º 78.213 e ADI n.º 7.800, ambas do Estado do Pará, rejeitou pretensões semelhantes do Município de Ananindeua, reconhecendo a constitucionalidade da microrregionalização compulsória e a validade da governança interfederativa.”
Moura cita decisões do STF para respaldar a legalidade da inclusão compulsória de municípios na MRAE, reforçando que a tentativa de Ananindeua de se desvincular já foi considerada infundada em casos anteriores.