Nova orientação prevê que, nos casos de recursos que questionem a legalidade das ordens judiciais, os órgãos julgadores devem preservar informações dos autos processuais
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma recomendação que prevê a necessidade de preservar o sigilo de informações colhidas em procedimentos de interceptação de comunicações telefônicas, informáticas e telemáticas.
A nova orientação diz que, nos casos de habeas corpus que questionem a legalidade dessas ordens judiciais, os órgãos julgadores devem zelar pela manutenção do sigilo legal das informações provenientes dos autos processuais que determinaram a interceptação. O objetivo é evitar que o material seja acessado por terceiros que não sejam os réus e investigados sujeitos à interceptação ou seus procuradores.
O julgamento teve como base o recebimento de notícias de possíveis descumprimentos ao sigilo de procedimentos de interceptação de comunicações. Entre eles, o habeas corpus nº 2217963-42.2019.8.26.0000, da 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, impetrado em favor do gerente de uma empresa de telefonia sob alegação de que a ordem judicial determinando o fornecimento de dados violaria a privacidade e intimidade dos usuários da companhia.
“O fato ocorre por intermédio da impetração de habeas corpus por funcionários de operadoras de telefonia que não figuram como partes ou investigados no feito que determinou a ordem de interceptação”, explicou o conselheiro Mário Guerreiro, relator do processo.
Em seu voto, Guerreiro, que preside a Comissão Permanente de Justiça Criminal, Infracional e de Segurança Pública, defendeu a necessidade de orientar os tribunais sobre a preservação do sigilo das informações.
“A recomendação busca garantir o cumprimento do previsto na Constituição Federal e na legislação sobre o tema, além de preservar a eficácia dos procedimentos de interceptação em andamento nas fases de investigação e de instrução processual”, afirmou.
A recomendação foi redigida conforme o Art. 5º, XII, da Constituição, que aponta como inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, e o Art. 1º da Lei nº 9.296/1996, que determina que interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, depende de ordem do juiz competente da ação principal e deve preservar o segredo de Justiça. Fonte: Estadão.
O prazo das interceptações telefônicas
A Lei 9.296/1996 – que regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5º, da Constituição Federal –, determina, no que aqui interessa, o seguinte:
Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.
Art. 5º A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova. (Sem o grifo no original)
Portanto, e à primeira vista, a interceptação das comunicações telefônicas não poderá exceder, no total, o prazo de trinta dias, ‘sob pena de nulidade’.
É necessário, assim, interpretar esse artigo – o art. 5º da Lei 9.296/1996 –, conforme a Constituição Federal.
Isso implica – cumpre assentar esse detalhe fundamental à análise do tema –, confrontar, sistematicamente, (vale insistir) o preceito, legal, que fixa o prazo, máximo, de trinta dias, ‘sob pena de nulidade’, com os dispositivos constitucionais. Ou – se se preferir – verificar a compatibilidade ou não entre o art. 5º da Lei 9.296/1996 e a Carta Federal.
Nesse sentido, o art. 136, § 1º, I, c, § 2º, da Constituição Federal – suficiente, por si, e autonomamente, para determinar uma (re) leitura constitucional (coerente) do art. 5º, Lei 9.296/1996, estabelece que:
Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.
§ 1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:
I – restrições aos direitos de:
c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;
§ 2º O tempo de duração do estado de defesa não será superior a trinta dias, podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação. (grifado por conta)
Não se pode esquecer que a quebra do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas – presente quadro de normalidade constitucional – situa-se no campo da excepcionalidade e, por isso, tem de ser interpretada restritivamente. Também já foi dito as que liberdade individuais, os direitos fundamentais e as garantias processuais não podem ser reduzidas pela via interpretativa.
Desses balizamentos constitucionais (art. 136, § 1º, I, c, § 2º) – combinados com os postulados da humanidade e da racionalidade, inerentes ao Estado Democrático de Direito, art. 1º, caput e III, CF, e com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade –, extrai-se que o prazo da interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, PODE – por uma questão óbvia e inarredável de lógica jurídica –, ser superior à quinze dias E TEM DE SER inferior à trinta dias. Sob pena de clara, direta, ostensiva e deliberada violação do texto constitucional. Certo, o ideal é, desse modo, encontrar o prazo, intermediário, entre dezesseis e vinte e nove dias – vinte e dois dias.
É que se no estado de defesa – de anomalia, portato –, a interceptação de comunicações telefônicas não poderá – é o que diz expressamente a Carta Política – extravasar o prazo de ‘trinta dias, podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação’, surge, decerto, racional, razoável e proporcional – sobretudo com base no postulado da dignidade da pessoa humana –, que, ante o quadro de normalidade constitucional, a restrição do direito fundamental, revelado pelo inciso XII, do art. 5º, CF, tem de ser limitada ao prazo, máximo, na pior das hipóteses – presente o Direito Penal Garantista –, de vinte e nove dias.
Vale invocar o Originalismo – um método de interpretação rígido da Carta Americana. Nessa linha, o ministro Antonin Gregory Scalia, morto em 13/2/16, da Suprema Corte dos Estados Unidos, sustentava, com razão, que:
Eu não me importo se os autores da Constituição tinham algum significado secreto em mente quando escolheram as suas palavras. Eu entendo suas palavras da maneira como elas foram promulgadas ao povo dos Estados Unidos. A única Constituição boa é uma Constituição morta. O problema de uma Constituição viva é que alguém tem de decidir como ela deve crescer e quando novos direitos devem vir à tona. (1)
Na CF:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
No CPP:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§ 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.
Assim, o trancamento de inquéritos policiais e a extinção de processos penais de conhecimento sem resolução do mérito, relativos a uma determinada operação policial, e a declaração da ilicitude da prova obtida mediante a interceptação de comunicações telefônicas, feita em violação ao art. 136, § 1º, I, c, § 2º, CF, podem ser postulados, pelo cidadão (2), via habeas corpus:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. (CF)
(1) Revista VEJA (versão digital), edição 2466 de 24/2/2016.
(2) Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
II – a cidadania.
*Alexandre Langaro, advogado criminal. Autor de livros e artigos jurídicos. Estudou o NY Criminal Procedure Law em Nova York
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