A desembargadora Maria de Nazaré Gouveia dos Santos, do Tribunal de Justiça do Pará e no plantão judiciário deste domingo, 20 – o Tribunal está em recesso e só volta a funcionar a partir de 6 de janeiro -, acolheu pedido de liminar impetrado pelo advogado Roberto Lauria e revogou as medidas cautelares impostas ao ex-secretário estadual de Saúde, Alberto Beltrame, que por decisão do juiz Lucas do Carmo de Jesus passou a usar tornozeleira eletrônica, além de ter bens, valores, dinheiro e ativos, na importância de R$ 1,2 milhão bloqueados, dentre outras outras medidas.
O Ver-o-Fato, com exclusividade, teve acesso à integra da decisão judicial. Peter Cassol e outros citados também foram beneficiados pela decisão da desembargadora.
“Os fatos ocorreram em março deste ano. O paciente não exerce mais o cargo de Secretário de Estado de Saúde desde 31/07/2020, não tendo demonstrado a autoridade coatora, na decisão vergastada, a existência de fatos novos que denotassem a contemporaneidade das medidas restritivas impostas somente em 14/12/2020 ou ocorrida qualquer situação nova ou fundamento idôneo, amparado em dados concretos e recentes, que evidenciassem a necessidade da aplicação das referidas medidas cautelares”, afirma a desembargadora Maria de Nazaré na decisão..
Ela diz ainda que “inobstante a gravidade e a reprovabilidade das condutas, em tese, imputadas ao paciente e que serão submetidos ao crivo do contraditório e da ampla defesa no decorrer da ação penal, não foi demonstrada a indispensabilidade atual das restrições, nos termos do art. 315, § 1o, do CPP, não se revelando, por ora, necessárias e adequadas”.
” Ante o exposto, sem prejuízo de exame mais detido quando do julgamento de mérito, defiro o pedido de liminar para revogar as medidas cautelares impostas ao paciente na decisão ora atacada”, resume a desembargadora.
Veja na íntegra a decisão dela:
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ
Classe: HABEAS CORPUS PARA REVOGAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES COM PEDIDO
DE LIMINAR
Número: 0812656-91.2020.8.14.0000
Paciente: ALBERTO BELTRAME
Impetrante: ADV. ROBERTO LAURIA E OUTROS
Autoridade coatora: JUÍZO DE DIREITO DA VARA DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO
DA COMARCA DE BELÉM
Órgão julgador colegiado: SEÇÃO DE DIREITO PENAL
Órgão julgador: DESEMBARGADORA MARIA DE NAZARE SILVA GOUVEIA DOS SANTOS
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
” Trata-se de habeas corpus para revogação de medidas cautelares com pedido de liminar impetrado por advogados em favor de ALBERTO BELTRAME, com fulcro no art. 5o, inciso LXVIII, da Constituição Federal c/c os arts. 647 e ss., do Código de Processo Penal, apontando como autoridade coatora o Juízo de Direito da Vara de Combate ao Crime Organizado da Comarca de Belém nos autos do processo no 0013216-27.2020.8.14.0401.
Os impetrantes afirmam que o paciente fora denunciado como incurso nas sanções punitivas do art. 312, “caput”, segunda parte (peculato), c/c a causa de aumento de pena prevista no art. 327, §2°, ambos do CP; arts. 89 e 96, I c/c 84, §2°, ambos da Lei no 8.666/93 (fraude à licitações); art. 2o c/c art. 1°, §1° e art. 2o, §4°, II, todos da Lei n° 12.850/13 (organização criminosa) em concurso material.
Asseveram que, ao oferecer a denúncia, o RMP representou pela prisão preventiva do paciente e dos demais denunciados. O juízo a quo indeferiu esse pleito, aplicando, contudo, cinco medidas cautelares diversas da prisão insertas no art. 319, do CPP: “a) Proibição de acesso ou frequência à sede da Secretaria de Estado da Saúde do Estado do Pará e de qualquer estabelecimento das empresas investigadas ou envolvidas, ainda que indiretamente, nas investigações; b) Proibição
de ausentar-se da Comarca onde reside, salva autorização deste juízo; c) Recolhimento domiciliar no período noturno, entre 20h00min. e 06h00min do dia seguinte nos dias de folga, como sábado, domingo e feriados, salvo em razão da necessidade de trabalho ou outro motivo de força maior, devidamente comprovado; d) Suspensão do exercício de função pública pelo período de 1 (um) ano; e) monitoração eletrônica.”.
Declinam que “merecem as referidas cautelares serem, em sua integralidade, revogadas por esta E. Corte de Justiça, para que não se persista, tamanha violação ao direito ambulatorial do paciente, que atualmente, por residir na comarca de Porte Alegre–RS, ao persistir essa decisão obtusa, se encontraria impedido de manter contato pessoal com sua defesa técnica nesse Estado, bem como, de participar dos próprios atos processuais desta demanda que tramita perante a Vara de Combate ao Crime Organizado da comarca de Belém, limitando-se assim o pleno exercício de sua ampla defesa, o que data máxima vênia, não merece subsistir.”
Suscitam constrangimento ilegal, porque inexiste fundamentação idônea na decisão que aplicou as cinco medidas cautelares diversas ao receber a denúncia, violando-se o art. 315, do CPP, não havendo, ademais, prova da necessidade, da adequação e da contemporaneidade, eis que o fato criminoso teria ocorrido em março de 2020 e a decretação das medidas combatidas somente em 14/12/2020, não estando mais o paciente no cargo público de Secretário de Saúde do Estado do Pará desde 31/07/2020.
Sustentam, ao cabo, que houve violação ao art. 312, §2o, do CPP. Por tais razões, requerem liminar para que sejam revogadas as medidas cautelares ora
combatidas. No mérito, pugnam pela confirmação da liminar em definitivo. Juntam a estes autos eletrônicos documentos. Distribuídos os autos em plantão, vieram-me conclusos.
É o relatório.
DECIDO
Como é cediço, o processamento de habeas corpus pelo plantão judiciário é restrito à apreciação de matérias urgentes, em que a falta do provimento jurisdicional possa acarretar lesão grave e de difícil reparação ao paciente ou para evitar o perecimento do direito, cabendo ao magistrado apreciar a urgência em cada caso, conforme preconiza o art. 1o, inciso V e §5o, ambos da Resolução no 016/2016-GP, in verbis:
“Art. 1o. O Plantão Judiciário, em primeiro e segundo graus de jurisdição destina-se exclusivamente ao exame das seguintes matérias: V – medidas urgentes de natureza cível ou criminal que não possam ser analisadas no horário normal de expediente ou em que a situação cuja demora possa resultar risco de grave prejuízo ou de difícil reparação. § 5o Compete ao magistrado plantonista avaliar, em decisão fundamentada, a urgência que mereça atendimento em regime de plantão, nos termos da presente Resolução, devendo, tão logo examinada, ser remedida ao Juiz natural.”
Portanto, o caso em apreço enquadra-se na hipótese de apreciação via plantão.Nesse compasso, para a concessão da medida liminar, torna-se indispensável que o
constrangimento ilegal esteja indiscutivelmente delineado nos autos (fumus boni juris e periculum in mora). Constitui medida excepcional por sua própria natureza, justificada apenas quando se vislumbrar a ilegalidade flagrante e demonstrada primo ictu oculi. Insurge-se a defesa contra a aplicação de cinco medidas cautelares impostas na decisão de recebimento da denúncia e cumpridas em seguida.
De fato, o paciente está sendo acusado da prática dos crimes insertos no art. 312, “caput”, segunda parte (peculato), c/c a causa de aumento de pena prevista no art. 327, §2°, ambos do CP; arts. 89 e 96, I c/c 84, §2°, ambos da Lei no 8.666/93 (fraude à licitações); art. 2o c/c art. 1°, §1° e art. 2o, §4°, II, todos da Lei n° 12.850/13 (organização criminosa) em concurso material, ocorridos em março deste ano e, ao oferecer a denúncia, o RMP requereu a decretação da prisão
processual do paciente e demais denunciados.
A autoridade coatora recebeu a denúncia, indeferiu o pedido de prisão e aplicou medidas cautelares diversas em decisão datada de 14/12/2020 assentando: “(…)
209) Quanto aos demais denunciados, penso, não há fatos concretos, além da gravidade dos crimes que lhes são imputados, que indiquem a necessidade da segregação cautelar dos mesmos.
210) Como observado pelo próprio Ministério Público, os denunciados ALBERTO BELTRAME, PETER CASSOL SILVEIRA, CÍNTIA DE SANTANA ANDRADE TEIXEIRA já foram exonerados dos cargos que ocupavam, de modo que não poderão continuar praticando crimes e não há qualquer fato concreto, demonstrado nos autos, que evidenciem que, em liberdade, possam prejudicar a instrução processual.
211) Quanto aos acusados LUIZ FELIPE FERNANDES e FRANCISCO LEANDRO RODRIGUES ROCHA também não se verifica fatos concretos que indiquem que os mesmos, em liberdade, possam comprometer a ordem pública ou prejudicar a instrução processual, tendo ficado demonstrado que os mesmos não tinham poder de comando na organização, mas atuavam sob a orientação de DANIEL JACKSON PINHEIRO COSTA.
212) Observo que por este juízo já foram decretadas medidas cautelares diversas da prisão, consistente em: a) proibição dos investigados contratarem com o poder público pelo prazo de 1 ano, seja pessoalmente, seja pelas empresas investigadas ou por quaisquer outras em que porventura integram o quadro societário, mesmo na condição de sócios ocultos; b) Manutenção de seus endereços atualizados; c) Obrigatoriedade de comparecerem a todos os atos processuais que eventualmente venham a ser praticados; d) Proibição de manterem contato com outros investigados e com eventuais testemunhas, salvo se forem parentes/cônjuges, só que nesta hipótese devendo ser comprovado o vínculo.
213) Penso, no entanto, dada a gravidade dos crimes imputados aos investigados, a forma como foram praticados, com significativo prejuízo para o erário público, e o aparente poder econômico e/ou político, evidenciando potencial de prejudicarem a instrução processual, como se infere dos fatos analisados nesta decisão, outras medidas cautelares, distintas da prisão, além das que já foram decretadas, mostram-se necessárias, razoáveis e proporcionais como garantia da ordem pública e por conveniência da instrução processual, em conformidade com o artigo 319, do Código de Processo Penal, quanto aos denunciados ALBERTO BELTRAME, PETER CASSOL SILVEIRA, CÍNTIA DE SANTANA ANDRADE TEIXEIRA, LUIZ FELIPE FERNANDES, FRANCISCO LEANDRO RODRIGUES ROCHA e CLÁUDIA CRISTIMA SILVA MACHADO, entre as quais:
a) Proibição de acesso ou frequência à sede da Secretaria de Estado da Saúde do Estado do Pará e de qualquer estabelecimento das empresas investigadas ou envolvidas, ainda que indiretamente, nas investigações; b) Proibição de ausentar-se da Comarca onde reside, salva autorização deste juízo; c) Recolhimento domiciliar no período noturno, entre 20h00min. e 06h00min. do dia seguinte nos dias de folga, como sábado, domingo e feriados, salvo em razão da necessidade de trabalho ou outro motivo de força maior, devidamente comprovado; d) Suspensão do exercício de função pública pelo período de 1 (um) ano; e) – monitoração eletrônica.”
Assinalo que a própria autoridade coatora afirmou que o paciente já fora exonerado do cargo de Secretário de Estado de Saúde, ocorrido em 31/07/2020, de modo que não poderá continuar praticando crimes “e não há qualquer fato concreto, demonstrado nos autos, que evidenciem que, em liberdade, possam prejudicar a instrução processual.”.
Os fatos ocorreram em março deste ano. O paciente não exerce mais o cargo de Secretário de Estado de Saúde desde 31/07/2020, não tendo demonstrado a autoridade coatora, na decisão vergastada, a existência de fatos novos que denotassem a contemporaneidade das medidas restritivas impostas somente em 14/12/2020 ou ocorrida qualquer situação nova ou fundamento idôneo, amparado em dados concretos e recentes, que evidenciassem a necessidade da aplicação das referidas medidas cautelares.
Assento que, inobstante a gravidade e a reprovabilidade das condutas, em tese, imputadas ao paciente e que serão submetidos ao crivo do contraditório e da ampla defesa no decorrer da ação penal, não foi demonstrada a indispensabilidade atual das restrições, nos termos do art. 315, § 1o, do CPP, não se revelando, por ora, necessárias e adequadas.
Por outro lado, não se mostram presentes as duas exceções admitidas pelo STJ (v.g do AgRg no HC 565.400/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 03/11/2020, DJe 12/11/2020 e AgRg no HC 561.005/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 16/06/2020, DJe 25/06/2020) ao princípio da contemporaneidade: alta possibilidade de recidiva ou presença de indícios de que ainda persistem atos de desdobramento da cadeia delitiva inicial (ou repetição de atos habituais). O crime apurado não se revela permanente.
Ante o exposto, sem prejuízo de exame mais detido quando do julgamento de mérito, defiro o pedido de liminar para revogar as medidas cautelares impostas ao paciente na decisão ora atacada.
Sirva a presente decisão como ofício. Nos termos do artigo 1o, §6o, da Resolução no 016/2016-GP, determino que, cessado o plantão judicial, encaminhem-se os autos à regular distribuição ordinária. À Secretaria para as providências devidas.
Belém (plantão judicial), 20 de dezembro de 2020.
Maria de Nazaré Silva Gouveia dos Santos
Desembargadora Plantonista”
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