A polêmica – mais uma, para variar – decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), tirando da cadeia e pondo em prisão domiciliar o operador da corrupção com verbas da saúde do Pará, Nicolas André Tsontakis Morais, provocou manifestação da Procuradoria Geral da República (PGR). A subprocuradora da PGR, Cláudia Sampaio Marques, que ontem mesmo, terça-feira,24, ingressou com agravo interno no STF, alega que o órgão competente para o julgamento do pedido de soltura do investigado deveria ser o juiz da 4ª Vara Federal de Belém, Antônio Carlos Campelo.
Ela argumenta que, caso o juiz mantivesse a prisão de Nicolas, em grau de recurso o caso teria de ser remetido para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1(, e não para o STF, onde Toffoli, sem pestanejar, decidiu tirar Nicolas da penitenciária de Santa Isabel do Pará, apresentando argumentos que estão sob críticas de vários juristas pelo país afora.
Aliás, chama a atenção, entre os advogados de Nicolas, a atuação de Rafael Favetti, concidentemente o mesmo defensor do governador Helder Barbalho no inquérito sobre o desvio desses recursos e cuja tramitação, em razão do foro privilegiado do governador, acontece no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob relatoria do ministro Francisco Falcão.
Segundo a subprocuradora da República, o reclamante (Nicolas), por não exercer cargo ou função que lhe assegure prerrogativa de foro na Suprema Corte, não pode trazer os seus pleitos diretamente ao Supremo Tribunal Federal, sob pena de grave violação às regras constitucionais de competência”. Ela também contesta no agravo interno ao STF os argumentos de Toffoli de que Nicolas “padece das mesmas graves patologias, que podem levar à morte sobretudo, em razão da constatação inequívoca de que o mesmo, entre outras doenças, é portador de obesidade mórbida (possui 1,74 mts e pesa 184 kg, tem um IMC de 61,77 – classificação obesidade grave – grau 3)”.
Gravações telefônicas, interceptadas por ordem judicial, ainda de acordo com o entendimento da subprocuradora Cláudia Marques, apontam que Nicolas, “na verdade, não tem quadro de saúde debilitado que justifique a concessão da pretendida prisão domiciliar”. Em Belém, corre o boato de que o operador da máfia que saqueou em R$ 455 milhões o dinheiro do combate à Covid-19 estaria se preparando para fugir do Pará e do país, embalado pelo habeas-corpus da prisão domiciliar concedido pelo ministro Dias Toffoli.
Livre da cadeia por “razões humanitárias”, como diz a decisão de Toffoli, o operador Nicolas, por meios dos advogados dele, apresentou um verdadeiro dossiê de doenças graves, além da obesidade mórbida, para ficar sob “prisão domiciliar”. Um jurista de Brasília, que teve acesso á decisão de Toffoli, afirmou ao Ver-o-Fato que a quantidade de doenças contida no pedido de soltura “assemelha-se a um quase atestado de óbito”. E, desta forma, quem deveria ser preso é quem mandou prender Nicolas, por não ter piedade em vê-lo em tão grave estado de saúde.
Relatório de doenças
Citando a defesa de Nicolas, o ministro Toffoli assim se manifesta sobre o estado de saúde do operador da corrupção: ” Ressalta a defesa a permanência do grave quadro de saúde do requerente, fazendo alusão à laudos e relatórios médicos. Aduz, a esse respeito, a permanência do grave quadro de saúde do Reclamante, que, entre outras doenças, é portador de obesidade mórbida (possui 1,68 mts e pesa aproximadamente 170 kg, tem um IMC de 60,23 – classificação obesidade grave – grau 3), e sofreu crises graves de ansiedade, dispneia suspirosa, sonolência, supervigilância, agitação psicomotora, fadiga crônica por insônia cursando com descontrole da pressão arterial e da glicemia, síndrome plurimetabólica ou síndrome X, sequela de TCE grave com crises epilepsiformes, descontrole glicêmico, alteração hormonal tireoidisna e de enzimas hepáticas TGO e TGP (USG com esteatose hepática grau III), dislipidemia (colesterol elevado), ansiedade com episódios de estresse agudo, insônia, tiques nervosos, inquietação e embotamento”.
Toffoli argumenta: ” constato, portanto, haver demonstração suficiente de que o reclamante padece de graves patologias, que podem levar à morte sobretudo, em razão da constatação inequívoca de que o mesmo, entre outras doenças, é portador de obesidade mórbida (possui 1,68 mts e pesa 170 kg, tem um IMC de 60,23 – classificação obesidade grave – grau 3) e já sofreu 2 (dois) episódios de crise convulsiva no âmbito do sistema carcerário, registrados no prontuário, que não foram reportados pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Estado do Pará. Com efeito, os documentos contemporâneos juntados aos autos atestam que o médico e perito federal Arthur Salomão Rocha, CRM/PA 7588, compareceu à unidade prisional a fim de realizar avaliação médica do requerente. Essa avaliação foi acompanhada pela equipe de saúde da Diretoria de Assistência Biopsicossocial (DAB), representados pela psicóloga Thais S., assistente social Maria Rocha, enfermeiro Bruno Kaisar, técnica de enfermagem Liane Cristina, gerente de saúde Narayana Brotas, nutricionista Adelaide Fernanda e a policial penal Nunes”.
Segundo o relatório médico, assinado em 22/8/21 ,“[a] evolução de enfermagem feita pela técnica de enfermagem da instituição registrou que a pressão arterial se encontrava 120 x 70 mmHg, peso 187 kg e altura 1,74m. Com estas medidas o cálculo do seu índice de Massa Corporal (IMC) é igual a 61,77, sendo classificado como obeso mórbido (grau III) ou superobeso, como classifica a sociedade brasileira de cirurgia bariátrica e metabólica. Nesta condição, inúmeras são as complicações possíveis e prováveis a surgir que provocarão o descontrole de todo tratamento multiprofissional até aqui instituído e satisfatoriamente alcançado. Este caso exige precauções diante do porte físico especial deste paciente. Em um cenário que exija um atendimento de urgência (aquele que necessita de suporte de vida imediato), tomará um tempo demasiadamente longo até que seja transportado pelos agentes prisionais ‘aos braços’ ou aguarde socorro médico in locus.” (eDoc. 170 – grifos nossos)”.
E prossegue o laudo médico: “outra preocupação constante é que o Sr. Nicolas sofre de doença degenerativa lombar avançada (transtorno discal lombar com radiculopatia), degeneração dos quadris, degeneração dos joelhos e tornozelos em diferentes estágios de evolução que agravarão consideravelmente sem os devidos cuidados ortopédicos ou ergonômicos. Estas doenças degenerativas tem relação com a superobesidade, o sedentarismo e a baixa ingesta de alimento ricos em cálcio como leite de vaca e seus derivados.
Segundo a avaliação nutricional em fevereiro de 2021 houve uma suspeita do Sr. Nicolas estar com intolerância à lactose ou alergia alimentar e lhe foi indicado a não consumir certos alimentos que contenham leite e derivados”.
E, mais adiante: “outro fato relevante é que o paciente faz uso de oslistate tratamento de obesidade, controle de pré-diabetes e de esteatose hepática que se encontra avançada (grau 3) e, com isso, tem evacuações amolecidas e oleosas frequentemente que exigem vários asseios durante o dia com ducha e um produto saponáceo. Não fazer esses asseios trará desconforto para o PPL e para os que o cercam. Com relação às condições ergonômicas especiais que o PPL tem necessidade, não adotar medidas eficazes como adequação do tamanho do leito (o tamanho da cama e colchão são desproporcionais ao tamanho do PPL), tipo de colchão, tamanho da cadeira para refeição, atividades fisioterápicas de reforço muscular e outras proporcionarão desconforto físico que mais adiante refletirá sobre a pressão arterial, a diabetes e o estado mental emocional causando descontrole da pressão e da glicemia que aumentará o risco de um colapso cardiovascular (infarto agudo do miocárdio) ou cerebrovascular (acidente vascular encefálico) e/ou complicações vasculares periféricas como pé diabético, gangrena de artelho, nefropatia, retinopatia e outras mais”.
“Atualmente está com queixas de edema de membros inferiores sem aumento da temperatura local. No último dia 17 de agosto orientei a vir para Belém para atendimento de emergência e possível internação para realizar exames e avaliações com especialistas. Ocorre que ele foi recolhido na manhã seguinte interrompendo esta avaliação intra-hospitalar. Nesse contexto, considerando a condição do interno aqui referido, o sistema prisional nacional não dispõe de recursos, estratégias e procedimentos para personalizar o acolhimento desta PPL. Não ouso em sugerir a possibilidade de interná-lo em instituição de saúde por se tratar de necessidades preventivas e não terapêuticas, além do fato que iria expô-lo aos riscos de infecções. Portanto não há necessidade de incrementar custos hospitalares extras ao SEAP. Outrossim recomendaria mantê-lo na condição de prisão domiciliar onde os recursos serão custeados pela família da PPL e com a contínua notificação da evolução do paciente através de relatórios médicos e de outros profissionais que o acompanharão.”
Como se pode observar, são tantas as doenças de Nicolas exibidas nos laudos médicos que levam o Ver-o-Fato a perguntar: como ele, que aparece sorridente e debochado, ao comentar as riquezas e o farto dinheiro em espécie, com bolsas e sacos plásticos que passavam por suas mãos para honrar compromissos criminosos com outros comparsas, teve tanta saúde e disposição, se hoje é um homem quase acabado, digno de pena?
Sadio para praticar crimes
A subprocuradora Cláudia Marques, porém, afirma que “os áudios captados e as imagens registradas durante a investigação comprovam que, apesar do sobrepeso que sempre ostentou, o reclamante levava uma vida absolutamente normal, sem restrições à sua locomoção, frequentando festas, viajando com frequência, inclusive percorrendo as suas fazendas que se situam em locais de difícil acesso e sem assistência médica próxima”.
Ela cita, no agravo ao STF, que em uma dessas conversas, Nicolas manda sua localização para Antônio de Pádua Andrade, ex-secretário de Transportes do governo do Pará, dizendo que estava em uma de suas fazendas. “A localização fica a mais de 76km da cidade mais próxima, Paragominas. Ou seja, Nicolas estaria a mais de 2 horas de eventual assistência médica. Convenientemente, o estado de saúde do reclamante somente se tornou precário e merecedor de cuidados após a sua prisão. Até então, mesmo com a obesidade, locomovia-se com facilidade e não apresentava comorbidades que restringissem as suas atividades.”
Além disso, mesmo quando ainda estava em prisão domiciliar, em 2020, em outra decisão do próprio Toffoli, segundo a subprocuradora da República, Nicolas Tsontaski “continuou a praticar crimes, agindo no sentido de ocultar o patrimônio que adquiriu com os recursos ilícitos obtidos por meio dos delitos pelos quais está sendo investigado e processado, mediante a transferência a terceiros, inclusive empregados, que atuam como “laranjas”, dos bens imóveis obtidos com a prática de crimes”.
Diz ainda Cláudia Marques, no documento, que Nicolas comprou três apartamentos, 601, 1301 e 2001, no Edifício Village Ritz, na travessa Almirante Wandenkolk, 135, bairro do Umarizal, em Belém. Para ela, “Nicolas tentou ocultar a real propriedade de um dos imóveis, não apenas por meio da utilização do seu nome falso no contrato de compra e venda, mas, também, na tentativa de registrar, em cartório, o imóvel em nome de sua mãe, Nectária Tsontakis Morais. No dia de Julho de 2021, ainda em prisão domiciliar, ele orquestrou a transferência do imóvel – desfazendo a escritura anterior em nome de sua mãe, que, sequer, consta no inteiro teor do imóvel – em nome da empresa Norte Ambiental” .
Resumo: “esses dados comprovam que, enquanto estava em prisão domiciliar, o reclamante agiu para ocultar o seu patrimônio, em atos que se qualificam como lavagem de dinheiro, o que autoriza a revogação do benefício. Ao que tudo indica, o reclamante está doente para permanecer preso, mas absolutamente sadio para praticar crimes”. Cláudia pede, no final do agravo, que Toffoli reforme sua decisão e mande Nicolas de “volta à prisão”.