A decisão da justiça paraense vale para todo o Brasil. A poderosa multinacional americana foi condenada também a pagar danos morais coletivos de 5 milhões e 3,4 milhões por atentar contra a dignidade da justiça e por litigância de má fé
Tudo começou em setembro e outubro de 2019, quando com muitas propagandas sempre ligadas a água, chuva e piscina, o IPhone 11 foi lançado no Brasil, parecendo que, como o modelo de seu concorrente, seria à prova d´água. Vendo as propagandas, obviamente os consumidores pensaram isso.
Ocorre que em seu site brasileiro, a Apelle já mudou a coisa, dizendo que o Iphone 11 por até 30 minutos poderia ficar submergido em até 4 metros de profundidade.
Centenas de milhares de consumidores compraram logo o IPhone 11, de vários modelos E aí começaram os problemas exatamente relativos a água, chuva e piscina, que deixavam os aparelhos em pane rapidamente, com os consumidores tendo uma desagradável surpresa: A garantia do IPhone 11 expressamente dizia não estarem cobertos os danos decorrentes de líquidos.
Ou seja, o que pela propaganda os consumidores pensaram ser à prova d’água ou, no mínimo, propondo-se a ler “especificações”, resistente a submersão em 4 metros de profundidade por até 30 minutos, não tinha garantia contra respingos de líquidos.
Em 8 de setembro de 2020, o Procon de São Paulo já notificava a Apple por milhares e milhares de denúncias reclamando que seus Iphones, apesar de anunciados pela empresa como sendo resistentes à água, tiveram problemas.
Foi assim que milhares de consumidores começaram a ajuizar ações, porque claramente induzidos a se despreocupar com água, chuva, respingos etc e seus IPhones com defeitos exatamente por esses agentes que não estavam cobertos pela garantia.
Atentado à Justiça e má fé
Uma associação de defesa dos consumidores, a Adecambrasil, com sede em Belém, mas atuação em todo o Brasil, ajuizou ação coletiva pedindo indenizações aos consumidores por danos morais individuais e ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos por danos morais coletivos, à lesão da sociedade brasileira.
O processo tramitou e foi sentenciado no mês passado, em síntese com o juiz Roberto Cézar Monteiro, da 7ª Vara Cível e Empresarial de Belém, entendendo que a Apple, fabricante do IPhone11, praticou “conduta abusiva, com publicidade enganosa, conflitante, fracionada e incompleta, que violou a boa fé, confiança e direitos dos consumidores, por muitos fatos e fundamentos, em produto essencial à vida dos consumidores que é hoje o aparelho celular”.
O magistrado julgou procedente em parte a ação coletiva da associação de defesa dos consumidores Adecambrasil, condenando a Apple a pagar R$ 1.500,00, com juros e correção monetária, para cada consumidor que tenha comprado o IPhone 11 – inclusive as versões 11 pro e 11 pro max), da data de cada compra até 15 de fevereiro de 2021. Essa data é a da citação da Apple ao processo. Além disso, o juiz condenou a Apple a pagar R$ 5 milhões, corrigidos e com juros, a ser revertido em favor do Fundo Nacional de Defesa de Direitos Difusos.
Porém, a sentença também condenou a Apple por situações muito graves e poucas vezes vistas no judiciário nacional, a pagar mais de R$ 3,4 milhões por “conduta processual atentatória à dignidade da justiça paraense e de litigância de má fé “, algo que está gerando debates sobre como a multinacional Apple e seus advogados trataram a justiça paraense, com arrogância e indiferença em ação coletiva válida para todo os consumidores de IPhone 11 no país e que envolvia bilhões de reais em condenação.
O pior é que a defesa da multinacional se fez “representar” na audiência na qual o juiz tentava um acordo pela celeridade da justiça, por um jovem estagiário de direito de Belém sem poderes reais ou formais, integrante do escritório de advocacia de Belém que é o correspondente dos advogados da Apple de São Paulo.
A ação coletiva além de representar processualmente todos os consumidores do país, envolvia bilhões porque pedia para cada um comprador de IPhone 11 cerca de 5 mil reais de danos morais individuais, e como estima-se aproximadamente mais de 1,100 milhão de consumidores, o pleito girava em mais de 5 bilhões de reais somente esse pedido, além de pedir mais de 100 milhões de reais ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos para reparar a sociedade por danos morais coletivos.
R$ 2 bilhões aos compradores lesados
A sentença, em cálculos aproximados, alcança em mais de 2 bilhões de reais se todos os compradores de IPhone 11 ingressarem nas justiças de suas cidades, pedindo a indenização de 1,5 mil com juros e correção monetária, porque podem assim fazer por autorização da sentença.
Em matéria próxima, o Ver-o-Fato detalhará como a Justiça do Pará teve sua dignidade ferida, com uma audiência de acordo sendo adiada e remarcada a pedido dos próprios advogados da Apple de São Paulo, exatamente sob o pretexto de mandarem preposto credenciado e com poderes para tentar uma conciliação, e na audiência a Apple se fez comparecer com um preposto sem poderes reais e legais.
O juiz deu 15 dias para comprovação de poderes do preposto, mas a grave situação não foi regularizada. Mandaram para a audiência um jovem estagiário do escritório de advocacia de Belém, correspondente de uma grande banca de advogados de São Paulo.
Essa dignidade ultrajada foi objeto de condenação na sentença, para a Apple respeitar a justiça paraense e brasileira, por ato atentatório por litigância de má fé, visto que o andamento do processo foi prejudicado pela manobra de adiar e procrastinar uma audiência alegando ser necessário para poder mandar representante-preposto. O juiz aceitou e, na audiência remarcada, quem apareceu foi o estagiário de direito de Belém.
Nessa próxima matéria do Ver-o-Fato, além de detalhar com minúcias o atentado à dignidade da justiça e a litigância de má fé, objetos da condenação, com peças processuais, envolvidos, cronologia e estratégia reprovável da multinacional. Iremos mostrar como a poderosa Apple, primeira empresa a alcançar o valor de 1 trilhão de dólares, trata a justiça do Pará e da Amazônia – de cujo meio ambiente se diz defensora, embora tenha se negado a fornecer carregadores de seus IPhones gratuitamente, além do próprio Brasil, que há muito já se disse “quintal” dos EUA.
Para quem desejar conhecer o processo, o número é 0871552-97.2020.8.14.0301. A Classe é uma ação civil coletiva e o juízo sentenciante é a 7ª. Vara Cível e Empresarial de Belém, com a sentença na íntegra abaixo disponibilizada.