Em um desdobramento significativo no sistema judiciário brasileiro, a Justiça do Pará retomou uma ação civil pública contra o aplicativo TikTok, administrado pela empresa Bytedance Brasil Tecnologia Ltda. A ação, movida pela associação de defesa dos consumidores Adecambrasil, acusa o TikTok de violar os direitos de crianças e adolescentes e pede uma indenização de R$ 100 milhões ao fundo de defesa dos direitos difusos.
A entidade do consumidor argumenta que o TikTok facilita a inscrição de menores de forma livre e descomplicada, contribuindo para uma erotização precoce e expondo-os a predadores sexuais. A associação também aponta que, apesar de advertências da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e condenações internacionais de 15 milhões de dólares, como no Reino Unido, o TikTok não ajustou suas práticas de maneira satisfatória.
Inicialmente, a ação foi arquivada sem julgamento de mérito pelo então juiz Amilcar Guimarães – hoje desembargador do TJ paraense-, porém, após apelações da Adecambrasil o Tribunal de Justiça anulou essa decisão, ordenando que o processo fosse reaberto e julgado em primeira instância.
Falhas da defesa da Tik Tok
Neste ínterim, a Bytedance falhou em cumprir os prazos processuais, incluindo o pagamento das custas judiciais, o que resultou em penalidades e a não aceitação de um recurso pelo Tribunal. O Ver-o-fato apurou que o Tiktok foi no mês de março deste ano condenado pelo Tribunal de Justiça do Maranhão a pagar indenização de R$ 23 milhões, pela coleta ilegal de dados sensíveis por meio de biometria facial, e mais R$ 500 para cada usuário que teve sua biometria coletada.
Nos Estados Unidos o Tiktok pode ser banido se não adequar sua forma de atuação às leis americanas. Uma lei recentemente aprovada nos EUA está obrigando a isso.
No Pará, a ação judicial foi proposta em julho de 2020, em plena pandemia de Covid-19, porque a Adecambrasil diz ter sido comprovada a gravidade da situação e lesão de direitos de milhões crianças brasileiras que, resguardadas do contágio do vírus em prevenção, em suas casas, passaram a livremente ter acesso ao aplicativo, que se tornou uma “febre” e multiplicou-se em usuários.
Amilcar Guimarães, ao julgar no caso na primeira instância judicial, inicialmente, entendeu que não podia seguir com o processo, alegando que o Tik Tok era uma rede social qualquer, como Fecebook e Instagram, indeferindo o processamento e extinguindo o caso sem julgamento do mérito.
Acusada se cala
A Adecambrasil ainda ingressou com dois recursos, tentando que o juiz mudasse sua decisão, mas não obteve êxito. Ela recorreu ao Tribunal de Justiça e o desembargador Constantino Guerreiro, contrariando o entendimento de Almir Guimarães, determinou que a ação retorne à primeira instância.
A Bytedance tentou recorrer da decisão do desembargador, para que a ação não fosse processada pela justiça do Pará e extinta, em manutenção da sentença do magistrado, mas ocorreu algo insólito e difícil de se ver: o recurso do Tiktok não chegou a ser apreciado por duas ilegalidades seguidas no depósito das custas processuais ao tribunal, de pequeno valor ao faturamento do aplicativo, menos de R$ 340,00.
Primeiro os advogados da Bytedance ou a própria empresa, deixaram de recolher as custas de R$ 340,00, em falha processual. Depois, o desembargador Guerreiro determinou que a empresa depositasse as custas em dobro pela falha. Os advogados do escritório Tozzin Freire, defensores da empresa, recolheram as custas no valor de R$ 665,00, mas não anexaram ao processo algo normal, o “Relatório da Conta do Processo”, que é obrigatório em todos os recursos.
Assim, em situação totalmente extraordinária, o Tribunal de Justiça do Pará não conheceu do recurso do Tiktok e a ação civil pública voltará a primeira instância para o processamento e julgamento.
O Ver-o-Fato procurou os advogados do escritório Tozzini Freire, em São Paulo, para ouvir a sua versão sobre essas duas irregularidades nas custas, perguntando se quem havia errado fora a empresa Bytedance ou o próprio escritório. A resposta dada ao portal pela assessoria do escritório foi de que ele não iria se manifestar. E sugeriu que a própria empresa fosse procurada, fornecendo um endereço eletrônico. O espaço está aberto à manifestação dos interessados.
Estratégia de protelação, diz advogado
Procurada, a Adecambrasil manifestou-se ao Ver-o-Fato por meio do advogado da entidade no processo, Manoel Marques Neto. Ele se limitou a dizer que todas as informações estão no processo. Mas declarou, que o recurso do Tiktok, para a entidade, foi uma “lamentável estratégia de protelação da ação, que tem que ser processada”.
Para Manoel Neto, parece ser necessário no Brasil a intervenção de Deus “para proteger as crianças e sua sagrada inocência, com acontecimentos inesperados”.
Segundo ele, a Adecambrasil vai lutar pela punição do Tiktok, em reparação à sociedade brasileira, que diz ele, “não pode faturar bilhões de reais anualmente, lesando psicologicamente crianças e adolescentes, em sua formação à fase adulta, além de prejudicar milhões de famílias brasileiras”.
Por fim, adiantou que a Adecambrasil irá se manifestar mais detalhadamente sobre o que chama de “destruição da infância brasileira, através de violações às leis e princípios morais básicos de uma sociedade e seu futuro” feita pelo aplicativo. A decisão final poderá ter implicações significativas tanto para a regulamentação do TikTok no Brasil quanto para o panorama geral da proteção digital infantil no país.
A magnitude do caso ressalta a responsabilidade das corporações como a Bytedance em moderar e configurar seus serviços de forma a garantir um ambiente seguro para seus usuários. As falhas da TikTok não só implicam questões de privacidade e dados, mas também de exposição direta a conteúdos e interações que podem ser prejudiciais para menores.
A questão se torna ainda mais crítica à luz das altas cifras que a empresa lucra no mercado brasileiro, contrastando com a alegada negligência na proteção de seus usuários jovens. À medida que a ação contra o TikTok avança no Brasil, fica claro que a proteção dos menores no ambiente digital é uma preocupação global que requer uma abordagem unificada e decisiva.
O caso no Pará, com repercussão em todo o Brasil, não apenas reflete os desafios enfrentados por reguladores em todo o mundo, mas também destaca a importância de persistir na luta por um espaço digital seguro para as futuras gerações.