É cada vez mais complicada a situação do prefeito de Canaã dos Carajás, em final de mandato, Jeová Andrade. Um pedido de prisão preventiva contra ele foi protocolado no Tribunal de Justiça e a decisão pode sair a qualquer momento. De acordo com o autor do pedido, o Ministério Publico do Pará (MPPA), Jeová praticou crime de improbidade administrativa no caso de um terreno do município por ele desapropriado e em cujo local seria construída uma nova estação rodoviária na cidade de 37 mil habitantes. Ele também está envolvido em outros rolos.
Segundo o MP, que investiga o rolo, o valor de compra do terreno teria sido superfaturado. Vendido por R$ 40 mil, o imóvel foi adquirido depois por R$ 4 milhões. Diz o MP, que pediu a prisão no final de outubro passado, mas só hoje, 10, fez a divulgação, no caso de a Justiça não decretar a preventiva de Jeová, ela deve decretar a indisponibilidade dos bens e o afastamento imediato do atual prefeito do cargo, como penas alternativas. Essas medidas serviriam, sustenta o fiscal da lei, para a garantia da ordem pública em Canaã dos Carajás.
A trapalhada aconteceu da seguinte forma: Jeová, em outubro do ano passado, desapropriou um terreno conhecido por “Loteamento Santana”, para no local construir a nova rodoviária. Acontece que meses antes o mesmo imóvel havia sido negociado por R$ 40 mil, ou seja, cem vezes menos do valor pelo qual foi vendido mais tarde, isto é, R$ 4 milhões. Um presentão para quem vendeu. Mesmo após várias tentativas, o Ver-o-Fato não conseguiu falar com Jeová Andrade e outros envolvidos citados nas investigações do MP.
O superfaturamento teve o dedo do prefeito, afirma o MP, acrescentando que tudo foi planejado por Jeová e por um dos proprietários da empresa White Tratores Serviços de Terraplenagem, um dos principais credores do município. As investigações do MP indicam também que, para intermediar a fraude, foi utilizado um funcionário da empresa como “laranja”, fazendo com que a negociação de compra se desse em nome dessa pessoa.
Narra o MP que a posição desse “laranja”, funcionário da empresa , ficou evidente quando o fiscal da lei constatou que todos os valores recolhidos em nome do funcionário foram pagos pela empresa White Tratores Serviços de Terraplenagem.
Investigações e outros crimes
Apesar de estar com os dias contados para deixar a prefeitura de Canaã dos Carajás, ao final do segundo mandato, mesmo tendo sido acusado de participar de um esquema criminoso que saqueou os cofres públicos em muitos milhões de reais, a verdade é que Jeová Andrade (MDB) quer continuar mandando no município. Ele está em plena campanha eleitoral apoiando a candidata Josemira Gadelha (MDB), na chapa que tem como vice-prefeito o empresário Zito Augusto Corrêa (PDT), ex-secretário de Obras, um homem que visivelmente enriqueceu na administração de Jeová e que tem fama de ser testa de ferro do prefeito.
Se a chapa sair vitoriosa da eleição deste domingo (15), segundo os moradores comentam em Canaã, Zito Augusto deverá tomar a frente de todos os contratos milionários que serão assinados com a prefeitura, sob as ordens de Jeová Andrade, deixando para Josemira Gadelha um papel secundário na administração municipal, uma espécie de “rainha da Inglaterra”, aquela que reina, mas não governa.
De acordo com os comentários, nada inibe Jeová em sua ânsia de riqueza e poder, muito menos o fato de o Ministério Público do Estado ter encontrado indícios de um extenso esquema criminoso no município, envolvendo servidores públicos, políticos e empresários, para fraudar licitações que desviaram milhões de reais dos cofres públicos de Canaã, a terra prometida, localizada no sudeste paraense e com forte influência da igreja evangélica.
As investigações, que já duram três anos, estavam sendo mantidas sob sigilo, não se sabe por qual motivo, já que se trata de dinheiro público desviado, enchendo os cofres de membros de uma organização criminosa. Mas o caso vazou na semana passada, em matéria publicada pelo jornal O Liberal..
Grampos legais de conversas telefônicas dos envolvidos, de acordo com as investigações, apontam o direcionamento de licitações, montagens de processos licitatórios fraudulentos e enriquecimento ilícito com desvios de imensas somas de recursos públicos, entre outros crimes praticados pela quadrilha.
Entre os suspeitos de participar dos crimes, já na mira da lei, estão o próprio prefeito Jeová Andrade, a mulher dele, Waina Andrade, além de vereadores, ex-secretários, servidores públicos, empresários, advogados e coadjuvantes. Todo mundo levava dinheiro, alguns em maior quantidade por causa da posição ocupada na organização criminosa.
Dez envolvidos no esquema foram grampeados, entre eles, o chefe de gabinete da prefeitura, Roberto Andrade Moreira. As gravações apontaram o envolvimento de outras pessoas ligadas ao prefeito nos desvios milionários de recurso para aquisição de alimentos, contratação de consultoria e serviços, compra de combustível, coleta de lixo e até material para escritório e aluguel de máquinas fotocopiadoras para fornecimento de xerox. Três anos antes de O Liberal publicar o caso, o Ver-o-Fato , citado na investigação do MP, já tinha revelado o escândalo.
Investigações começaram em 2017
As investigações, porém, só começaram em 2017, depois que a 2ª Promotoria de Justiça de Canaã dos Carajás recebeu denúncias de irregularidades na condução dos procedimentos licitatórios do município. Dentre as várias denúncias publicadas pelo Ver-o-Fato, uma delas está anexada ao processo. Nela, a nossa reportagem mostra a contratação, pela Secretaria Municipal de Educação, em 2013, de uma empresa para fornecimento de xerox, em que o valor pago na época, de R$ 706 mil, daria para abastecer a secretaria com 29 fotocopiadoras modernas e multifuncionais, com suprimentos para três anos.
O dono da empresa contratada, Anderson Mendes dos Reis, vereador e presidente da Associação Comercial e Industrial de Canaã, é primo do prefeito, irmão do também vereador na época, José Wilson dos Reis (da base de apoio de Jeová Andrade) e irmão também do então secretário de Cultura, Gilson Mendes dos Reis. A empresa dele, a Mega Informática, que atua em todos os ramos que a prefeitura contrata, aparece vencedora de várias licitações no município.
Corrupção ativa na aquisição de alimentos
O empresário José Aleudo Ricardo Clares disse ao MP que foi vencedor de uma licitação para fornecer gêneros alimentícios para a prefeitura de Canaã e depois foi procurado por um homem conhecido por “Furica”, dizendo que ele teria que pagar R$ 15 mil à pregoeira Cleudenice Bonfim de Macedo, a “Cléo”, mais R$ 15 mil para o advogado Mário de Oliveira Brasil Monteiro, contratado da Prefeitura, e outros R$ 7 mil para ele próprio (Furica).
Como o empresário não aceitou participar do esquema criminoso, conforme afirmou, acabou não sendo contemplado com o contrato, que foi repassado à empresa Rei das Carnes.
Fraude na contratação de consultoria
Depois da primeira denúncia, outras se seguiram. Em outra licitação, a prefeitura contratou empresa para elaboração e acompanhamento de projeto para captação de recurso e desenvolvimento de programas estruturadores e de desenvolvimento institucional, no valor de R$ 4,2 milhões. Os recursos captados seriam no valor de R$ 20 milhões, com prazo de pagamento de 10 anos.
O que causou estranheza, segundo o MP, foi a desproporcionalidade entre o custo e o benefício da operação. O contrato foi orçado em mais de R$ 4,2 milhões, o que daria 21% dos R$ 20 milhões a serem captados. E a dotação orçamentária do município para contratação de serviços de consultoria é limitada em R$ 595 mil.
Além disso, o próprio edital estabelecia para o serviço apenas quatro profissionais: um economista, um advogado, um engenheiro e um arquiteto.
De acordo com depoimentos colhidos durante as investigações, o empresário Jersonildo Carderaro Pereira, disse que foi procurado pelo presidente da empresa Instituto Técnico de Apoio Municipal (Itam), Ivan de Vasconcelos Pípolo, que lhe ofereceu vantagem indevida de R$ 100 mil, em parcelas de R$ 10 mil, em troca de sua abstenção em um certame licitatório. Segundo o denunciante, a mesma oferta teria sido apresentada a outra empresa concorrente e ela teria aceitado, já que não compareceu à sessão.
A conversa entre Jersonildo Pereira e o presidente do Itam, Ivan Pípolo foi descrita no processo:
Ivan: Essa licitação vai ser anulada.
Jersonildo: Por que, doutor?
Iv: Porque ninguém tem as condições para fazer isso, mas eu tenho.
Je: Como assim?
Iv: Eu tenho capacidade técnica para fazer isso, já fiz em diversas prefeituras…
Je: Mas eu também tenho capacidade técnica para fazer isso, a gente vai até o final.
Je: Aí ele soltou do nada uma oferta: nos ofertou 50 mil reais pra gente não voltar à sessão seguinte, a sessão da tarde, para dar continuidade. Eu achei estranho e falei: por mais que a gente não compareça tem a outra empresa; ao que retrucou Ivan: eu vou tratar também com ela, inclusive, se for o caso a gente vai pra lá e conversa todo mundo.
Je: Como estava de fato no horário, a gente saiu e quando chegou na prefeitura estava o advogado e o proprietário da HB e eles saíram para conversar assim (afastados). Quando o advogado volta, o advogado da empresa, já com um valor para deixar de concorrer, aí o Ivan me oferta 100 mil reais, né (?), a ser pago ao longo… não é em cash, ele nos propôs que pagaria diluído no contrato, tipo 10 mil por mês quando da execução do contrato para nós não comparecermos na sessão que ia acontecer logo em seguida. Aí não topamos e fomos para o segundo momento.
Conforme o MP, o oferecimento de vantagem indevida foi testemunhado por Jersonildo Pereira e a advogada Vitória Fernandes da Silva, da empresa Desenvolve Mais. A mesma oferta foi feita à empresa HB de Oliveira Serviços, por intermédio de seu sócio, Hugo Braga, na companhia de seu advogado, de prenome Ivanildo. Nas conversas, Hugo Braga confirmou que aceitou o recebimento da propina, que seria também de 100 mil reais, e retirou a empresa HB do certame.
Só duas empresas compareceram à licitação, o Itam e a empresa de Jersonildo Pereira, que recusou a oferta e posteriormente questionou judicialmente o processo, que acabou sendo anulado. O denunciante argumentou que a anulação ocorreu justamente em razão do insucesso da empreitada criminosa para garantir a vitória do Itam.
Segundo o MP, além dos crimes apontados, há indícios robustos de crimes contra a administração pública por parte dos membros da Comissão de Licitação, do Controle Interno, da Procuradoria Jurídica e da Secretaria de Administração de Canaã dos Carajás, que agiram em conluio com Ivan Pípolo para fraudar a licitação para contração da consultoria.
Crimes praticados também em outros municípios
De acordo com as investigações, os crimes podem ter sido praticados também nos municípios de Castanhal, Marituba, Benevides e outros que contrataram os serviços do Itam, pois Ivan Pípolo ofereceu à empresa HB, além da propina de 100 mil reais, subcontratações dos serviços prestados tanto em Canaã quanto nesses outros municípios.
O Itam apresentou no processo uma série de documentos indicando o recebimento de valores milionários de diversas prefeituras, mas não lançou os dados em seu balanço contábil, fraudando também o pagamento de tributos.
As investigações indicam também que a pregoeira Cleudenice Bonfim de Macedo era amante e depois passou a ser companheira do vereador e empresário Anderson Mendes dos Rei e se tornou proprietária de diversos bens que não condizem com os rendimentos que ela recebia.
Entre os bens levantados, ela possui um prédio de três andares, duas caminhonetes modelo L 200 Triton, uma casa de praia, um mirante e um quiosque face ao rio Araguaia. Os dois teriam montado uma verdadeira máquina de fraude no setor de licitações da Prefeitura de Canaã, que opera há pelo menos quatro anos.
Segundo depoimentos colhidos, o mesmo tipo de evolução patrimonial ocorreu com parentes da pregoeira, entre eles, um de prenome Fernando, que trabalhava no setor de licitações da Câmara Municipal de Canaã.
Milhões faturados com alugueis de máquinas fotocopiadoras
Anderson Reis, além da Mega Informática, operava com outras empresas que estavam em nome de laranjas, como a T.S. dos Santos e Cia Ltda e a RX Lopes Comunicação Visual e Serviços (registradas em nome de Ricardo Xavier Lopes), responsáveis por uma movimentação financeira impressionante no âmbito da administração municipal, cujo fato é de conhecimento público.
As investigações apuraram ainda que a movimentação financeira da RX Lopes somente para locação de máquinas fotocopiadoras para a Prefeitura de Canaã dos Carajás foi de R$ 537 mil em 2013; R$ 604 mil em 2014; R$ 908 mil em 2015 e R$ 843 mil em 2016.
Já a movimentação da Mega Informática só na locação de máquinas fotocopiadoras para o mesmo município foi de R$ 884 mil em 2013; R$ 1,5 milhão em 2014; R$ 741 mil em 2015, e R$ 218 mil em 2016.
A T.S. dos Santos faturou na prestação de fornecimento de xerox em 2013 a quantia de R$ 1,3 milhão; em 2014, o total foi de R$ 290 mil; em 2015, o valor foi de R$ 557 mil; em 2016, R$ 115 mil, e em 2017, a quantia foi de R$ 281 mil. Fora os trocados.
No total, as três empresas dominadas por Anderson Reis receberam quase R$ 9 milhões, em valores da época, sem correção atualizada, somente nos quatro primeiros anos da administração de Jeová Andrade, apenas na modalidade de fornecimento de xerox para a Secretaria Municipal de Educação.
Ainda de acordo com as investigações do MP, Anderson Reis também é primo do prefeito Jeová Andrade, que estava sabendo e dava cobertura ao esquema criminoso.
Grampos telefônicos com permissão judicial
No decorrer das investigações, houve pedido do MP de interceptação telefônica, além de quebra de sigilo bancário dos envolvidos nos crimes, que foram deferidos pelo juízo da Comarca de Canaã.
“Dos áudios já interceptados, vislumbra-se com cada vez mais nitidez, uma miríade de crimes sendo cometidos pelos comparsas, que se dividem em três núcleos: o núcleo executivo, o núcleo legislativo e o núcleo empresarial”, constatou a investigação.
O núcleo executivo é formado pelo chefe de gabinete da prefeitura, Roberto Andrade Moreira e por Arleides Mendes Paiva, a “Pretinha”, que ocupou cargos e foi secretaria de Administração da prefeitura e que comandava os outros secretários e os servidores efetivos e comissionados.
Além deles participaram do esquema diversos secretários municipais, destacando-se o ex-secretário de Obras, Zito Augusto Corrêa e os secretários de saúde, planejamento e administração, além de outros servidores.
O núcleo legislativo garantia a não fiscalização dos contratos, além de apoio político, com participação efetiva do presidente da Câmara dos Vereadores, Zilmar Costa Aguiar Júnior, o “Júnior Garra”, que comprou uma fazenda de R$ 7 milhões, e de outros vereadores, como Anderson Reis.
O núcleo empresarial tem a participação de diversos empresários de Canaã e de municípios vizinhos, com destaque para Ricardo Xavier Lopes, Edmilson Alves Peixoto, Zito Augusto Corrêa, Cristiano Custódio de Queiroz, Fabiano Santos Saldanha, Fernando Arlen Alencar Oliveira e Hugo Braga de Oliveira.
Rico e influente, “testa de ferro”
Zito Augusto Corrêa, ex-secretário de Obras, é conhecido na cidade como testa de ferro do prefeito Jeová Andrade e passou a exibir grandes sinais de riqueza após a posse do prefeito, tendo comprado fazendas e outros bens valiosos. Ele faz parte da chapa lançada este ano com apoio do prefeito. É candidato a vice-prefeito pelo PDT, tendo como cabeça da chapa Josemira Gadelha (MDB).
“Os áudios interceptados (de 4 a 20 de setembro de 2017) compreendem fortes evidências de existir, na Prefeitura de Canaã dos Carajás, extenso esquema criminoso envolvendo servidores, políticos e empresários, para o fim de fraudar licitações no município. Dos áudios transcritos, portanto, foram identificadas conversas que indicam o direcionamento de licitações, montagem de processos licitatórios e desvio de recursos públicos, envolvendo não só os agentes cujas ligações telefônicas foram interceptadas, mas também outros servidores da prefeitura, inclusive secretários municipais”, diz documento enviado pela Promotoria de Canaã para a Procuradoria-geral de Justiça, em que pede a adoção de providências para a abertura de procedimento investigatório contra o prefeito Jeová Andrade.
Ao receber o ofício, em outubro de 2018, o procurador-geral Gilberto Martins, delegou poderes ao promotor de justiça Alexandre Couto Neto, coordenador do Núcleo de Combate à Improbidade e Corrupção do MPPA, para tomar as providências cabíveis.
Os moradores mais atentos da cidade calculam que o saque aos cofres públicos de Canaã já tenha ultrapassado R$ 100 milhões nos últimos oito anos.
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