O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, determinou que dez desembargadores do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) tenham acesso ao inquérito da Polícia Federal que investiga supostas indicações feitas por eles de profissionais para contratação pelo governo estadual. O Ver-o-Fato, com exclusividade, teve acesso à íntegra da decisão do ministro.
O pedido de habeas-corpus em favor dos desembargadores foi impetrado pela Associação dos Magistrados do Pará (Amepa). Segundo a entidade, a “ausência de acesso ao acervo probatório, macula a paridade de armas”. Também argumenta que houve “violação a direitos fundamentais dos pacientes, em medidas adotadas sem razões fundamentadas, e fixadas de forma genérica, caracterizando “fishing expedition”.
O termo “Fishing Expedition”, em português, “pescaria probatória”, tem sido bastante citado em relação a práticas de investigação criminal no Brasil que são iniciadas sem nenhum indício ou colheita mínima de elementos de informação que poderiam subsidiar as investigações.
Desde a operação da PF, realizada no dia 4 de agosto passado, quando os desembargadores tiveram expedida contra eles, pela ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Nancy Andrighi, ordem judicial de busca e apreensão de documentos e celulares em suas residências, estão impedidos ter acesso à investigação para saber do que estão sendo acusados e apresentar defesa. Os desembargadores começarão a depor no inquérito, na próxima semana, entre os dias 28 e 29.
A base do pedido da Amepa, deferido por Gilmar Mendes, é a Súmula Vinculante 14, do STF. Essa súmula diz ser “direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
A ministra Nancy Andrigni informou ao STF que a defesa dos desembargadores teve “deferido acesso apenas aos depoimentos prestados pelos servidores comissionados e que as demais informações corresponderiam a diligências ainda em curso”. A Amepa pediu também a “anulação de todas as medidas investigatórias e judiciais decorrentes no Inquérito 1.491, especialmente o PBAC nº 50, além da nulidade das provas constantes nos aparelhos informáticos dos pacientes, sob o argumento de existência de quebra da cadeia de custódia”. O STF, ao menos agora, rejeitou o pedido.
Para Gilmar Mendes, não é essa a melhor compreensão dos fatos. “Diligências em andamento são apenas as diligências que ainda estão sendo executadas, em relação às quais eventual acesso poderá prejudicar sua efetividade. Não é o caso dos autos, contudo, no qual, temos características evidentes de ao menos parcial conclusão de diligências em face das quais ainda não se deferiu o acesso à defesa, como a própria constatação da realização de diversas buscas e apreensões em datas diferentes e já executadas há mais de um mês”, afirma o ministro do STF.
Segundo ele, as diligências que já se findaram, e que apenas estão com seu material correlato sob exame da Polícia Federal, como afirmado nas informações prestadas, “não correspondem a diligências em andamento”. “Impera reconhecer, portanto, que a amplitude do direito à defesa e ao contraditório só pode ser observada viabilizando-se o efetivo conhecimento pela defesa dos elementos de provas já documentados e que fazem parte da correta compreensão do procedimento investigatório a respeito do qual serão os pacientes interrogados”.
Mais adiante, o ministro salienta: “além da plausibilidade do direito aventado, importa reconhecer a urgência cronológica do pleito, uma vez que os interrogatórios estão agendados ainda para este mês de setembro de 2022. Nesse sentido, entendo que apenas viabilizar o contato da defesa aos depoimentos dos servidores comissionados investigados, sem a garantia material de acesso integral, pleno e efetivo, ao conteúdo já documentado na busca e apreensão nº 50/DF, não atende ao núcleo elementar do direito de defesa (art. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal), violando, igualmente, o dispositivo de súmula vinculante n. 14 deste Supremo Tribunal Federal”.
“Ante o exposto, concedo parcialmente a liminar para determinar o imediato acesso à defesa dos elementos que constam nos autos inquérito nº 2021.0052273-SR/PF/PA, em especial no PBAC nº 50/DF, desde que já documentados e que não se refiram a diligências em andamento que possam ser prejudicadas, nos termos da Súmula Vinculante 14 deste STF. Por fim, destaco que os demais pedidos formulados na petição de habeas corpus serão apreciados oportunamente, após o recebimento das informações solicitadas ao Superior Tribunal de Justiça e da manifestação do Procurador-Geral da República”, conclui Gilmar Mendes.