o juiz federal Jorge Ferraz de Oliveira Júnior indeferiu o pedido do Ministério Público federal (MPF) no Pará, que pretendia a manutenção do lockdown em Belém e Região Metropolitana. “Isso posto: não conheço os fatos narrados nas petições de id. 466526884 e 490848909;. No que concerne aos pedidos “A.II”, “A.III” e “B”, julgo extinto o processo com resolução do mérito, em razão do acordo celebrado e homologado em audiência. e c) no que se refere ao pedido A.I, julgo-o improcedente, conforme informação supra”, decidiu o magistrado.
Afirma o juiz: “conforme já relatado no item 1.5, o estudo publicado pela UFRA, juntado pelo réu e consignado parcialmente na decisão supratranscrita, mostrou-se acertado quando da retomada das atividades não essenciais após o primeiro lockdown, visto que as curvas de óbito e de contágio, de fato, diminuíram. Nesse contexto, observe-se que, após a referida decisão, os autores da ação se limitaram a narrar o descumprimento do acordo no que concerne à disponibilização das atas de audiência do Comitê Assessor no sítio da Sespa, voltado à pandemia, não tendo requerido qualquer prova ou aduzido à necessidade de novo lockdown, até o início do mês de março de 2021”.
E mais: “concernentemente aos fatos narrados pelo MPF, em sua última petição, em relação ao qual o Estado do Pará realizou contraditório preliminar protestando por prazo adicional, conforme já dito: a) aqueles concernentes ao descumprimento do acordo devem ser analisados em sede de cumprimento de sentença; e b) aqueles relacionados ao pedido de decretação permanência do atual lockdown (ou nova decretação da medida), devem ser objeto de nova ação, sujeita à livre distribuição.”
Ele já intimou as partes, MPF e governo de Helder Barbalho, sobre a decisão. “Interposto recurso, intime-se a parte contrária para o oferecimento de contrarrazões, remetendo-se os autos, oportunamente, ao TRF da 1ª Região, em caso de recurso de apelação. “Sem recurso, arquivem-se os presentes autos”, resumiu.
ÍNTEGRA DA DECISÃO
SENTENÇA TIPO “A”
PROCESSO: 1011750-53.2020.4.01.3900
CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA CÍVEL (65)
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA)
AUTOR: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
RÉU: ESTADO DO PARA
SENTENÇA
I. Relatório
Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL e pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO contra o
ESTADO DO PARA, em que requerido, em sede de tutela de urgência:
A – [que o Estado do Pará] revise o Decreto nº 609/2020, a fim de que as
medidas destinadas à quarentena e ao isolamento/distanciamento social sejam
efetivas no enfrentamento à pandemia, incluindo expressamente a determinação
de:
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A. I – Estender a suspensão expressa a todas as atividades não essenciais à
manutenção da vida e da saúde, trazendo rol exaustivo das atividades essenciais
que ficariam excepcionadas dessa suspensão, bem como limitação adequada das
reuniões de pessoas e regulamentação do funcionamento dos serviços públicos e
atividades essenciais, prescrevendo-se lotação máxima excepcional nesses
ambientes;
A. II – Apresentação da respectiva justificativa técnica da medida do item I,
incluindo os estudos que a embasaram, contemplando os impactos dessas
medidas na transmissão do vírus com a circulação de pessoas decorrentes da
continuidade das atividades indicadas como essenciais (impactos na demanda
dos transportes públicos coletivos e a possível aglomeração de pessoas, na
identificação de casos, na capacidade de fiscalização, no monitoramento de
suspeitos, na demanda e disponibilidade de testes, nas barreiras sanitárias, nas
medidas de desinfecção, na demanda e disponibilidade de leitos e atendimento
de saúde, entre outras);
A. III – Submissão de qualquer nova revisão das medidas de
isolamento/distanciamento social, em especial a liberação de atividades que
venham a ser consideradas não essenciais, a prévia, expressa e pública
manifestação do Comitê Técnico Assessor previsto no Plano de Contingência
Estadual, com manifestação de todos os seus membros (sem prejuízo de que a
minoria possa ressalvar divergência), acompanhada de i) nova justificativa
técnica fundamentada, nos termos do item II, contemplando-se em especial
dados decorrentes de testagem em massa e projeções baseadas em estudos de
cenário, em pleno compromisso com o direito à informação e o dever de
justificativa dos atos normativos e medidas de saúde; ii) estabelecimento da
responsabilidade das empresas que não seguirem as normas sanitárias e o
detalhamento de como será feita a fiscalização pelo poder público para assegurar
que as medidas de precaução serão cumpridas; iii) demonstração de que finalizou
a estruturação dos serviços de atenção à saúde da população para atender à
demanda Covid-19 em seu período de pico, com consequente proteção do
Sistema Único de Saúde, bem como o suprimento de equipamentos (leitos, EPI,
respiradores e testes laboratoriais) e equipes de saúde (médicos, enfermeiros,
demais profissionais de saúde e outros) em quantitativo suficiente, conforme
estudos de cenário realizados;
B – Disponibilize no site http://www.saude.pa.gov.br/coronavirus/ informações
atualizadas, de forma clara e acessível à população, sobre:
I – atualização diária da quantidade total, com sua respectiva localização, de
infectados, casos suspeitos, mortes e internações causadas pelo novo coronavírus
no estado, com classificação por sexo, idade, raça/etnia e informações sobre
comorbidades;
II – Informações das internações causadas pelo novo coronavírus, especificando-se o número e localização dos leitos clínicos e de UTIs disponibilizados, bem
como dos ocupados, vagos, criados e inoperantes, separando-se sempre por
localização e destinação exclusiva para covid-19 desses leitos, indicando-se
também o tempo de internação hospitalar;
III – o número de médicos e demais profissionais de saúde infectados e
classificados como casos suspeitos, afastados de suas funções;
IV – os fluxos estabelecidos para atendimentos de pacientes, com indicações
minuciosas sobre os fluxos de atendimento a pacientes de Covid-19, de modo a
esclarecer aos enfermos em que casos devem buscar apoio médico e aonde devem
dirigir-se em caso de agravamento dos sintomas, inclusive com indicação
sistematizada dos endereços das unidades, informações sobre qual será o
hospital de referência e a função por ele desempenhada;
V – os estoques de insumos, máquinas, equipamentos de proteção individual e
medicamentos, com previsão de sua duração, considerando o cenário mais
possível;
VI – eventuais modificações do plano de contingência estabelecido inicialmente,
bem como novos planejamentos;
VII – os critérios de testagem e o número de testes realizados, por tipo, e de
exames que ainda aguardam resultado, incluindo os informados pelo sistema
privado de saúde, além do tempo decorrido entre a coleta de amostras e os
resultados positivos; e
VIII – o embasamento técnico das medidas sanitárias adotadas e das estratégias
traçadas;
IX – atualização diária do número de pacientes removidos do interior para a
capital, bem como o número de pacientes que aguardam a medida, indicando-se,
neste caso, o número de dias de espera.
No mérito, os autores reiteraram os pedidos formulados em sede de
tutela de evidência.
Juntaram documentos.
O Estado do Pará veio espontaneamente aos autos, requerer
designação de audiência ou, subsidiariamente, o deferimento de prazo para
apresentar as informações pertinentes ao deslinde do caso (Id. 219944369).
Foi deferido prazo para a juntada de documentação, em despacho
de Id. 219941909.
Comunicada a interposição de Agravo de Instrumento (Id.
222091903) e pedido de reconsideração.
Decisão indeferiu pedido de reconsideração (Id. 223371865).
Manifestação complementar do MPF (Id. 222725445), com estudo
de caso para a região metropolitana de Belém.
A Federação das Indústrias do Pará – FIEPA requereu ingresso na
lide, na qualidade de assistente.
O Estado do Pará apresentou manifestação de Id. 222725445.
Como questão preliminar, arguiu a incompetência da Justiça Federal para julgar
o feito, em razão da ausência de interesse da União. No mérito, aduziu as
especificidades em âmbito estadual e defendeu a eficácia das medidas previstas
no contestado Decreto Estadual n.º 609.
Apresentou documentos.
Foi juntada decisão em Agravo de Instrumento, que reduziu o prazo
de manifestação do Estado do Pará e determinou em ato contínuo a apreciação
da tutela de urgência pleiteada.
Decisão de id. 224658386 indeferiu o pedido de tutela de urgência.
Interposto agravo de instrumento contra a decisão (AI nº 1012127-
84.2020.4.01.0000), o TRF da 1ª Região manteve a decisão de primeiro grau (cf.
doc. de id. 53178064 e 228212877).
Despacho manteve a decisão de id. 224658386 e determinou a
intimação das partes para que esclarecessem se tinham interesse em
prosseguimento na lide, em razão da publicação do Decreto nº 729, de
05/05/2020, que dispôs acerca da suspensão total de atividades não essências
nos municípios de Belém, Ananindeua, Marituba, Benevides, Castanhal, Santa
Isabel do Pará, Santa Bárbara do Pará, Breves, Vigia e Santo Antônio do Tauá.
O MPF protocolou petições (id. 232221393 e 241070396, sendo a
última em conjunto com a DPU), requerendo o prosseguimento da lide. Juntou
documentos.
O Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – CEDEN-PA, a
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), o Movimento de
Mulheres do Campo e da Cidade – MMCC-PA e o Sindicato dos Trabalhadores
do Serviço Público Federal no Estado do Pará – SINTSEP-PA requereram o
ingresso no feito na condição de acimi curiae (id. 241540856).
O Estado do Pará apresentou manifestação, rebatendo as alegações
do MPF (id. 242513388). Juntou documentos.
O MPF e a DPU apresentaram nova petição (id. 248223868),
requerendo a suspensão das atividades “a suspensão das atividades não
essenciais, e principalmente daquelas com potencial de aglomeração, como
igrejas e shoppings, sob pena de prejuízo irreversível decorrente do aumento
descontrolado dos contágios, conforme já se verificou anteriormente” (p. 37 da
petição).
Juntaram documentos.
O juízo designou audiência preliminar de conciliação e, se fosse,
caso, de colheita de esclarecimentos pelo Estado do Pará, no dia 05/06/2020
(despacho de id. 248958364).
A Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) requereu o
ingresso na lide na condição de amicus curiae (petição de id. 250168891).
No dia designado para a audiência, as partes celebraram proposta
de acordo nos seguintes termos:
a) O Estado do Pará passará a registrar em ata e disponibilizará no sítio de
internet as reuniões realizadas com o Comitê Técnico Assessor instituído pelo
plano de contingência estadual e, inclusive, convidará instituições de ensino que
tenham interesse em participar formalmente do referido comitê, tais como
UFRA, UFPA e UEPA;
b) O Estado do Pará se comprometeu a incluir no sítio do Estado do Pará das
informações solicitadas pelo MPF no item B de sua petição inicial;
b.1) Quanto à informação do item B.i, o Estado do Pará informou não ser possível
colocar todos os casos suspeitos, porque a maior parte dos exames são realizados
na rede privada;
b.2) Quanto ao item B.ii, será realizada da forma como já é feita no site,
indicando-se leitos por região de saúde e não por unidade de saúde de maneira
individualizada;
b.3) Quanto à informação do item B.iii, o Estado do Pará afirmou que precisa de
prazo para verificar sua viabilidade perante a área técnica, pelo que solicitou
prazo de 5 dias;
b.4) Quanto à informação do item B.iv, o Estado informa que precisará da ajuda
dos Municípios para apresentar o referido fluxo; razão pela qual requer que, em
caso de dificuldade de obtenção dos referidos dados, tal circunstância seja
informada ao juízo;
b.5) Quanto à informação do item B.v, ficou esclarecido que o Estado fornecerá,
no prazo de 15 dias, o quantitativo de respiradores e EPIs;
b.6) Quanto à informação do item B.ix, o Estado se comprometeu a fornecer
apenas o percentual de pacientes do interior e da região de saúde;
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c) O Estado do Pará se comprometeu a divulgar estudos realizados por
instituições de renome que possam auxiliar a tomada de decisão do Estado
quanto às medidas de distanciamento social, inclusive estudos solicitados pelo
MPF, DPU e MPE, mesmo que tais estudos tragam argumentos contrários à
tomada de decisão por parte do réu; e
d) O Estado do Pará se comprometeu a incluir, no sítio do Governo do Estado,
cópia digitalizada da integralidade do procedimento de compras de respiradores,
de nº 2020/248867, complementando as informações já existentes quanto ao
referido processo de compra em seu sítio.
Durante a audiência, o MPF e a DPU requereram que fosse
reapreciado o pedido “A.I” da petição inicial, no sentido de que fossem suspensas
as atividades consideradas não essenciais no âmbito do Estado.
O Estado do Pará solicitou
a realização de nova audiência antes da prolação de nova decisão deste juízo, com
vistas a garantir a oitiva de testemunhas e cientistas que corroborariam a
alegação do Estado no sentido de que o Comitê chegou a ser efetivamente ouvido
antes das tomadas de decisão e a alegação de que as decisões do Estado estão
amparadas em fundamentos científicos; na eventualidade, requereu que se
concedesse prazo para que se manifestasse quanto à última manifestação do
MPF.
Em relação aos pedidos formulados pelo Estado do Pará, o juízo
prolatou a seguinte decisão:
- Indefiro o pedido de realização de audiência de instrução, por reputar que o
feito está devidamente instruído para a reapreciação do pedido formulado pelo
MPF.
2.1 Nada obstante, considerando que o MPF e a DPU juntaram novos
documentos ao feito, defiro o pedido de prazo para o Estado do Pará se
manifestar a respeito (prazo: 3 dias).
O Estado do Pará apresentou manifestação (id. 253762858).
O Estado do Pará apresentou contestação (id. 256261375),
alegando, em síntese: 1) ilegitimidade ativa ad causam dos autores e
incompetência da Justiça Federal; 2) perda superveniente de objeto, em razão da
revogação do Decreto Estadual nº 609 e acordo parcial homologado pelo juízo;
3) eficácia das medidas previstas no Decreto Estadual nº 609; e 4) vedação à
intervenção do Poder Judiciário no presente caso.
O juízo prolatou nova decisão, indeferindo novamente o pedido de
tutela provisória de urgência (id. 254905893) e o ingresso de outros entes no
feito, quer na condição de assistentes, quer na condição de amici curiae.
Em petição de id. 263740851, o MPF e a DPU protocolaram petição
alegando descumprimento do acordo realizado em audiência e requereram que o
juízo determinasse a intimação do Estado do Pará, fornecendo informações
quanto ao cumprimento do acordo.
O MPF informou a interposição de agravo de instrumento contra a
decisão que indeferiu o pedido de tutela de evidência (id. 269773864).
Despacho do juízo determinou que o Estado do Pará se
manifestasse quanto à alegação de descumprimento do acordo, intimou o MPF
para réplica e determinou a intimação das partes para que informassem se
tinham interesse em produzir novas provas (id. 283510381).
O Estado do Pará protocolou petição, alegando o cumprimento do
acordo (id. 320429364), e requerendo o julgamento antecipado da lide. Juntou
documentos.
Os autores apresentaram réplica (id. 338973849), em que: a)
reafirmaram a competência da Justiça Federal e a legitimidade do MPF e da DPU
para o manejo da presente ação; b) defenderam ausência de perda de objeto da
presente ação; c) disseram não ter mais provas a produzir.
Em nova petição, protocolada em 04/03/2021 (id. 466526894), os
autores requereram que o réu: a) juntasse, no prazo de 24 horas, as atas do
Comitê Técnico Assessor e documentação comprobatória de estudos técnicos que
subsidiaram a publicação do Decreto de 800, de 03/03/2021, que adotou o
bandeiramento vermelho em todo o Estado; b) caso não cumprido o item i, no
prazo de 48 horas, reavaliasse as medidas de distanciamento social adotado pelo
Estado após a comprovação de efetiva reunião do Comitê Técnico. Ao final,
requereram a condenação do réu nos termos da inicial, com a homologação do
acordo firmado em audiência. Juntaram documentos.
O Estado do Pará decretou bandeiramento preto (lockdown) a
começar a partir das 21 horas do dia 15/03/2021 (segunda-feira).
Os autos foram conclusos para decisão em 19/03/2021 (id.
466526894), quando já vigente o lockdown.
Em petição de id. 490848909, data de 27/03/2021 (sábado), o MPF
requereu que o juízo: a) determinasse a manutenção do bandeiramento preto
para a Região Metropolitana 1 até que o Estado do Pará apresentasse todos os
estudos técnicos do Comitê Técnico Assessor, sob pena de multa diária a ser
imposta pessoalmente ao Governador do Estado; e b) a apreciação dos pedidos
formulados na petição de 04/03/2021. Juntou documentos.
O juiz plantonista prolatou decisão, dizendo que a matéria
veiculada na referida petição incidental não seria caso de plantão (id.
490884347).
O Estado do Pará protocolou petição em 29/03/2021 (id.
492407893), se manifestando acerca de alguns fatos narrados pelo MPF e
requerendo prazo para manifestação complementar ou designação de nova
audiência de conciliação.
Brevemente relatado. Sentencio.
II. Fundamentação - Preliminares
1.1 Incompetência da Justiça Federal e ilegitimidade ad
causam dos autores
A referida preliminar já foi afastada pela decisão de id. 224658386.
1.2 Litisconsórcio com os municípios
O referido pedido já foi afastado na decisão de id. 254905893.
1.3. Vedação à intervenção do Poder Judiciário
A referida questão foi enfrentada na decisão de id. 254905893,
tendo este juízo afirmado, na ocasião:
(…) caso se verificasse existência de grave estado de omissão por parte do Estado
do Pará no sentido de adotar medidas de distanciamento social para
enfrentamento da pandemia causada pelo vírus Sars-Cov-2, poderia o Poder
Judiciário, excepcionalmente, constranger o Poder Executivo estadual a adotar
medidas de distanciamento social, sem que isso vulnerasse o princípio da
separação de poderes.
O referido entendimento deve ser reafirmado nessa assentada.
Embora não seja o mais adequado, é possível ao Poder Judiciário
intervir em casos deste jaez, se comprovada situação de flagrante ilegalidade, a
qual não se verificou no presente feito, quando da prolação de decisão que
indeferiu o pedido de tutela de urgência.
1.4. Perda superveniente de objeto, em razão da
revogação do Decreto Estadual nº 609 e acordo parcial homologado
pelo juízo
Assiste razão ao réu.
De fato, conforme anunciado decisão de id. 254905893, com a
realização de acordo celebrado em 05/06/2020 ficaram prejudicados os pedidos
“A.II”, “A.III” e “B”.
Na ocasião, apenas não teria ficado o prejudicado o pedido de
decretação de suspensão de todas as atividades não essenciais, em razão de
pedido formulado em audiência pelo MPF, no sentido de excluí-lo do acordo;
pedido, esse, que ensejou a decisão de id. 254905893.
1.5 Pedidos formulados pelo MPF (e DPU) nas petições de
id. 466526884 e 490848909
As petições de id. 466526884 e 490848909 foram protocoladas
após o encerramento da instrução processual, quando as partes (autores e réus)
disseram não ter mais interesse em produzir provas.
Concernentemente ao pedido de fixação de multa ou adoção de
outras medidas coercitivas para cumprimento do acordo, no que concerne à
ausência de juntada das atas do Comitê Assessor, reputo que o referido pedido
deve ser formulado em sede de cumprimento de sentença.
Quanto ao pedido de prorrogação do bandeiramento preto em
razão dos fatos novos, noticiados, em especial, na petição de id. 490848909,
tenho que os referidos fatos não podem ser deliberados nessa assentada, em
razão da definição dos contornos objetivos da lide e do encerramento da fase de
instrução processual.
Observe-se que, na presente ação, os autores defendiam, em suma,
que as medidas adotadas pelo Estado do Pará, por intermédio do Decreto nº 609,
de 2020, não eram suficientes para conter o avanço da pandemia e, juntando aos
autos estudo técnico produzido pela UFPA, propunham diversas medidas, entre
elas, a decretação de suspensão das atividades não essenciais.
Após o ajuizamento da referida ação, o Estado decretou o primeiro
lockdown, mesmo tendo sido indeferido o pedido atinente à referida medida
restritiva.
Concernentemente às demais medidas solicitadas pelo MPF e DPU,
que visavam dar mais transparência à tomada de decisão por parte do réu, houve
celebração de acordo, que extinguiu boa parte da lide.
Observe-se que, conforme narra o Estado do Pará na contestação, o
decreto mencionado na petição inicial, que segundo os autores forneceria
medidas de proteção aquém do necessário (Decreto nº 609, de 2020), foi
substituído pelos de nºs 729, 777 e 800, de 2020.
Atualmente vige o último decreto (de nº 800, de 2020) após
diversas alterações, tendo sido republicado, em forma consolidada, em
17/03/2021 (cf. doc. de id. 490848907).
O Estado do Pará, em especial a região metropolitana de Belém, já
passou por 2 (dois) lockdowns e por diversas modalidades de distanciamento
social menos restritivas, sendo que o sistema atualmente vigente (graus de
distanciamento classificados por bandeiras) sequer estava normatizado quando
os autores ajuizaram a presente ação.
Concernentemente ao pedido de novo lockdown em junho de 2020,
indeferido em decisão de id. 254905893, verificou-se que, de fato, as curvas de
contágio e de óbito estavam diminuindo, conforme estudo técnico juntado pelo
réu, o que ensejou a decisão de indeferimento da medida por parte do juízo.
É bem verdade que, no presente ano, a curva de contágio voltou a
subir (não apenas no Pará, mas, também, em outros Estados), tendo o réu
prolatado novo lockdown, com início em 15/03/2021 e com previsão de término
em 29/03/2021, às 21 horas.
Todavia, não é conveniente a apreciação do novo pedido de
lockdown (ou de sua manutenção) no curso da presente ação, quando já
encerrada a instrução do feito e com o processo em condições de ser sentenciado.
A albergar a tese de que novos pedidos de suspensão de atividades
não essenciais (lockdowns) podem ser apreciados a qualquer momento, no curso
da presente ação, em petições incidentais, corre-se o risco de o processo não
chegar a seu termo enquanto não findada a pandemia.
Além do comprometimento da razoável duração do processo
decorrente da adoção da referida medida, seriam desprezados, também, o dever
de delimitação objetiva da lide e a própria racionalidade da prestação
jurisdicional.
Esse o quadro, reputo por bem não conhecer os fatos narrados nas
petições de id. 466526884 e 490848909, cabendo ao MPF, se for o caso: a) no
que concerne à alegação de descumprimento dos termos de acordo, requerer as
medidas pertinentes, em sede de cumprimento de sentença; e b) e, quanto à
alegação de que deve ser mantido o lockdown, ajuizar ação pertinente, sujeita à
livre distribuição. - Mérito
2.1 Acordo formulado em audiência
Em audiência realizada em 05/06/2021 (id. 249803879), as partes
celebraram acordo nos termos que abaixo se seguem, o qual, já homologado pelo
juízo, enseja a extinção do processo com resolução do mérito, na forma do artigo
487, III, “b”, do CPC:
a) O Estado do Pará passará a registrar em ata e disponibilizará no sítio de internet as
reuniões realizadas com o Comitê Técnico Assessor instituído pelo plano de contingência
estadual e, inclusive, convidará instituições de ensino que tenham interesse em participar
formalmente do referido comitê, tais como UFRA, UFPA e UEPA;
Num. 492574346 – Pág. 10 Assinado eletronicamente por: JORGE FERRAZ DE OLIVEIRA JUNIOR – 29/03/2021 21:10:43
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b) O Estado do Pará se comprometeu a incluir no sítio do Estado do Pará das informações
solicitadas pelo MPF no item B de sua petição inicial;
b.1) Quanto à informação do item B.i, o Estado do Pará informou não ser possível colocar
todos os casos suspeitos, porque a maior parte dos exames são realizados na rede privada;
b.2) Quanto ao item B.ii, será realizada da forma como já é feita no site, indicando-se leitos
por região de saúde e não por unidade de saúde de maneira individualizada;
b.3) Quanto à informação do item B.iii, o Estado do Pará afirmou que precisa de prazo
para verificar sua viabilidade perante a área técnica, pelo que solicitou prazo de 5 dias;
b.4) Quanto à informação do item B.iv, o Estado informa que precisará da ajuda dos
Municípios para apresentar o referido fluxo; razão pela qual requer que, em caso de
dificuldade de obtenção dos referidos dados, tal circunstância seja informada ao juízo;
b.5) Quanto à informação do item B.v, ficou esclarecido que o Estado fornecerá, no prazo
de 15 dias, o quantitativo de respiradores e EPIs;
b.6) Quanto à informação do item B.ix, o Estado se comprometeu a fornecer apenas o
percentual de pacientes do interior e da região de saúde;
c) O Estado do Pará se comprometeu a divulgar estudos realizados por instituições de
renome que possam auxiliar a tomada de decisão do Estado quanto às medidas de
distanciamento social, inclusive estudos solicitados pelo MPF, DPU e MPE, mesmo que
tais estudos tragam argumentos contrários à tomada de decisão por parte do réu; e
d) O Estado do Pará se comprometeu a incluir, no sítio do Governo do Estado, cópia
digitalizada da integralidade do procedimento de compras de respiradores, de nº
2020/248867, complementando as informações já existentes quanto ao referido processo
de compra em seu sítio.
2.2 Pedido de suspensão de atividades não essenciais
(lockdown)
O referido pedido já foi indeferido em duas ocasiões, por
intermédio das decisões de id. 224658386 e id. 254905893.
Para não alongar muito a referida questão, passo a transcrever
apenas a decisão mais recente:
Conforme se extrai do relatório, as partes celebraram acordo em relação à
significativa parte da demanda.
Não foi objeto de acordo, todavia, o pedido de decretação de distanciamento
social ampliado, medida essa que, nada obstante tenha sido decretada pelo
Governo do Estado do Pará após a decisão que indeferiu a tutela de urgência,
Num. 492574346 – Pág. 11 Assinado eletronicamente por: JORGE FERRAZ DE OLIVEIRA JUNIOR – 29/03/2021 21:10:43
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foi, posteriormente, revogada, por intermédio de decreto do final do mês de
maio de 2020 (Decreto nº 777, de 23/05/2020).
Conforme já relatado, o MPF alega que a medida de retorno das atividades
comerciais não essenciais, sobretudo o retorno de shopping centers, e a
autorização de atividades que podem causar aglomerações, como é o caso de
funcionamento de igrejas, são decisões prematuras, porquanto não haveria
comprovação cabal de que as curvas de contágio e de óbitos estão
diminuindo.
Em defesa de sua pretensão invoca o princípio da precaução e junta aos autos
estudos realizados pela Universidade Federal do Pará.
Pois bem.
Como sabido, conforme iterativo entendimento jurisprudencial, “(é) lícito ao
Poder Judiciário adotar medidas coercitivas, tendentes à implementação de
políticas públicas, em casos nos quais se verifique inescusável omissão
estatal”. (REsp 1838195/AM, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN,
SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2019, DJe 19/12/2019).
Dessarte, caso se verificasse existência de grave estado de omissão por parte
do Estado do Pará no sentido de adotar medidas de distanciamento social
para enfrentamento da pandemia causada pelo vírus Sars-Cov-2, poderia o
Poder Judiciário, excepcionalmente, constranger o Poder Executivo estadual
a adotar medidas de distanciamento social, sem que isso vulnerasse o
princípio da separação de poderes.
Observe-se que, aqui, não se trata de o Poder Judiciário substituir o
administrador, conforme alegado pelo Estado em audiência.
De fato, o referido poder (Judiciário) não possui legitimação democrática no
sentido eleitoral (sua legitimação decorre do sistema constitucional, que
traça as linhas gerais sobre a sua organização, forma de preenchimento de
seus cargos e o âmbito de sua competência), tampouco expertise e velocidade
suficiente para lidar com demandas extremamente complexas e dinâmicas,
como é o caso daquela relacionada ao enfrentamento da Covid-19.
A atuação do Poder Judiciário, nesse contexto, se daria de forma pontual, não
para substituir o administrador, mas para constrangê-lo a adotar as medidas
necessárias, em um contexto em que houvesse grave omissão de sua parte.
Todavia, não se verifica grave omissão do Estado do Pará no presente caso, a
ensejar a adoção de medidas corretivas por parte do Poder Judiciário.
Pelo contrário, vale a pena salientar que, quando havia a notícia de apenas 2
(dois) casos confirmados de contágio pelo vírus Sars-Cov-2, o Estado do Pará
– provavelmente, por reconhecer a então incapacidade do sistema de saúde
local em se adaptar à velocidade de propagação do Novo Corona Vírus –, já
no dia 20 de março de 2020, passou a adotar as primeiras medidas de
distanciamento social.[i]
Tais medidas acabaram evoluindo, posteriormente, para a decretação
do lockdown, por intermédio do Decreto nº 729, de 05/05/2020, em que
pese o indeferimento do pedido de tutela de urgência no sentido de
decretação da referida medida de distanciamento social.
Ainda que se alegue, conforme fazem os autores, que o Estado do Pará adotou
as primeiras decisões de distanciamento sem apresentar os motivos, em
especial os critérios científicos, para a tomada da decisão – o referido ponto
é controvertido na lide –, a referida alegação está superada, em larga medida,
pelo acordo firmado nos presentes autos pelas partes, que visa dar mais
transparência e, inclusive, voz às instituições de pesquisa e ensino situadas
nesta Unidade da Federação, antes da tomada de decisões por parte do
Estado do Pará.
Não bastasse isso, no encerramento do lockdown, o Estado do Pará
apresentou estudo técnico independente fornecido pela UFRA, no qual se
concluiu que o Estado do Pará se encontrava, na ocasião, na curva
descendente do número de óbitos e de casos de contaminação pelo Sars-Cov2.
Do referido estudo, que se encontra no documento de id. 242519457, vale a
pena transcrever os seguintes excertos:
RESULTADOS PRELIMINARES
(…) Ao se analisar a série histórica dos casos de COVID-19 acumulados no estado
do Pará desde o dia 18/03/2020, é possível perceber uma tendência de estagnação
a partir da última semana do mês de abril e, ainda mais, uma tendência de queda
dos casos a partir do início de maio. (…) (pág. 5)
Num. 492574346 – Pág. 13 Assinado eletronicamente por: JORGE FERRAZ DE OLIVEIRA JUNIOR – 29/03/2021 21:10:43
http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=21032921104391900000486911539
Número do documento: 21032921104391900000486911539
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(…) Tanto o modelo quanto os dados disponibilizados demonstram que há uma
redução significante do número de óbitos, considerando-se, ainda, que o período
de maior risco de óbitos ocorreu entre os dias 28 de abril e 01 de maio. (p. 6)
(…)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As previsões mostraram, entre os dias 16 a 20 de abril, uma tendência de aumento
expressivo do número de casos confirmados de COVID-19, bem como no intervalo
entre os dias 21 a 25 de abril, a tendência de redução de contágio.
É importante ressaltar que outras variáveis não previstas podem influenciar nas
projeções e no tempo de duração da pandemia. Outro aspecto que pode afetar as
Num. 492574346 – Pág. 14 Assinado eletronicamente por: JORGE FERRAZ DE OLIVEIRA JUNIOR – 29/03/2021 21:10:43
http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=21032921104391900000486911539
Número do documento: 21032921104391900000486911539
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predições é o avanço da pandemia em direção a municípios no interior do Estado
do Pará e a taxa de adesão da população às medidas de combate ao coronavírus,
como o isolamento social.
As subnotificações de casos confirmados e óbitos que se somam a datas passadas
podem invalidar os cenários atuais de previsões e, portanto, é necessário o
reprocessamento recorrente de dados com a nova matriz de realidade.
A região metropolitana de Belém apresenta uma tendência de redução na
contaminação e óbitos por COVID-19, bem como na sua demanda por recursos
hospitalares. Este fato, na atual conjuntura, permite afirmar que o
dimensionamento destes recursos está condizente com a capacidade de
suprimentos do estado. (p. 8)
O MPF e a DPU juntam dois estudos produzidos pela Universidade do Pará, que
afirmam:
(1) o significativo grau de subnotificação e a demora de informação de casos de
óbitos – que, em alguns casos, pode levar dezenas de dias – podem levar a
resultados errôneos (cf. doc. de id. 248234851; estudo intitulado “Análise da
evolução da pandemia de COVID-19 no Brasil – O Estado do Pará”);
Em relação ao referido estudo, vale a pena salientar os seguintes excertos:
Diante dos atuais achados de pesquisas relevantes, notadamente a realizada pela
UFPel, baseada em amostragem representativa da população e testagem, com grau
de confiança estatística, é razoável supor que a população de infectados das cidades
experimentadas, incluindo Belém, de fato se aproxima dos números estimados.
Sendo assim, esse parâmetro, com uma probabilidade bastante razoável, estaria
subestimado para a média brasileira em até 7 (sete) vezes e para Belém em até 20
(vinte) vezes – considerando-se o número de contaminados confirmados pela
SESMA, de 11.885, no dia 01 de junho de 2020. Portanto, não é razoável admitir
que as políticas públicas tomem como base exclusivamente os dados oficiais
(notoriamente subnotificados), sob pena de planejar o sistema já em níveis de
colapso.
No mesmo diapasão, não é razoável, sob o ponto de vista estatístico, assumir
eventuais decréscimos das curvas de infectados e de óbitos, tendo-se uma
defasagem de ordem de dezenas de dias. Basta extrapolar tal princípio para o
futuro, para inferir que é impossível estimar que não haverá casos, nos próximos
30 ou 40 dias, que sejam referentes à data atual. O que significa afirmar que os
valores aferidos hoje terão que ser acrescidos de valores ocorridos no tempo futuro,
numa espécie de estoque de casos de infectados e óbitos, com um alto grau de
aleatoriedade associado. (p. 29)
(2) não ser possível afirmar, com base nos dados fornecidos pela Sespa, se o
Estado do Pará encontra-se na fase decrescente da curva de contágio (estudo
de id. 248223880, intitulado “O Panorama da Covid-19 no Pará em Relação
ao Cenário Nacional Estudo Epidemiológico Das Semanas 12 a 21”);
Quanto ao referido estudo, vale a pena fazer a seguinte transcrição:
[…] Sabemos que toda epidemia apresenta um período de ascensão, platô e
posteriormente uma descida gradual. A avaliação dessa dinâmica deve ser
realizada tendo como base a incidência diária de casos na população, o que se torna
difícil na impossibilidade de construir adequadamente tal indicados. Porém, com
dados disponibilizados e indicadores e projeções construídos nesse relatório,
observamos não haver elementos pra afirmar que já entramos na fase de queda da
“curva”. [p. 16 do estudo – 248223880 – Pág. 17])
O Estado do Pará rebate as alegações dos referidos estudos, criticando, em
apertada síntese, a metodologia por eles utilizada; o réu alega, no mais, que
mesmo existindo demora no resultado, o número de casos de óbitos, de fato,
diminuiu, conforme se extrai de pesquisa feita junto ao sistema de registros
civis.
Confira-se:
(..) 0 modelo SIDR, usado pelo referido estudo [da UFPA], é um modelo de
regressão modular. Estes modelos têm a tendência de exponenciar os dados e,
portanto, elevar a severidade da doença, jogando o pico e o final da curva para
períodos extensos a frente.
Mesmo com toda consideração de assintomáticos, ainda assim os autores utilizam
o número de casos para determinar a taxa de necessidade de leitos de UTI, o que
difere do estudo da UFRA, adaptado de uma pesquisa da Universidade de Harvard,
que utiliza uma variável mais confiável e fácil de aferir que é o número de óbitos,
bem como a sua distribuição diária. Os dados do registro civil corroboram com a
redução de óbitos. (cf. petição do Estado do Pará, id. 253762858, p. 14 e 15)
A primeira crítica – diferença de metodologia utilizadas pelos referidos
estudos – é, em certa medida, difícil de ser analisada pelo juízo na fase em
que se encontra o presente processo – cognição sumária –, sem o auxílio
de experts na referida área.
A segunda crítica – queda de número de óbitos (relacionadas ou não à Covid19 – faz sentido e poderia, de fato, ser considerada pelo juízo na presente
fundamentação, como abonatória à tese do réu.
Ocorre, todavia, que o Estado do Pará, aparentemente, deixou de juntar
dados comprobatórios da referida alegação.
De todo modo, em que pese a ausência de juntada dos referidos dados, parece
haver uma certa convergência entre um dos estudos juntados pelo MPF e pela
DPU (o intitulado “O Panorama da Covid-19 no Pará em Relação ao Cenário
Nacional Estudo Epidemiológico Das Semanas 12 a 21”) e o estudo produzido
pela UFRA, ao menos no que concerne ao número de mortos.
Nesse sentido, confira-se o seguinte excerto extraído do estudo juntado pelos
autores:
O número acumulado de casos apresenta ascensão com previsão de atingir 71.641
no dia 04/06, porém a taxa de letalidade está entrando em equilíbrio,
provavelmente devido à padronização da assistência dos casos mais graves e
melhora do sistema. A letalidade por faixa etária é inversa à demografia do estado:
a doença atinge fortemente as faixas etárias mais altas, o que também foi observado
no resto do mundo (p. 9 do estudo – 248223880 – Pág. 10).
O referido estudo corrobora, também, as alegações do Estado do Pará no
sentido de que apesar da existência, ainda, de um número significativo de
casos novos, o sistema de saúde não se encontra com nível de ocupação
insustentável.
No ponto, destaque-se que, embora o réu não tenha aceitado a parte do
acordo concernente a informar, em seu site, qual hospital encontrava-se com
leitos disponíveis – com vistas a evitar que pessoas com casos suspeito da
doença procurem diretamente as referidas unidades de saúde, sem que
tenham indicação clínica de internação –, comprometeu-se a melhorar as
informações quanto ao fluxo a ser observado pelos usuários do sistema para
o tratamento da Covid-19, disponibilizando as informações em seu sítio (cf.
item B.IV da petição inicial e do acordo formulado em audiência).
Nesse contexto, o indeferimento do pedido dos autores de manutenção do
distanciamento social ampliado é medida imperativa.
De fato, conforme já fora bem assinalado na decisão que indeferiu o pedido
de tutela de urgência “o isolamento total, inclusive de todas as atividades
econômicas, sem a mais extrema necessidade, pode ter consequências
econômicas desastrosas e imprevisíveis, em especial aos pequenos e médios
empresários, acarretando uma maior concentração de renda, desemprego,
monopólios regionais, talvez irreversíveis a curto e médio prazo” (cf. id.
224658386 – Pág. 8).
Pelos efeitos deletérios causados à economia e à restrição à liberdade das
pessoas, o distanciamento social ampliado somente se justifica quando
existem indícios razoáveis de que, se não adotado, haverá forte possibilidade
de o sistema de saúde (público e privado) entrar colapso: contexto em que a
quantidade de leitos existentes seria insuficientes para receber o número de
pessoas que deles necessitam.
Dessarte, existentes estudos técnicos demonstrando a queda ou ao menos a
estabilização do número de óbitos e provas que algumas medidas de
afrouxamento do distanciamento social podem ser adotadas sem resultar em
colapso o sistema público de saúde – no ponto, acrescente-se que, conforme
consulta nessa data (17/06/2020), os percentuais de ocupação de leitos
clínicos e de UTI são na ordem de 50,03% e 66,90%[ii] –, não há razão para
se restringir o comércio de atividades não essenciais no Estado, devendo os
referidos estabelecimentos se sujeitarem as medidas sanitárias previstas no
Decreto 800, de 31/05/2020, editado pelo réu.
No ponto, observo que o referido decreto – ao dispor que as diferentes regiões
do Estado deverão ser classificadas de acordo com zonas de risco (de 00 a 05,
nas cores preta, vermelha, laranja, amarela, verde e azul), que consideram a
velocidade de propagação da doença e a capacidade do sistema de saúde em
absorver os casos que necessitem de intervenção hospitalar e, a partir da
referida classificação, determinam qual o nível de distanciamento social
deverá ser adotado (que vai do lockdown a medidas de distanciamento
menos rígidas)[iii] – parece ser mais adequado ao atual estágio de
disseminação do vírus, à capacidade do sistema de saúde de controlar os
casos graves da doença e às dimensões territoriais do Estado, o segundo
maior da federação.
Conforme já relatado no item 1.5, o estudo publicado pela UFRA,
juntado pelo réu e consignado parcialmente na decisão supratranscrita, mostrouse acertado quando da retomada das atividades não essenciais após o primeiro
lockdown, visto que as curvas de óbito e de contágio, de fato, diminuíram.
Nesse contexto, observe-se que, após a referida decisão, os autores
da ação se limitaram a narrar o descumprimento do acordo no que concerne à
disponibilização das atas de audiência do Comitê Assessor no sítio da Sespa,
voltado à pandemia, não tendo requerido qualquer prova ou aduzido à
necessidade de novo lockdown, até o início do mês de março de 2021.
Concernentemente aos fatos narrados pelo MPF, em sua última
petição, em relação ao qual o Estado do Pará realizou contraditório preliminar
protestando por prazo adicional, conforme já dito: a) aqueles concernentes ao
descumprimento do acordo devem ser analisados em sede de cumprimento de
sentença; e b) aqueles relacionados ao pedido de decretação permanência do
atual lockdown (ou nova decretação da medida), devem ser objeto de nova ação,
sujeita à livre distribuição.
III. Dispositivo
Isso posto:
a) não conheço os fatos narrados nas petições de id. 466526884 e
490848909;
b) no que concerne aos pedidos “A.II”, “A.III” e “B”, julgo extinto o
processo com resolução do mérito, em razão do acordo celebrado e homologado
em audiência (id. 249803879); e
c) no que se refere ao pedido A.I, julgo-o improcedente, conforme
fundamentação supra.
Sem custas ou honorários (artigo 18 da Lei nº 7.347/1986). - Intimem-se as partes.
- Interposto recurso, intime-se a parte contrária para o
oferecimento de contrarrazões, remetendo-se os autos, oportunamente, ao TRF
da 1ª Região, em caso de recurso de apelação. - Sem recurso, arquivem-se os presentes autos.
(DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE)
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