A Câmara dos Deputados aprovou um projeto que aumenta a pena para e que tipifica o crime de estelionato sentimental — quando a vítima, em troca de uma promessa de relação afetiva, entrega bens e valores para a outra pessoa. O texto foi aprovado em votação simbólica e segue para o Senado.
O projeto aumenta a pena para quem cometer estelionato, crime de obter para si ou para outra pessoa vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro mediante algum artifício ou por meio fraudulento. Hoje, o estelionato é punido com reclusão de um a cinco anos e multa. O projeto muda a pena para reclusão de dois a seis anos e multa.
O projeto de lei acrescenta no Código Penal o crime de estelionato sentimental, no qual incorre quem induz a vítima a entregar bens ou valores para si ou para outra pessoa mediante a promessa de constituir uma relação afetiva. A pena também é de reclusão de dois a seis anos e multa.
Um dos tipos mais conhecidos deste crime, também chamado de “golpe do amor”, acontece por meio de aplicativos de paquera ou redes sociais. (AE)
1. O que é estelionato sentimental? É crime?
Ocorre quando alguém se aproveita do carinho e da confiança de um relacionamento para aplicar golpe contra outra pessoa.
Em determinado momento, depois de nutrir o amor na parceira ou parceiro, o golpista passa a desvirtuar o afeto para obter vantagem econômica ilegal em cima do patrimônio da vítima. Para isso, o autor induz a pessoa ao prejuízo ou ao erro por meio de fraudes e farsas para obter dinheiro e outros bens materiais.
Essa prática é tipificada como estelionato, crime previsto no artigo 171 do Código Penal Brasileiro, que prevê pena de reclusão por um a cinco anos.
2. Como reconhecer que estou sendo vítima de estelionato sentimental?
De maneira geral, o estelionato encontra terreno fértil na paixão e em relações abusivas. É importante saber reconhecer sinais de um relacionamento tóxico, como, por exemplo, situações em que você teme a forma como a pessoa reagirá caso você negue algo.
É difícil falar não, especialmente para quem se ama. Esteja atento se essa relação está te colocando num estado de manipulação, aproveitando-se de alguma vulnerabilidade sua.
Culturalmente, mulheres têm uma dificuldade maior de estabelecer limites, de dizer não. Em estruturas familiares, por exemplo, a figura do pai, do homem, é quem briga, quem diz não com maior tranquilidade. Das mulheres, as sociedades patriarcais esperam que seja só dela o papel do acolhimento, do abraço, do cuidar e servir.
Analise três pontos básicos da relação: se há boa fé, lealdade e transparência. Ajudar o seu parceiro financeiramente não configura exatamente um estelionato, mas se essa pessoa diz que vai te pagar, que devolverá aquele valor, mas não devolve, há uma quebra de requisito para um relacionamento saudável. Se a pessoa não fala a verdade, não te apresenta para familiares e amigos dele e faz falsas promessas, isso é um péssimo sinal.
Observe se ele te priva da liberdade de ver seus amigos e familiares, se anda restringindo o seu contato com o mundo externo. Muitas vezes, essa é uma forma que estelionatários se utilizam para exercer o controle sobre você e evitar que quem te ama de verdade te ajude a ver indícios de abuso no seu relacionamento.
As relações humanas são complexas e nem tudo é estelionato sentimental. Se você estava namorando e deu algum bem em forma de presente, mas depois se arrependeu, isso não configura crime por parte da pessoa com quem você se relacionou.
3. Qual o perfil dos criminosos? Como eles costumam se comportar?
Estelionatários são conhecidos pela inteligência em enganar e costumam agir quando as vítimas estão desatentas, envolvidas. Eles se mostram muito presentes, apaixonados, são intensos, falam em oficializar o relacionamento e trazem ao parceiro a sensação de lua de mel.
O perfil desse tipo de bandido é estudado pelas ciências criminais e é sabe-se que alguns deles costumam agir em sequência. Geralmente, estelionatários não têm apenas uma vítima, têm histórico de relacionamentos onde a prática da enganação para vantagem pessoal é reiterada. Esse tipo costuma ter facilidade de comunicação oral e, não raro, se mostram bem apessoados, bem vestidos.
4. Quem são as principais vítimas de estelionatários sentimentais?
Não há uma estatística específica para essa modalidade do estelionato. Qualquer pessoa pode ser vítima, mas os criminosos preferem aquelas em situação de vulnerabilidade, como idosos, viúvos, pessoas com deficiência ou acometidas por alguma doença ou transtorno de saúde mental. Estes bandidos também miram pessoas de minorias sociais, como mulheres, negros e população LGBTQIA+.
Especialistas acreditam que este tipo de crime pode ter aumentado na pandemia devido ao estado de fragilidade emocional de muita gente, gerando carência que deixa as pessoas mais expostas a aproveitadores.
5. Como me proteger contra estelionatários sentimentais?
A primeira grande recomendação é não compartilhar as suas senhas bancárias e dados pessoais importantes, como CPF, RG, carteira de habilitação. Preserve a sua privacidade financeira e evite que o bandido utilize suas informações e documentos para compras ou outros atos em seu nome.
Estelionatários iniciam seus crimes construindo uma determinada confiança para só depois agirem para te prejudicar. Dentro de relações amorosas, é comum haver bastante entrega, mas, mais tarde, isso pode ser um problema porque a vítima deixa de produzir provas para comprovar o crime.
Se você for emprestar um dinheiro, por exemplo, procure documentar esse acordo através de conversa no WhatsApp e envie comprovantes da transferência por e-mail, sinalizando na escrita que aquele é um valor emprestado para tal finalidade, tenha prints de tudo.
Dessa forma, você estará produzindo provas documentais que podem te dar segurança jurídica contra o bandido. Tenha também provas testemunhais de quem convive com você para ter mais chances de ter o reconhecimento do golpe.
Desconfie ainda mais de parceiros que te pedem empréstimo em dinheiro vivo porque essa é uma maneira que eles utilizam para evitar o rastreamento. Após te prejudicar, ele pode desaparecer.
6. O que devo fazer se eu for vítima de estelionato? Qual o primeiro passo?
O primeiro passo é entender se há chances de o estelionatário violar seus dados bancários e de redes sociais. Se sim, troque todas as senhas imediatamente e entre em contato com a gerência do seu banco.
Em seguida, procure uma delegacia para registrar queixa contra o criminoso. Se você tiver condições, compareça ao local na presença de um advogado para ter melhor orientação sobre seu caso. Se não, procure suporte da Defensoria Pública da Bahia.
Se você descobriu que está sendo vítima de um golpe, mas o golpe ainda não foi concluído, trabalhe a sua inteligência emocional e procure uma delegacia para que a polícia possa fazer o que chama de “flagrante esperado” — quando a polícia te acompanha para evitar que o crime seja cometido e em seguida prende o criminoso.
Jamais diga ao autor que você descobriu que ele está te aplicando um golpe. Procure as autoridades imediatamente.
Se você for mulher e se houver essa estrutura na sua cidade, o mais indicado é procurar uma Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam), já que o estelionato sentimental está na seara das violências cometidas contra esse público.
O crime de estelionato pode ter repercussões criminal e civil. Isso significa que o golpista pode ser preso e você pode entrar com uma ação judicial para tentar reaver o que perdeu, movendo um processo por danos morais e materiais.
7. Como lidar com minhas questões psicológicas depois do crime?
De imediato, saiba que você não precisa se envergonhar de ter caído no golpe. Você é uma vítima disso tudo. O criminoso é quem deveria se envergonhar. Apesar disso, sabe-se que o processo de lidar com tudo o que aconteceu pode ser doloroso, então procure acolhimento familiar e de amigos para lidar com os sentimentos ruins que isso possa ter gerado em você.
O melhor a fazer é buscar ajuda profissional de psicólogos para entender e lidar com o trauma, a fim de que você consiga se organizar mentalmente para se reerguer.
Fontes: Daniela Portugal, advogada criminalista professora da Ufba e da Faculdade Baiana de Direito (FBD); Roberto Figueiredo, advogado cível e professor da Universidade Salvador (Unifacs); Camila Andrade, advogada e coordenadora do curso de Direito da UniFTC de Jequié; Jacqueline Valles, advogada criminalista; Cartilha Estelionato Amoroso da Polícia Civil do Distrito Federal