O Ministério Público do Pará ajuizou uma ação civil pública, com pedido de liminar e de indenização por danos morais coletivos, contra o Grupo Líder e seus donos, Osmar Corrêa Rodrigues, João Corrêa Rodrigues e José Corrêa Rodrigues, por venderem produtos estragados e contaminados, colocando em risco a vida de seus clientes, entre outras denúncias.
A ação, cuja cópia foi obtida com exclusividade pelo Ver-o-Fato, começou a tramitar na 5ª Vara da Fazenda Pública dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos da Capital e pede a condenação do Líder e seus proprietários por “ofertarem à venda produtos impróprios para o consumo, práticas abusivas, oferta e publicidade enganosa e irregularidades no atendimento”.
Para se ter uma ideia da dimensão do caso, até mesmo ratos foram encontrados dentro um de supermercado da rede Líder, no bairro da Pedreira, em Belém. A ação, com 316 páginas, é ilustrada por vários fotos feitas por membros do MPPA e da Vigilância Sanitária, mostrando produtos estragados.
De acordo com a 1ª Promotoria de Justiça do Consumidor de Belém, o processo judicial é resultado de procedimentos administrativos realizados com o objetivo de “averiguar a adequada inspeção dos produtos de origem animal, especificamente nos supermercados de Belém e área metropolitana, e que necessita de controle, registro e inspeção dos órgãos de fiscalização sanitária, dentre eles a Agência de Defesa Agropecuária do Pará e o Ministério da Agricultura”
A fiscalização foi para identificar possíveis inconformidades nos produtos de origem animal, especialmente o pescado, vendidos nas redes de supermercados de Belém e foi feita em conjunto com a Vigilância Sanitária e os técnicos do Centro de Apoio Operacional do MPPA (Gati).
Durante a fiscalização nos 16 supermercados de Belém e área metropolitana, pertencentes ao Líder, foi constatado que “grandes marcas de comercialização de produtos de origem vegetal não são registradas na Adepará”. Também, os técnicos da Vigilância Sanitária relataram que estavam recebendo denúncias quanto à “comercialização de camarão salgado vendido nos supermercados sem registro”.
Segundo a ação, nas vistoria feitas no setor de pescado do supermercado Líder na Avenida Alcindo Cacela, no dia 12 de novembro de 2021, foi verificada a “comercialização de mexilhão, farinha de peixe, filé de peixe congelado e camarão descascado sem registro no Serviço de Inspeção Federal (SIF) do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento e no Serviço de Inspeção Estadual (SIE) da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará)”.
Ficou constatado que a câmara de estocagem para armazenamento de pescados necessitava de “limpeza e organização, tendo em vista que as embalagens estavam armazenadas próximo às paredes, condensadores e evaporadores, o que prejudica a condição higiênico-sanitária do alimento”.
Quanto ao pescado resfriado exposto à venda, identificaram que no dia da vistoria, o produto estava armazenado com uma quantidade de gelo em escamas insuficiente para manter a temperatura do alimento, evidenciando, inclusive a utilização de hortaliças e legumes como enfeite, o que poderia contaminar o alimento.
“Conforme é sabido, a pouca quantidade de gelo não garante a integridade do alimento, aumentando o risco de proliferação de microorganismos nocivos à saúde humana, o que pode tornar o produto impróprio para o consumo e gerar eventos adversos nos consumidores que desavisadamente o consumirem”, diz um dos relatórios anexado à ação.
“Quanto à segunda situação de elevado risco sanitário (colocar hortaliças e legumes sobre o peixe cru), importante pontuar que essa prática facilita a contaminação cruzada, pois os eventuais contaminantes das hortaliças e legumes podem ser levados para o peixe cru, que muitas vezes é utilizado para fazer sushi, colocando o consumidor em elevado risco de adoecimento, o que pode ser fatal em caso de bactéria letal”, aponta o relatório.
Prática reiterada e desafio à lei
Em outro ponto, o relatório ressalta que “mesmo após as orientações repassadas em audiência extrajudicial pelo Ministério Público, onde estavam presentes preposto e advogado do Grupo Líder, além da profissional responsável pelo controle dos alimentos ali vendidos, há informes de que a prática irregular permanece sendo realizada de modo reiterado, o que induz ao convencimento de que o Grupo Líder recalcitra no cumprimento das orientações dos órgãos de fiscalização, adotando postura desafiadora perante a lei e quem tem a missão de fiscalizar o seu integral cumprimento”.
Destaca ainda o relatório que “foi verificado durante a vistoria, a venda de filé de peixe congelado em recipiente aberto, onde o consumidor realiza a manipulação do alimento utilizando pegadores de gelo, procedimento este que facilita a propagação do novo coronavírus, uma vez que os utensílios não são higienizados frequentemente”.
O relatório aponta que foi constatado durante a vistoria a comercialização de pescado sem procedência (mexilhão, farinha de peixe, filé de peixe congelado e camarão descascado) impróprio para o consumo humano e que o rótulo desses produtos contém informações incorretas, insuficientes que levam o consumidor a equívoco, erro, confusão ou engano em relação à identidade, à composição à classificação, à padronização à natureza, à origem do alimento comercializado. E que o supermercado vistoriado não atende o que preconiza o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que foi constatado a comercialização de alimentos sem procedências.
A análise técnica realizada no supermercado Líder localizado na Avenida Pedro Miranda, na Pedreira, em Belém, identificou que o empreendimento não possui licença de funcionamento expedida pelo órgão da Vigilância Sanitária e que realiza a manipulação de pescado resfriado. Também consta que, no dia da vistoria, foi verificada a comercialização de mexilhão, farinha de peixe, filé de peixe congelado e camarão descascado sem registro no SIF do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento e no SIE da Adepará.
O relatório esclarece que quanto ao mexilhão, durante a manipulação existe a necessidade de realizar a depuração do pescado, evitando, assim, a propagação de doenças. Assim, a ausência de registro torna o produto impróprio para o consumo, pois não há garantias pelos órgãos de fiscalização de que o produto está em condições de ser usado como alimento, especialmente o prévio controle sanitário sobre a adequada higienização do molusco, que acumula impurezas.
“Como se depreende dos autos, há indicação de que esta é uma prática reiterada na rede de Supermercados Líder, qual seja, a venda de produtos de origem animal ou vegetal sem registro devido nos órgãos de fiscalização. Quanto às câmaras de armazenamento de produtos resfriados e congelados, ressalta que estas são inadequadas para acondicionar o pescado, uma vez que foi identificado gotejamento, mofo e a higiene precária dentro do espaço em questão, situação que pode influenciar na contaminação dos alimentos armazenados”, reforça o relatório, destacando que “foi observado acúmulo de papelão e água com sangue no piso da câmara fria causando odor desagradável”.
Mofo e ratos
Por fim, o relatório diz que “as imagens falam por si e revelam um cenário de grave descumprimento das regras de higiene sanitária, colocando em elevado risco os consumidores que adquirem produtos de origem animal acondicionados nessa câmara de armazenamento, que consiste em um ambiente de higiene precária (mofo e gotejamento), o que contrasta com o elevado poder econômico do Grupo Líder, que se utiliza de propaganda eficiente para atrair consumidores para suas lojas, sem empregar o mesmo zelo para o cumprimento dos padrões sanitários estabelecidos pela legislação em vigor”.
Há um “padrão” de descumprimento da legislação sanitária em vigor na rede de Supermercados Líder. O risco sanitário dessa prática equivocada é altíssimo, pois se as plantas plásticas são acondicionadas diretamente no chão da área de manipulação, o pescado poderá ser contaminado com essas mesmas plantas (que são usadas como “enfeites” em cima do peixe cru) se mostra impróprio para o consumo. Alarmante também é a constatação de que o grupo Líder permite a utilização de uma pá oxidada para manejo do gelo que é colocado em cima dos peixes crus, sendo induvidosa fonte de contaminação, pois muitos consumidores usam o peixe cru em suas refeições, prossegue o relatório..
Também foi constatado, durante a vistoria conjunta, que o pescado salgado estava sendo comercializado em ilhas oxidadas.
Em resumo, completa o relatório, as mesmas práticas equivocadas são realizadas como rotina na rede de Supermercados Líder, com “naturalidade”, sem receio de serem incomodados com a fiscalização sanitária. Em comparação com o pescado congelado, o produto resfriado estava com as suas características sensoriais cor, odor e aparência alterados, de forma que tal situação torna o alimento impróprio para o consumo humano.
Mas o pior de tudo, segundo o relatório, é que foi constatado indícios da presença de ratos no ambiente do Supermercado Líder da Pedro Miranda, cuja nocividade para a saúde humana é conhecida até pelas pessoas sem muito acesso à informação (leptospirose, que em alguns casos pode ser letal).
Sem respostas
O Ver-o-Fato procurou a direção do Grupo Líder para ouvir a versão dela sobre a ação judicial impetrada pelo Ministério Público. O contato, por telefone e whatsapp, inclusive com mensagem e pedido de esclarecimentos ou nota, não foi respondido até o momento pelo sr. Oscar Rodrigues, presidente do conglomerado de supermercados. A área de marketing do grupo também foi procurada pelo Ver-o-Fato, mas igualmente não se manifestou.
LEIA A ÍNTEGRA DA AÇÃO JUDICIAL
Os pedidos do MP à Justiça
“Ante o amplamente exposto, o Ministério Público do Estado do Pará, por meio das Promotoras de Justiça signatárias, com base nos argumentos de fato e de direito narrados, e considerando suas atribuições constitucionais, requer: Liminarmente, inaudita altera pars, seja determinado ao Supermercado Requerido, para implementar em toda a sua rede de lojas, as medidas a seguir especificadas, sob pena de multa diária, a ser fixada por esse Douto Juízo, e demais medidas coercitivas em caso de descumprimento deliberado de decisão judicial:
1 – Que providencie a contratação de Responsável Técnico, bem assim, a respectiva Anotação de Responsabilidade Técnica, às expensas do Requerido, perante o Conselho de Classe respectivo, no prazo de 30 (trinta) dias, com equipe capacitada e treinada continuamente para garantir as Boas Práticas higiênico-sanitárias na área de alimentos em todas as lojas da rede de Supermercados Líder;
2 – Que apresente Certidão de Regularidade Técnica de cada estabelecimento perante o Conselho de Classe respectivo, no prazo de 30 (trinta) dias;
3 – Que apresente, em 10 dias, cópia de todas as Licenças Sanitárias (Alvará Sanitário) expedidas pela Vigilância Sanitária para cada loja da rede de Supermercados Líder localizada em Belém/Pa, referentes aos anos de 2021 e 2022;
4 – Que adote providências imediatas para manter o pescado resfriado, inclusive as espécies formadoras de histamina (serra, cavala e outros) em gelo em escamas mantido em temperaturas entre -0°C e -2°C;
5 – Que realize a aquisição imediata de termômetros para aferir a temperatura do pescado resfriado;
6 – Que retire, IMEDIATAMENTE, todos os enfeites plásticos e hortaliças/legumes usados para ornamentar a peixaria;
7 – Acondicionar adequadamente os Equipamentos de Proteção Individual (EPI), de modo imediato;
8 – Colocar, IMEDIATAMENTE, na área de venda do pescado comercializado a granel as informações necessárias tais como; nome do
produto, marca, quantidade, ingredientes, preço, procedência do pescado, data de fabricação, data de validade, lote e tabela nutricional;
9 – Adquirir, IMEDIATAMENTE, luvas descartáveis para a manipulação dos produtos de Origem Animal comercializado a granel,
evitando o uso contínuo dos utensílios pelos clientes;
10 – Manter as câmaras resfriadas e congeladas limpas, livre de condensação e mofo, de modo imediato;
11 – Apresentar o cronograma de higienização e sanitização das câmaras frias atualizados, de modo imediato;
12 – Armazenar os alimentos corretamente no interior das câmaras frigoríficas distantes das paredes e afastados de condensadores
e evaporadores, de modo imediato;
13 – Retirar, IMEDIATAMENTE, madeira, papelão e material em desuso da área de manipulação do pescado resfriado;
14 – Substituir, IMEDIATAMENTE, os equipamentos e utensílios oxidados: balanças, pás, machadinhas, ilhas, balcões frigoríficos;
15 – Não comercializar pescado resfriado e congelado impróprios para o consumo humano, ou seja, com os caracteres sensoriais (cor, odor e aparência) alteradas (IMEDIATAMENTE);
16 – Substituir, IMEDIATAMENTE, tábuas de corte danificadas;
17 – Eliminar, IMEDIATAMENTE, a comercialização de produtos cárneos expostos sem proteção em “ilhas” no supermercado, evitando que haja a manipulação do produto diretamente pelo consumidor;
18 – Implementar, IMEDIATAMENTE, o manual de Boas Práticas de Fabricação e os Procedimentos Operacionais Padrão (POP);
19 – Manter em local visível o certificado de controle de Pragas atualizado, de modo imediato;
20 – Manter em local visível a análise físico-química e microbiológica da água e gelo em escamas, atualizados, de modo imediato;
21 – A comercialização de pescado congelado a granel deverá ser realizada em expositores fechados mantendo a temperatura do alimento, de modo imediato;
22 – Adquirir, IMEDIATAMENTE, tampas para caneletas e ralo sifonados;
23 – Realizar, IMEDIATAMENTE, a vedação das aberturas evitando o acesso de roedores;
24 – Manter atualizado o certificado de limpeza e higienização dos reservatórios de água, de modo imediato;
25 – Apresentar PMOC (Plano de Manutenção, Operação e Controle dos Aparelhos de ar-condicionados) e análise da qualidade do ar
e manter atualizado, de modo imediato;
26 – Organizar, IMEDIATAMENTE, as câmaras de armazenamento de produtos congelados;
27 – Substituir pallets ou outro utensílio de madeira das câmaras de armazenamento e das demais dependências do estabelecimento (prazo de 30 dias);
28 – Ordenar, IMEDIATAMENTE, o fluxo na área de manipulação do pescado resfriado evitando contaminação cruzada;
29 – Reformar a área de manipulação do peixe resfriado, onde o piso, parede e teto deverão ser construído com material liso, resistente, impermeável e lavável e conservados, livres de rachaduras, trincas, goteiras, bolores e descascamentos (prazo de 60 dias);
30 – Realizar a reforma das câmaras de armazenamento de produtos resfriados e congelados (prazo de 90 dias);
31 – Que se abstenha, IMEDIATAMENTE, de comercializar produtos de origem animal ou vegetal sem registro nos órgãos de fiscalização (Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (ADEPARA) e no Sistema Brasileiro de Inspeção (SISBI);
32 – Que se abstenha, IMEDIATAMENTE, de comercializar produtos de origem animal ou vegetal sem informações claras sobre sua
origem, que impedem o acesso às informações básicas pelos consumidores, em violação ao Código de Defesa do Consumidor;
Quanto aos pedidos finais à Justiça, o MP requer:
1 – Seja julgada procedente a demanda, nos termos do art. 487, inciso I do CPC/15, condenando-se o Requerido em todas as obrigações de fazer e não fazer formuladas em sede de tutela de urgência, de modo que haja a adequação das atividades da empresa Requerida às Boas Práticas higiênico-sanitárias em todas as unidades da rede de Supermercados Líder, localizadas em Belém/PA, com o fim de fazer cessar as condutas danosas à saúde pública e aos consumidores, conforme fartamente explanado nos autos;
2 – Requer que seja fixada multa, a ser arbitrada por esse douto juízo, para o caso de descumprimento das obrigações de fazer e não fazer pleiteadas. Acaso a multa se mostre insuficiente, que no âmbito do poder geral de cautela dos magistrados, sejam determinadas outras medidas adequadas e cabíveis para a efetivação da tutela provisória;
3 – Seja a empresa Requerida citada para apresentar, se assim o desejar, contestação à presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, sob pena de
revelia e demais cominações legais;
4 – Protesta o autor pela produção de todos os meios de provas admitidas em direito, documentais, periciais, testemunhais; inclusive,
a inversão do ônus da prova, nos exatos termos do art. 6º, inc. VIII, do CDC;
5 – A condenação da empresa Requerida ao pagamento das custas processuais e demais ônus da sucumbência, valores a serem
depositados no Fundo Estadual de Direitos Difusos e Coletivos;
6 – A condenação da empresa Requerida em danos morais coletivos fixados em 1.000.000 (um milhão de reais) para a reparação das lesões e para a sanção dos lesadores, com a destinação dos valores ao Fundo Estadual de Direitos Difusos e
Coletivos.
Dá-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de 1.000.000 (um milhão
de reais).
Nestes Termos.
Pede e Espera Deferimento.
Belém/PA, 02 de junho de 2022.
REGIANE BRITO COELHO OZANAN
1ª Promotora de Justiça do Consumidor, em exercício.
Atualização às 13h48 – Nota do Grupo Líder
O Grupo Líder se manifestou sobre as denúncias da reportagem contidas na ação judicial do MP. Segue a nota enviada por aplicativo de Whatsapp e enviada ao Ver-o-Fato:
“Em resposta à indagação da editoria do Ver-o-Fato, o Grupo Líder esclarece que não foi citado a se manifestar nessa suposta Ação Civil Pública e nem dela tem conhecimento.
Esclarece que vê com enorme surpresa todas estas supostas irregularidades, mas que se manifestará nos autos do Processo, após tomar conhecimento do teor das acusações, as quais desde já refuta veementemente.
O Líder ressalta que tem mais de 50 (cinquenta) anos de atividades ininterruptas, tendo qualidade e respeito aos clientes como seus principais objetivos”.