Em carta, José Luciano Duarte Penido diz não acreditar mais ‘na honestidade de propósitos de acionistas relevantes da empresa’; mineradora afirma que escolha de presidente segue estatuto
A mineradora Vale já perdeu R$ 48,3 bilhões em valor de mercado desde o início deste ano. A companhia enfrenta um processo confuso de troca de presidência, que contou com uma tentativa do governo Lula de emplacar o ex-ministro Guido Mantega no comando da companhia. Os cálculos são de Einar Rivero, sócio-fundador da Elos Ayta Consultoria.
José Luciano Duarte Penido, conselheiro independente da Vale que renunciou nesta segunda-feira, 11, escreveu, em sua carta de saída, que o processo sucessório do comando da mineradora “vem sendo conduzido de forma manipulada, não atende ao melhor interesse da empresa, e sofre evidente e nefasta influência política”. A Vale divulgou um comunicado afirmando que segue rigorosamente seu estatuto.
Segundo ele, “no Conselho se formou uma maioria cimentada por interesses específicos de alguns acionistas lá representados, por alguns com agendas bastante pessoais e por outros com evidentes conflitos de interesse”. O processo, continua ele, tem sido operado por frequentes, detalhados e tendenciosos vazamentos à imprensa, em claro descompromisso com a confidencialidade.
Penido escreve ainda não acreditar mais “na honestidade de propósitos de acionistas relevantes da empresa no objetivo de elevar a governança corporativa da Vale ao padrão internacional de uma corporation (companhia sem controle definido)”.
Assim, ele renunciou ao cargo ao qual foi eleito, com mandato de maio de 2023 a abril de 2025. “Minha atuação como Conselheiro Independente se torna totalmente ineficaz, desagradável e frustrante”, termina.
A carta foi enviada a Daniel Stieler, presidente do conselho, a Gustavo Pimenta, diretor Financeiro e de Relações com Investidores, e a Luiz Gustavo Gouvea, diretor de Governança Corporativa.
Penido é bacharel em Engenharia de Minas e tem longa carreira em grandes projetos de mineração. Foi presidente do Conselho de Administração da Vale antes de Sieler e diretor-executivo da Samarco de 1992 a 2003, além de ter comandado o conselho da Fibria Celulose por dez anos.
Em comunicado divulgado na noite desta terça, a Vale afirma que a atuação do conselho “está rigorosamente em conformidade com o estatuto social” no processo de definição do presidente da companhia e também com o “regimento interno e políticas corporativas”.
A empresa diz também que seu conselho de administração seguirá “desempenhando as ações previstas nos processos de governança” e “executando sua missão de forma diligente”.
Processo turbulento
Na sexta-feira, 8, o Conselho de Administração da empresa decidiu em reunião extraordinária renovar o contrato do CEO, Eduardo Bartolomeo, até 31 de dezembro de 2024. O mandato se encerraria em maio. Até o fim do ano, uma empresa de recursos humanos será contratada para elaborar uma lista tríplice com indicações de sucessores, e Bartolomeo ajudará na escolha.
Ele também fará a transição da posição até março do próximo ano e permanecerá como advisor (consultor) até 31 de dezembro de 2025. O placar teve 11 votos pela troca do presidente e dois pela permanência de Bartolomeo no posto.
Representantes de acionistas estrangeiros, como a japonesa Mitsui e fundos de investimentos, como BlackRock e Capital, que antes haviam votado pela permanência do executivo, votaram, desta vez, pela sua substituição, com a extensão do seu mandato até o fim do ano. Dos 13 conselheiros, apenas os independentes Paulo Hartung e José Luciano Penido se mantiveram contrários à saída de Bartolomeo do comando da companhia. Eles são os mais refratários à influência de Brasília na companhia.
O processo de sucessão no comando da Vale tem sofrido forte interferência política nos últimos meses e dividiu o Conselho. O Governo Lula tentou emplacar, por exemplo, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega ao comando da empresa e no Conselho, mas acabou recuando.
Vale já perdeu R$ 48,3 bilhões em valor de mercado neste ano com sucessão tumultuada
Na sexta-feira, 8, o Conselho de Administração da Vale decidiu renovar o contrato de seu CEO, Eduardo Bartolomeo, até 31 de dezembro de 2024. O mandato dele se encerraria em maio. Agora, a companhia vai contratar uma empresa de recursos humanos para elaborar uma lista tríplice com indicações de sucessores. Segundo fonte próxima aos conselheiros, há um temor de que a mudança seja um jogo de “cartas marcadas”.
No fim do ano passado, o valor de mercado da Vale era de R$ 332,1 bilhões. Na sexta-feira, valia R$ 283,8 bilhões.
A troca de comando da Vale foi mais uma das polêmicas do atual governo. O governo tentou emplacar o ex-ministro Guido Mantega na presidência da empresa e no Conselho de Administração. Mantega foi ministro da Fazenda entre 2006 e 2014. A tentativa de interferência provocou uma divisão entre os acionistas da companhia.
A saída de Bartolomeo do cargo era defendida pela Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, por meio do qual o governo exerce a sua influência na empresa.
Se, por um lado, a decisão que culminou com a saída de Bartolomeo atende ao pleito do governo de remover o executivo, de outro, adia a decisão sobre quem deverá substituí-lo para o fim do ano, quando a lista tríplice será avaliada.
Em entrevista à RedeTV, o presidente Lula disse que a “Vale não pode pensar que é dona do Brasil” e que precisa estar de acordo com o entendimento de desenvolvimento do governo, o que reforçou a ideia de que Lula deseja interferir na companhia.
Nas últimas semanas, vários nomes apareceram como cotados para ocupar a presidência da Vale, como o presidente da Suzano, Walter Schalka, o ex-presidente da Cielo e do Banco do Brasil Paulo Caffarelli, e o ex-presidente da Vale Murilo Ferreira.
Ações da empresa são afetadas
A tumultuada sucessão na Vale levou o BTG Pactual a rebaixar a recomendação de compra das ações da empresa para “neutra”. Neste ano, as ações da Vale já caíram 14,49%.
Num relatório publicado na terça-feira, 5, o time de analistas do banco destaca que o rebaixamento se justifica, uma vez que a Vale vem enfrentando um intenso ruído nas últimas semanas, que se intensificou em meio às discussões sobre o próximo CEO da empresa, além das notícias em torno da Samarco/Renova, com a empresa reconhecendo mais provisões (de US$ 3 bilhões para até US$ 4,2 bilhões). Uma resolução final ainda pode levar meses, segundo o banco.
Outro ponto mencionado foi a série de interrupções operacionais no estado do Pará (Sossego e Onça Puma), já revertidas, indicando a animosidade das autoridades locais em relação à empresa.
A Secretaria do Meio Ambiente do Estado havia suspendido as licenças das duas minas na semana passada. Na ocasião, a companhia reiterou seu compromisso de manter diálogo com as autoridades competentes.
“A Vale tem sido submetida a um alto grau de ruído e pressão política ultimamente, o que acreditamos ser injusto e claramente excessivo”, avaliam os analistas.
“Por fim, talvez mais importante, há uma clara divisão entre os membros do Conselho sobre a direção futura da empresa, o que acreditamos ser preocupante para uma empresa com tantos desafios pela frente.” As informações são do jornal O Estado de São Paulo.