O promotor de Justiça do Meio Ambiente, Patrimônio Cultural, Habitação e Urbanismo de Belém, Raimundo Moraes, ingressou com ação de execução de título extrajudicial contra o Município de Belém e também contra o prefeito, Zenaldo Coutinho, cobrando o pagamento de R$ 25,8 milhões por não ter sido cumprido, desde 2013, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Esse TAC previa a criação e operacionalização da política Intermunicipal ou regional de resíduos sólidos, coleta seletiva e inserção dos catadores, recuperação da área do lixão do Aurá, além de apoio ao monitoramento da bacia hidrográfica do Rio Aurá, dentre cláusulas específicas previstas no termo. Nada disso foi feito.
Detalhe: faltam cinco meses para fechar de vez, por ordem judicial, o Aterro Sanitário de Marituba e sequer se tem notícias sobre reunião entre os prefeitos da região metropolitana para definir um novo local para o lixo de mais de 2,3 milhões de habitantes. Uma bomba armada e programada para explodir no colo dos prefeitos Edmilson Rodrigues, Daniel Santos e Patrícia Mendes, de Belém, Ananindeua e Marituba, que tomarão posse em seus cargos no próximo dia 1º de janeiro.
A ação de Raimundo Moraes – cuja íntegra o Ver-o-Fato teve acesso com exclusividade – é inédita no Pará e abre perspectiva alvissareira de que, a partir de agora, esses TACs, usados à exaustão pelos fiscais da lei MP e MPF, deixem de ser instrumentos de impunidade de agentes públicos e privados e possam de fato ter uma finalidade mais produtiva, rápida e consequente em favor da sociedade, sempre à mercê de grotescos crimes socioambientais.
” Em diversas oportunidades, o Ministério Público buscou ser interlocutor das questões apresentadas como foco do TAC, intermediando as relações com as cooperativas de catadores de materiais recicláveis; buscando apoiar os municípios no andamento dessas políticas públicas. Todavia, percebe-se inércia, incapacidade técnica e talvez ausência de vontade para execução das mais basilares medidas, mesmo o simples controle administrativo”, afirma o promotor em um trecho da ação, impetrada na última sexta-feira, 18 e que vai tramitar na 5ª Vara da Fazenda Pública dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos da Capital, cujo titular é o juiz Raimundo Santana.
Para que se tenha uma ideia do descaso com que não apenas a prefeitura de Belém tratou a questão, mas também as prefeituras de Ananindeua e Marituba, um resumo geral do TAC dos resíduos sólidos apresenta os seguintes números: Belém, do total de 29 obrigações, 8 foram cumpridas, 10 parcialmente cumpridas e 11 não cumpridas. Ananindeua: de 22 obrigações, nenhuma cumprida, 3 parcialmente cumpridas e 19 não cumpridas. Marituba: das 22 obrigações, só 1 cumprida, três parcialmente cumpridas e 18 não foram cumpridas. Resta saber se os prefeitos Manoel Pioneiro e Mário Filho também serão punidos por esse desleixo administrativo, com ações do MP dos dois municípios semelhantes à do promotor Raimundo Moraes.
Sete anos atrás, após comprovadas as responsabilidades solidárias dos municípios de Belém, Ananindeua e Marituba para a reparação da lesão ecológica e depois de um longo caminho de investigação, apuração e negociação, diz Moraes na ação contra Zenaldo e o município de Belém, durante a fase de transição, prevista no TAC, foi acompanhado o encerramento das atividades no Aurá, com destinação adequada a aterro sanitário ambientalmente licenciado. “Foram, também, realizadas posteriormente várias outras atividades dentre aquelas acordadas. Todavia, ainda restam pendentes cláusulas de cumprimento parcial ou integral”, resume o promotor.
” O que se busca nesta ação executiva é o cumprimento da obrigação de fazer prevista no TAC, em sua total integralidade e extensão, como também que os Executados paguem a multa diária cominada no instrumento – devida a partir de 27/04/2014 – atualmente no montante de R$-: R$ 25.877.725,00 até a data de hoje. Portanto, a tutela pretendida consiste em obrigações de fazer e de pagar, tudo conforme as previsões do título executivo ora executado”, enfatiza o fiscal da lei.
O Ver-o-Fato não conseguiu falar com o prefeito Zenaldo Coutinho para se manifestar sobre a ação judicial do MP contra ele e também contra o Município de Belém, ao qual representa em razão do cargo que ocupa. O espaço está aberto à manifestação.
Veja a íntegra da ação judicial:
” Após denúncia sobre poluição do lençol freático em razão de vazamento de chorume do Aurá na Bacia do Rio Aurá, com danos sobre o sistema hídrico, o solo, o ar e as comunidades do entorno, e, ainda, em face da edição da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010, com a necessidade de finalização da atividade do denominado “Lixão do Aurá”, com tratamento adequado dos resíduos em local ambientalmente adequado e licenciado para tal atividade, o Ministério Público do Estado do Pará iniciou apuração acercas das responsabilidades pelo citado dano ambiental.
Assim, em 2013, comprovadas as responsabilidades solidárias dos municípios de Ananindeua, Belém e Marituba para a concretização da lesão ecológica e depois de um longo caminho de investigação, apuração e negociação, foi tomado desses municípios o compromisso do ajustamento de suas condutas na gestão integrada de resíduos sólidos, o qual previa Criação e Operacionalização da Política Intermunicipal ou Regional de Resíduos Sólidos; Coleta Seletiva e Inserção dos Catadores; Recuperação da Área do Aurá; Apoio ao Monitoramento da Bacia Hidrográfica do Rio Aurá, dentre cláusulas específicas previstas nesses capítulos.
Durante a fase de transição, prevista no TAC, foi acompanhado o encerramento das atividades no Aurá, com destinação adequada a aterro sanitário ambientalmente
licenciado. Foram, também, realizadas posteriormente várias outras atividades dentre aquelas acordadas. Todavia, ainda restam pendentes cláusulas de cumprimento parcial ou integral.
Cumpre salientar que os responsáveis foram notificados para o cumprimento do termo, por vários meios, inclusive audiências extrajudiciais realizadas, indicando cumprimento parcial do acordo firmado, mas restando obrigações inteiras sem cumprimento nenhum, não restando alternativa senão o cumprimento através de execução forçada, dado o lapso temporal transcorrido e as necessidades que se tornam agudas.
Como será detalhado adiante, no dia 05 de setembro de 2018 os gestores municipais foram convocados a comparecer a uma oficina organizada pelo Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do Ministério Público – CAOMA, com o fim de que fossem apresentadas as medidas para cumprimento efetivo e cabal do TAC, conforme ata de audiência extrajudicial, em anexo (doc. 02 e 03). Nessa nova oportunidade de prestação de contas, restaram definidas as etapas cumpridas e não cumpridas pelas Municipalidades, apesar de exauridos todos os prazos.
Em diversas oportunidades, o Ministério Público buscou ser interlocutor das questões apresentadas como foco do termo, intermediando as relações com as cooperativas de catadores de materiais recicláveis; buscando apoiar os municípios no andamento dessas políticas públicas. Todavia, percebe-se inércia, incapacidade técnica e talvez ausência de vontade para execução das mais basilares medidas, mesmo o simples controle administrativo.
Assim, demonstrada a desídia no cumprimento total do Compromisso e mesmo das mais basilares cautelas, não restou alternativa ao Ministério Público senão a de ingressar com a presente Ação de Execução, em razão de cabalmente comprovado, por relatórios técnicos do Grupo de Apoio Técnico Interdisciplinar do Ministério Público-GATI e por manifestação dos próprios obrigados, o descumprimento total e parcial de diversas cláusulas do Termo de Ajustamento de Conduta por parte dos municípios signatários.
Por fim, em último esforço, no dia 21 de setembro de 2020, foi encaminhado o Ofício no 209/2020-MP-3o PJ/MA/PC/HU (Conjunto), arquivo anexo (doc. 04), notificando, pela análise dos técnicos do MP, todos as obrigações não cumpridas para os Prefeitos das Municipalidades signatárias. No caso dos executados aqui, não houve nenhuma resposta.
DO TAC
O Termo de Ajustamento de Conduta – TAC é título executivo extrajudicial (art. 5o, § 6o, da Lei da Ação Civil Pública e art. 814 e seguintes do Código de Processo Civil) decorrente de compromisso assumido livremente pelas partes.
Em face do acompanhamento do TAC tomado, em 2013, dos Municípios de Ananindeua, Belém e Marituba, para o alcance de suas obrigações na gestão e destinação final de resíduos sólidos e da necessidade de seu cabal cumprimento e, de acordo com Análise Técnica n. 17/2019, do Grupo de Análise Técnica Interdisciplinar do Ministério Público, de 15/01/2019, temos, em resumo:
Das obrigações ainda não cumpridas, a primeira ação de execução já proposta trata do descumprimento das cláusulas que tem por objeto a recuperação ambiental integral e total da Área do Aurá ou antigo Lixão do Aurá, e tramita nessa 5 a . Vara com o número 0837564-22.2019.8.14.0301. Nesta execução agora proposta trataremos tão somente das demais cláusulas não cumpridas total ou parcialmente do TAC em face do Município de Belém e seu gestor municipal, cujo inteiro teor segue anexo e como parte integrante desta, destacadas na tabela abaixo:
O TAC prevê ainda, na Cláusula 12a, §1o que: “Para fins de acompanhamento do cumprimento das obrigações previstas neste Termo de Compromisso, os
COMPROMISSÁRIOS enviarão, a cada 60 (sessenta) dias ou no prazo indicado especificamente, ao COMPROMITENTE, Relatório ou informação demonstrando a
evolução e o cumprimento das tarefas e etapas estabelecidas”, porém, NENHUMA DAS PREFEITURAS COMPROMISSÁRIAS enviou ao Ministério Público os relatórios ou informações de maneira frequente, conforme estabelecido
Como destacado, ficou claro o descumprimento de obrigações assumidas no TAC. Nem mesmo esses termos de referência foram apresentados, no prazo de 15 dias, como indicado nos encaminhamentos finais, como mais uma chance de alcançar o cumprimento. Verifica-se que tais obrigações livremente firmadas não foram cumpridas em sua totalidade e, diante do problema vivenciado em relação à questão da coleta, manejo e deposição de resíduos na região metropolitana, com a proximidade de fechamento do Aterro de Marituba, a necessidade de compelir os compromissários ao seu cumprimento, conforme previsão de execução no TAC, para a necessidade imediata de implementar políticas eficazes de coleta seletiva nos Municípios, a fim de evitar colapso.
DA MULTA
No entanto, mesmo com essas informações as obrigadas não se habilitaram a enfrentar o desafio e a honrar seus compromissos pela via da alternativa mais equilibrada e sustentável. Mesmo com a previsão de multas claramente definidas.
Por conseguinte, o Termo de Ajustamento de Conduta que versa sobre obrigação de fazer, enseja também execução por obrigação de pagar, devendo o juiz, ao despachar a inicial, fixar multa diária por descumprimento da obrigação, bem como a data a partir da qual será devida. Também considerando o alcance dos objetivos comuns de forma mais célere, bem como a praticidade, consideramos a possibilidade da destinação do valor total das multas – tanto da astreinte, definida no § 1° desta cláusula, quanto da multa judicial a ser definida ao despachar esta – para depósito destinado ao cumprimento das obrigações.
É certo que o Compromisso de Ajustamento de Conduta tem eficácia de título executivo extrajudicial, nos termos do art. 5o, § 6o, da Lei de Ação Civil Pública; se não cumprido na data aprazada, se torna exigível por meio da competente Ação de Execução Judicial, tanto no que se refere à obrigação assumida, quanto à multa diária fixada.
Requer, assim, o Ministério Público do Estado do Pará:
1) Que, em observância ao disposto nos artigos 814 e seguintes do CPC, sejam os executados – município Belém e o seu gestor municipal – citados na pessoa de seus representantes legais para satisfazer a OBRIGAÇÃO DE FAZER estabelecida em Termo de Ajustamento de Conduta, consistente na obrigação de cumprir as cláusulas acima descritas, direta ou indiretamente, bem assim, a indicação da dotação orçamentária correspondente para sua execução cabal;
2) Requer-se, desde logo, ainda de acordo com o artigo 814 do CPC, a fixação de penalidade (multa) por dia de atraso no cumprimento da obrigação, a ser estabelecida em moeda corrente, não apenas para o próprio ente público executado, mas também na pessoa de seu gestor municipal a qual deverá ser recolhida em conta própria e que reverterá em benefício do cumprimento da obrigação;
3) O cumprimento da OBRIGAÇÃO DE PAGAR – de forma solidária pelos Executados – da multa prevista no TAC, na cláusula 14, atualmente no montante de R$-: R$
25.877.725,00 (Vinte e cinco milhões, oitocentos e setenta e sete mil, setecentos e vinte e cinco reais), correspondente aos dias de atraso até a data de hoje, que deve não apenas ser contabilizada até o dia do efetivo cumprimento da obrigação assumida, como também atualizada e corrigida até o dia do efetivo pagamento, a ser direcionada para o cumprimento das obrigações.
4) A dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, à vista do disposto no artigo 18, da Lei 7.347/85. Dá-se a presente, para todos os fins, o valor de R$-: R$ 25.877.725,00 (Vinte e cinco milhões, oitocentos e setenta e sete mil, setecentos e vinte e cinco reais).
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