Os indígenas acusam a empresa Prossegur, a serviço da Agropalma, de atirar e ferir seus integrantes. Os quilombolas, por sua vez, negam ter participação no confronto. Leia e veja a íntegra da decisão judicial e a defesa da ARQVA.
O conflito entre a gigante do agronegócio Agropalma e as comunidades tradicionais do Vale do Acará voltou a esquentar com a recente decisão do juiz Amarildo José Mazutti, em exercício na Vara Agrária de Castanhal. O caso envolve a Fazenda Roda de Fogo, uma vasta propriedade situada entre os municípios de Acará e Tailândia, cujas terras foram objeto de disputa judicial e tiveram sua matrícula cancelada em favor da Agropalma.
Para quem não sabe, a fazenda Roda de Fogo, de 22 mil hectares, é uma propriedade pertencente à família Tabaranã, conforme documentos já transitados em julgado. A legitimidade das terras em favor da família Tabaranã foi confirmada por decisão da desembargadora Luzia Nadja do Nascimento, do Tribunal de Justiça do Pará.
Essa fazenda teve sua matrícula cancelada porque é oriunda do cartório “fantasma” Oliveira Santos, utilizado pela Agropalma para tentar ficar com as terras, segundo denúncia do MP.
Na madrugada do último dia 19, a fazenda foi novamente ocupada, segundo a ação de reintegração de posse movida pela Agropalma, desta vez por membros da Associação Representativa dos Quilombolas, Ribeirinhos, Agricultores Familiares e Pescadores do Vale do Acará (ARQVA). A empresa Agropalma alega que os ocupantes estavam armados, promoveram a derrubada de árvores nativas e ergueram barricadas que impedem o acesso de seus colaboradores às estradas usadas para a colheita de dendê.
A situação levou a Agropalma a protocolar um pedido de desarquivamento do processo e requerer o cumprimento da sentença, buscando medidas coercitivas para garantir a desocupação imediata da área. A empresa também solicitou a imposição de multas diárias em caso de descumprimento.
Invasores não são quilombolas
Em contrapartida, a Defensoria Pública entrou com uma petição solicitando o indeferimento dos pedidos da Agropalma. A Defensoria argumenta que os atuais ocupantes da fazenda não fazem parte da ARQVA, mas são indígenas da etnia Turiwiara, que não se identificam como quilombolas.
As associações indígenas Turyuará Itapeua do Alto Acará e Ita Pew do Alto Acará também pediram sua inclusão no processo como partes interessadas e a intimação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e do Ministério Público Federal (MPF) para acompanharem o caso.
Em sua decisão, proferida ontem, dia 23 , o juiz Amarildo José Mazutti determinou a expedição de ofício à Delegacia Especializada em Conflitos Agrários (DECA) para que uma equipe se desloque imediatamente ao local, com a finalidade de investigar possíveis crimes ambientais e, se comprovado o porte ilegal de armas, realizar a prisão em flagrante dos responsáveis.
O magistrado também intimou o Ministério Público Agrário para que se manifeste sobre as petições e documentos juntados ao processo no prazo de dois dias, dada a urgência e a gravidade da situação.
A decisão ressalta a complexidade e a delicadeza dos conflitos fundiários na Amazônia, envolvendo grandes empresas, comunidades quilombolas e indígenas, e destaca a necessidade de uma rápida intervenção judicial para evitar a escalada de violência e danos ambientais na região.
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VEJA A ÍNTEGRA DA DECISÃO JUDICIAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ
Vara Agrária de Castanhal
PROCESSO: 0800694-55.2022.8.14.0015
DESPACHO
Trata-se da análise de pedido de desarquivamento do feito e de requerimento para o cumprimento de sentença formulado pela AGROPALMA S.A. (ID 123569472). Na petição, alega que no dia 19/08/2024, a Fazenda Roda de Fogo, de posse da Agropalma S.A., voltou a ser ocupada por membros da Associação Representativa dos Quilombolas, Ribeirinhos, Agricultores Familiares e Pescadores do Vale do Acará (ARQVA).
Assevera que os ocupantes portam armas e que promoveram a derrubada de árvores nativas. Ademais, indica que instalaram barricadas, impedindo a aproximação e o acesso de colaboradores da empresa às estradas destinadas à atividade produtiva e colheita de dendê.
Por fim, requer: a) o acolhimento do pedido de desarquivamento; b) a intimação da Associação requerida para que sejam imediatamente cumpridos os termos do acordo firmado no feito; c) a imposição de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que se assegure o cumprimento da ordem judicial, inclusive, com multa diária.
Juntaram documentos e seguintes. A Defensoria Pública Pública atravessou petição (ID 123674656), requerendo o indeferimento dos pedidos de desarquivamento e de cumprimento de sentença formulado pela Agropalma S.A., sob o argumento de que as pessoas apontadas nos fatos narrados não são partes da presente ação, pois não compõem a ARQVA.
Indica que se tratam de indígenas Turiwiara, não se autorreconhecendo como quilombolas.
A Associação Indígena Turyuará Itapeua do Alta Acará e a Associação Indígena Ita Pew do Alto Acará peticionaram nos autos requerendo (ID 123673490): a) o não acolhimento dos pedidos da Agropalma, diante da ocupação não ser feita por partes do presente feito; b) o ingresso das associações como terceiras interessadas no processo; c) a intimação do MF e da FUNAI, para conhecimento da situação. Juntaram documentos no ID 123677099 e seguintes.
Por sua vez, a Agropalma S.A. atravessou nova petição e documentos para corroborar os pedidos formulados na petição, acrescentando que, em resposta às petições, os atuais ocupantes tratar-se-iam das mesmas pessoas outrora vinculadas à ARQVA.
É o sucinto relatório. Decido.
Em face da urgência e da gravidade dos fatos relatados, especialmente considerando as alegações de porte
de armas e destruição de árvores nativas, concluo pela necessidade de adoção de medidas imediatas.
Diante disso, determino:
- A expedição de ofício à Delegacia Especializada em Conflitos Agrários (DECA) para que se desloquem imediatamente ao local dos fatos, a fim de apurar a prática de crimes ambientais e outras infrações penais e, se constatado o porte ilegal de armas, promova a prisão em flagrante dos responsáveis.
- Após, a expedição de ofício à DECA, intime-se o Ministério Público Agrário para que, no prazo de 2 (dois) dias, apresente manifestação sobre as petições e documentos juntados ao processo (IDs 123569472, 123674656, 123673490 e 123677099 e 123958454), considerando a urgência da demanda e a necessidade de rápida deliberação sobre as eventuais medidas cautelares a serem adotadas.
Intimem-se e oficie-se com urgência, valendo esta Decisão como Ofício.
Cumpra-se.
Após, retornem os autos conclusos com urgência.
Castanhal/PA, Data da Assinatura Eletrônica.
AMARILDO JOSÉ MAZUTTI
Juiz de Direito Titular da Vara Agrária de Marabá, respondendo
cumulativamente pela Vara Agrária de Castanhal
A DEFESA DA ARQVA
ARQVA – ASSOCIAÇÃO DOS REMANESCENTES DE QUILOMBO DAS COMUNIDADES DA BALSA, TURIAÇU, GONÇALVES E VILA PALMARES DO VALE DO ACARÁ
CNPJ: 26.199.194/0001-90
RELATÓRIO SOBRE A OCUPAÇÃO DE SUPOSTOS INDÍGENAS DA ETNIA TURIWARA EM ÁREA REQUERIDA PELA ARQVA JUNTO AO ITERPA,
COM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS
A ARQUIVA, por meio do seu do seu representante legal, COMUNICA aos órgãos do sistema de justiça e de defesa dos Direitos Humanos e a quem mais interessar, que teve ciência de que a empresa Agropalma pediu o desarquivamento do processo nº 0800694-55.2022.8.14.0015, em trâmite na Vara Agrária de Castanhal, que diz respeito a ação de REINTEGRAÇÃO / MANUTENÇÃO DE POSSE movida pela referida empresa contra esta Associação Quilombola, que desde 2016 tem processo administrativo aberto no Instituto de Terras do Pará (ITERPA), requerendo a
titulação da área ancestral, que é sua por direito (PROCESSO: 2016/330821).
O pretexto usado pela empresa no pedido de desarquivamento do processo é de que a ARQVA descumpriu o Acordo homologado pelo juízo em referência, requerendo sob essa alegação o cumprimento da sentença, nos termos do art. 536 e seguintes do Código de Processo Civil.
Acontece que não há ninguém da ARQVA envolvido nessa suposta ocupação. Isso é uma infâmia / difamação, passível de reparação por danos
morais. Sublinhamos que a ARQUIVA, recentemente, teve conhecimento de que há três ou quatro dias um grupo de pessoas de uma suposta associação indígena ligada a etnia Turiwara adentrou na área que empresa Agropalma possui irregularmente, pois há processos abertos pelo Ministério Público Estadual – MPE acusando a empresa de grilagem de terra. Prova disso, é que o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-PA), por meio da desembargadora, Célia Regina de Lima Pinheiro, manteve decisão publicada pelo juiz da Vara Agrária de Castanhal, André Luiz Filo-Creão Garcia da Fonseca, que cancelou milhares de hectares da referida empresa, para ser mais preciso 35 mil.
Esse processo está em sede de recurso em Tribunal Superior. Para melhor compreensão das práticas dessa empresa que a todo instante viola
os direitos humanos de quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais, em 2012, a empresa Agropalma se apossou dessa área impedindo que os quilombolas a utilizassem de forma sustentável, fato que prejudicou a subsistência de suas famílias já que foram impedidos de praticar hábitos culturais como caçar, pescar, etc.
Pois bem, a área suspostamente invadida corresponde a FAZENDA RODA DE FOGO já requerida pela ARQVA junto ao ITERPA, conforme já mencionado anteriormente.
Ora, a ARQUIVA não tem nada a ver com a ocupação alegada pela referida empresa, que sem a devida precaução nos acusa levianamente.
Isto posto, podemos concluir que o ato judicial perpetrado pela empresa Agropalma, com o único intuito de macular a honra desta Associação,
criminalizando a nossa pessoa jurídica e todas as pessoas físicas que esta representa, na luta coletiva quilombola pelo direito à terra / ao território na sua integralidade, constitui-se verdadeiro vilipêndio que afeta a honra desta Associação.
Portanto, pedimos aos órgãos do sistema de justiça e de defesa dos Direitos Humanos que adotem todas as providências necessárias para a salvaguarda dos direitos quilombolas atinentes a ARQVA.
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JOSÉ JOAQUIM DOS SANTOS PIMENTA
Presidente da ARVA