Cerca de 200 famílias têm até no máximo 90 dias para desocupar os apartamentos do Residencial Liberdade, na Avenida Perimetral, área do igarapé Tucunduba, próximo da Universidade Federal do Pará (UFPA). O caso se arrasta há vários anos sem o que o governo tenha resolvido o grave problema social.
O próprio governador Helder Barbalho e a mãe dele, deputada Federal Elcione Barbalho, durante as duas últimas campanhas eleitorais, estiveram no local, prometendo às famílias que iriam solucionar a questão. As promessas foram feitas tanto para as que ganharam os apartamentos em sorteio da Cohab, mas sem jamais ocupá-los, como também às famílias que, alegando não terem onde morar invadiram os apartamentos e lá estão até hoje.
“Quem acreditou nas palavras do Helder está vendo como é duro acreditar na demagogia dos políticos. O governador está em Dubai, no maior luxo com os árabes, enquanto nós estamos aqui, desprotegidos e ameaçados de ir para a rua sem ter para onde ir”, disse ao Ver-o-Fato um morador.
Outra moradora foi taxativa: “nós vamos fechar a Perimetral em protesto, vai rolar sangue e morte, mas ninguém vai tirar o pessoal sem luta. Tem muitos idosos, crianças e e pessoas com deficiência que moram aqui e não têm qualquer amparo do poder público”. Por outro lado, há muitas famílias que esperam desde 2013 a entrega das chaves pelo governo para que possam ocupar os apartamentos que para elas foram sorteados.
Em sua decisão, o juiz da 5ª Vara da Fazenda Pública e Tutelas Coletivas, Raimundo Santana, assim se manifesta: ” Diante desse contexto, defiro o pedido contido na petição inserta, revigorando a ordem de reintegração de posse em favor do Estado do Pará e da Cohab.Em vista do cumprimento da medida possessória, determino a delimitação das seguintes condicionantes:
a) Os efeitos da ordem incidirão, inicialmente, sobre os ocupantes dos blocos 06 e 07 e que já tenham sido devidamente citados e apresentado contestação (a ser
observado nas listagens constantes dos autos, como a que consta do ID nº 97172165 e outras mais antigas). Justifica-se essa medida porque, segundo os autores, tais áreas são tidas como mais propícias à retomada e conclusão das obras civis. b) A desocupação espontânea deverá ocorrer em até 90 dias, contados da
intimação a ser efetuada por oficiais de justiça, sob pena de desocupação compulsória.
c) No entanto, como condição para a retomada da posse, os autores deverão cumprir as medidas que constam do seu “Plano Estratégico de Desocupação do
R e s i d e n c i a l L i b e r d a d e ” dentre as quais, de forma imprescindível, as seguintes: a) o cadastramento das famílias retiradas nos programas habitacionais em curso e/ou previstos; b) a concessão de pecúnia a título de “auxílio aluguel” ou equivalente por, no mínimo, 06 meses, contados da efetiva saída do imóvel; c) auxílio para o transporte dos móveis e utensílios das residências; d) a concessão/transferência de matrículas escolares para estabelecimentos educacionais nos bairros a serem indicados pelos ocupantes.
d) Sobejando a necessidade de desocupação compulsória, medidas complementares serão determinadas por este juízo. e) A análise sobre a desocupação das demais áreas será efetuada a medida em que as novas contestações forem juntadas aos autos. f) Sem prejuízo das diligências a serem efetuadas a continuidade das citações que ainda remanescerem;
g) Determino, ainda, que tal decisão seja remetida por ofício (com cópia integral dos autos) à “Comissão de Conflitos Fundiários” do TJE/PA, a fim de possa atuar
na mediação dos impactos dela decorrentes. h) Intimem-se os ocupantes que serão imediatamente afetados, bem como as partes e o Ministério Público; i) Notifique-se o Município de Belém e o Comando da Polícia Militar do Estado.”
VEJA ABAIXO A ÍNTEGRA DA DECISÃO
Vistos.
Denota-se que, desde a decisão proferida por este juízo, na qual foi determinada a citação dos atuais ocupantes dos imóveis mencionados na peça de ingresso (ID nº 86214305), sucederam fatos novos e aptos a serem considerados, em vista da resolução do conflito, ainda que de forma parcial. Primeiro, foi a instalação da “Comissão de Conflitos Fundiários”, no âmbito do TJE/PA, consoante a previsão contida na Portaria de nº 1.364/2023-GP, de 29.03.2023.
Em segundo lugar, dado o cumprimento parcial das diligências citatórias, foram cumpridos mais de 200 mandados de citação, resultando na apresentação da contestação em favor das pessoas listadas na peça inserida, estando o prazo ainda em curso para as demais. Ao vislumbrar a perspectiva de uma solução conciliatória, este juízo determinou a realização de audiência nesse feitio, a qual foi realizada em 26.10.2023 conforme consta. Contudo, embora diversas questões
tenham sido debatidas durante o ato (inclusive a apresentação de medidas mitigatórias de feitio pecuniário), por agora, inexiste uma solução conciliatória e definitiva, no que se refere à solução.
Autor: Estado do Pará
Réus: Leidiana Homem Goncalves e outros
Mérito.
Nesse ponto, convém anotar algumas premissas. De início, importa destacar que, não obstante a ausência de uma sentença de mérito, dado que (por diversas razões) o feito acabou retornando à fase citatória, a ordem de retomada da posse em favor dos entes públicos ainda permanece ativa. Afinal, conforme registrado em outras ocasiões, o Estado do Pará já havia obtido decisão liminar de reintegração na posse desde 2013 e, posteriormente, postulou várias vezes que a ordem fosse
revigorada, ante a retomada das ocupações. Portanto, a ordem judicial originária somente ainda não foi reavivada e efetivada por fatores estranhos ao debate possessório propriamente dito (como a quantidade de pessoas, a complexidade do local e a ocorrência da pandemia do Coronavirus).
Outro aspecto a merecer destaque cuida do pedido da Defensoria Pública, no sentido de remeter o processo para a Comissão de Soluções Fundiárias, do TJEPA. É que, segundo a Defensoria Pública, tal medida “… não se trata de faculdade do Juízo condutor do processo […] mas de determinação do Supremo Tribunal Federal aos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais e de Resolução do Conselho Nacional de Justiça, com mesma força de lei. Ou seja, é um mecanismo e instância mediadora e estratégica de constituição obrigatória. Logo, o encaminhamento do conflito fundiário à Comissão de Soluções Fundiárias é obrigatório …” (sic).
Contudo, é relevante destacar que a comissão mencionada possui um papel apenas instrumental, ou seja, ela atuará como um instrumento posto à disposição do juízo. Não é possível, nessa perspectiva, imaginar que a comissão resolva o “conflito fundiário”, tal como esboçado na peça defensiva. Em razão de sua natureza, a comissão poderá contribuir decisivamente – durante o curso de eventual mediação extrajudicial -, mas apenas tendo em vista o efetivo cumprimento da ordem judicial.
Por fim, também é fundamental destacar, quanto ao pedido do Ministério Público (feito em audiência) acerca da garantia prévia da disponibilização de moradias para os atuais ocupantes do Residencial Liberdade que, eventualmente, forem removidos. Para o Ministério Público, essa garantia seria uma das pré-condições a serem cumpridas, antes de ser dada efetividade à desocupação dos apartamentos.
Entretanto, trata-se de uma pretensão que, apesar da nobreza da intenção, ao menos por agora , não encontra substrato jurídico no âmbito deste feito. É que, como é fato sabido, não compete ao Poder Judiciário como um todo e, menos ainda, a este juízo, no estreito circuito de um processo judicial, resolver a questão do direito à moradia ou da falta dela quando tal direito é visto de forma difusa e genérica. Esse tema transcende – e muito – o campo de intervenção desta e, muito provavelmente, de qualquer outra ação judicial.
Ao adotar esse viés interpretativo, seria irrazoável condicionar a desocupação dos imóveis à garantia da entrega de novas moradias aos atuais ocupantes do Residencial Liberdade. Afinal, se esse próprio empreendimento está pendente de conclusão há mais de 10 anos, como se poderia impor ao Poder Público o dever de construir um novo empreendimento, do mesmo porte, a ser destinado aos atuais ocupantes? Como se poderia ignorar que existem outras milhares de pessoas que, há anos, esperam pela oportunidade de obter uma moradia mediante um sistema público e regular de acesso às casas populares?
Feitos os registros antecedentes, infere-se que as contestações apresentadas até o momento (as antigas e atual) não demonstram argumentos suficientemente robustos a aponto de elidir o direito possessório reivindicado pelo Estado do Pará e a Cohab. Com efeito, o Residencial Liberdade integra uma proposta de urbanização em uma área situada no populoso bairro do Guamá. O empreendimento pretende contemplar centenas de famílias que, há anos, foram remanejadas do
polígono do Tucunduba e que esperam por uma moradia digna e decente.
Em consequência, salvo ulterior e mais acurada compreensão, é o direito dessas famílias que há anos têm aguardado – pacientemente – a oportunidade de ingressar em suas novas moradas é que merece preferência sobre o direito dos atuais ocupantes, no que se refere a cada apartamento irregularmente ocupado.
Dito isso, aflora em favor dos demandantes, a defesa da função social que é atribuída aos bens imóveis, visto que, neste caso, não se trata de uma proteção jurídica de feitio exclusivamente e/ou primordialmente patrimonial. Antes, cuida-se da defesa do direito à moradia daqueles que esperam há anos pela sua concreção.
Diante desse contexto, defiro o pedido contido na petição inserta, revigorando a ordem de reintegração de posse em favor do estado do Pará e da Cohab. Em vista do cumprimento da medida possessória, determino a delimitação das seguintes condicionantes: a) Os efeitos da ordem incidirão, inicialmente, sobre os ocupantes dos blocos 06 e 07 e que já tenham sido devidamente citados e apresentado contestação (a ser observado nas listagens constantes dos autos, como a que consta do ID nº 97172165 e outras mais antigas).
Justifica-se essa medida porque, segundo os autores, tais áreas são tidas como mais propícias à retomada e conclusão das obras civis. b) A desocupação espontânea deverá ocorrer em até 90 dias, contados da intimação a ser efetuada por oficiais de justiça, sob pena de desocupação compulsória.
c) No entanto, como condição para a retomada da posse, os autores deverão cumprir as medidas que constam do seu “Plano Estratégico de Desocupação do
R e s i d e n c i a l L i b e r d a d e ” dentre as quais, de forma imprescindível, as seguintes: a) o cadastramento das famílias retiradas nos programas habitacionais em curso e/ou previstos; b) a concessão de pecúnia a título de “auxílio aluguel” ou equivalente por, no mínimo, 06 meses, contados da efetiva saída do imóvel;
c) auxílio para o transporte dos móveis e utensílios das residências; d) a concessão/transferência de matrículas escolares para estabelecimentos educacionais nos bairros a serem indicados pelos ocupantes. d) Sobejando a necessidade de desocupação compulsória, medidas complementares serão determinadas por este juízo.
e) A análise sobre a desocupação das demais áreas será efetuada a medida em que as novas contestações forem juntadas aos autos. f) Sem prejuízo das diligências a serem efetuadas a continuidade das citações que ainda remanescerem;
g) Determino, ainda, que tal decisão seja remetida por ofício (com cópia integral dos autos) à “Comissão de Conflitos Fundiários” do TJE/PA, a fim de possa atuar
na mediação dos impactos dela decorrentes.h) Intimem-se os ocupantes que serão imediatamente afetados, bem como as partes e o Ministério Público;
i) Notifique-se o Município de Belém e o Comando da Polícia Militar do Estado.
Belém, 1º de novembro de 2023.
RAIMUNDO RODRIGUES SANTANA
Juiz de Direito da 5ª Vara da Fazenda Pública e Tutelas Coletivas