Mais uma nova derrota judicial da Agropalma. Desta vez, por decisão do juiz da Vara Agrária de Castanhal, André Luiz Filo-Creão Garcia da Fonseca. Ao julgar um pedido do Ministério Público do Pará (MPPA), o juiz mandou bloquear em cartório os registros de 12 fazendas cujo total, na região entre Acará e Moju, alcança 35 mil hectares.
O caso é muito grave, porque, na verdade, a Agropalma, pertencente ao grupo do banqueiro Aloysio de Andrade Faria, de 99 anos, ex-fundador e dono do Banco Real, se beneficia de escandalosa fraude, transformando, no cartório de Tailândia, 2.678 hectares em 35.000 mil hectares dos lotes que constituíram, de forma criminosa, a fazenda Porto Alto. A Polícia Federal no Pará, por outro lado, investiga o caso há mais de dois anos e ainda não concluiu o inquérito.
O Ver-o-Fato teve acesso à integra da decisão da Vara Agrária (veja no final da matéria), proferida no último dia 1º deste mês. Antes de tratar dos fundamentos da decisão de André Luiz Fonseca, vale lembrar que a fazenda Porto Alto é a mesma da matrícula de número 519, que a desembargadora Luzia Nadja Nascimento, em 2011, já havia cancelado no cartório de registro de imóveis do Acará, mas a Agropalma abriu 12 novas matrículas das mesmas áreas, desta vez no cartório de Tailândia. São essas áreas que, agora, acabam de ser novamente bloqueadas, por sentença do juiz André Luiz Filo-Creão Fonseca.
Em um parecer fundiário de 2015, da procuradora Cristina Magrin, da Procuradoria Geral do Estado (PGE), ela destaca o caso da fazenda Porto Alto e a matrícula 519, folhas 265, livro 2-A, do Cartório do Acará. A área fica situada na margem esquerda do Rio Acará. A origem remonta à grilagem de Jairo Mendes Sales, já cancelada por decisão da desembargadora Luzia Nadja, em 2011. Magrin enfatiza no parecer que a abertura de 12 novas matrículas no Cartório de Tailândia “visavam ocultar a fraude e ainda contrariando o princípio da territorialidade do registro. A fraude foi feita da seguinte forma para legitimar a posse da empresa sobre 35 mil hectares”.
A Agropalma já chegou a negar ter sido notificada pela procuradora da PGE. O Ver-o-Fato, porém, tem em seu arquivo uma notificação extrajudicial assinada à época pelo procurador-geral do Estado, Ophir Cavalcante Júnior, e recebida e carimbada pela coordenadora jurídica da Agropalma, Simone M. Raposo Santos, na data de 8 de agosto de 2017. No documento, a empresa confirma que foi, sim, intimada a se manifestar sobre o parecer definitivo de Cristina Magrin no prazo de 15 dias a contar da data de recebimento da notificação.

A empresa também negou que a matrícula 519 tenha sido cancelada pela decisão da desembargadora Luzia Nadja. O cancelamento, de fato, ocorreu. Prova disso é o ofício 110/2009, datado de 3 de dezembro de 2009 e assinado pelo então cartorário interventor do Acará, Francisco Valdete Rosa do Carmo. Nesse ofício, o então cartorário do Acará informa à desembargadora o bloqueio de diversas matrículas, entre elas a 519, em favor da fazenda Porto Alto.
Sobre a área existem duas matrículas de registro de imóvel, sendo uma de número 49, datada de 1976, e a outra, de número 519, de 1979, ambas registradas no cartório do Acará. Os registros foram bloqueados em 2 de dezembro de 2009 e cancelados em 31 de agosto de 2010. A Agropalma ocupa essas áreas e nelas desenvolve seus projetos.
“Vício na origem da documentação”, diz juiz
No fundamento de sua decisão, o juiz André Luiz Fonseca diz que “a probabilidade do direito encontra-se presente, uma vez que a inicial apresentou documentação a qual, prima facie, apresenta informação que demonstra, pelo menos nessa análise preliminar, inconsistência fática dos documentos em questão, eis que apontam no sentido de existir vício na origem da documentação, possivelmente decorrente de prática conhecida como grilagem de terras, sendo estes fatos capazes de induzir no julgador um juízo de probabilidade de que a versão do autor é correta, está em conformidade com a lei, perfeitamente possível em uma situação de cognição sumária”.
Quanto ao perigo de dano, alegado pelo Ministério Público ao solicitar o bloqueio das escrituras de compra e venda das terras em um cartório de São Paulo (SP) e de Belo Horizonte (MG) , o juiz afirma que “de igual modo restou provado, eis que a utilização de documentos inidôneos pode comprometer a segurança jurídica no âmbito das atividades notariais, mormente porque o registro de um imóvel, até prova em contrário, possui presunção de veracidade”.
Por fim, sobre a reversibilidade dos efeitos, André Luiz Fonseca argumenta na sentença: “devemos observar que também se faz presente, na medida em que caso a tutela não venha a ser confirmada, poderá voltar ao estado anterior, haja vista que, por força da presente decisão haverá apenas o bloqueio da Escritura Pública”.
O magistrado também salienta que na análise do pedido formulado pela promotora do MP, Eliane Moreira, “observo que, diante das asserções acima apresentadas, nas quais restou demonstrado, pelo menos nesta análise preliminar, ter havido vício na origem das propriedades em questão, situação reconhecida expressamente pelo Egrégio TJE/PA nos autos da ação originária no 2003.3.0013575, julgada pela Desembargadora Luzia Nadja Guimarães Nascimento, resta inconteste a necessidade de se realizar o bloqueio da Escritura Pública em questão. Isto porque a possível inexistência física da propriedade e seu reconhecimento irregular, apenas no campo documental, tem o lastro de acarretar sérios prejuízos à higidez documental, justificando-se, pois, a concessão da medida de urgência”.
Sobre outro pedido do MP, “de imposição de obrigação de não fazer à Agropalma para suspender o uso do imóvel para a realização de atividades econômicas ou de outra natureza, haja vista se tratar de áreas objeto de titulação e registro imobiliários irregulares”, o juiz indeferiu, alegando que, muito embora tenham sido identificados indícios de inconsistências no que diz respeito ao registro dos bens objeto do litígio, pela leitura do pedido formulado pela requerente, esta indica que a requerida Agropalma está a realizar atividades econômicas na área em questão, pelo que, à luz dos princípios basilares do direito agrário, que privilegiam o desenvolvimento de atividades produtivas, seria equivocado proibir a utilização da área e, por via de consequência o seu abandono por parte da requerida”.
O MP queria ainda que a Agropalma fosse ” compelida a divulgar fato relevante nos termos da Instrução Normativa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a fim de que a referida Comissão e seus investidores tenham ciência da existência da presente ação”. O juiz entendeu que a pretensão do MP, “pelo menos neste instante processual, não merece acolhimento. Isto porque, a disciplina de divulgação dos chamados fatos relevantes é prevista na Instrução CVM nº 358/2002, de modo que, nos termos do artigo 3º da referida norma, a responsabilidade pela divulgação de ato ou fato relevante compete ao Diretor de Relações com Investidores da empresa, o qual, diante da ocorrência de alguma dessas situações, deverá realizar a devida comunicação à CVM”.
Por último, André Luiz Fonseca decidiu atender o pedido do MP para que seja determinado ao Cartório de Acará que remeta as certidões das matrículas indicadas no item “I”, os quais foram requisitados pelo Ministério Público, mas não foram apresentados pelo Cartório. ” Analisando o pedido, observo que merece ser acolhido, uma vez que tais documentos são relevantes ao deslinde da causa, não se justificando o não atendimento à requisição formulada pelo Ministério Público, pelo que, deve ser concedida a tutela de urgência no sentido de determinar ao Cartório de Acará que encaminhe a documentação solicitada no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de responsabilidade”.
O Ver-o-Fato abre espaço à manifestação da Agropalma para que ela ofereça seus esclarecimentos à respeito da decisão judicial. A empresa já foi notificada sobre a sentença do juiz André Luiz Fonseca.
MP pediu condenação
A promotora de justiça Eliane Moreira, da Vara Agrária de Castanhal, ajuizou a ação civil pública em abril passado – o que foi julgado agora pelo juiz André Luiz Fonseca foi apenas a tutela de urgência, para bloquear os registros das escrituras de compra e venda dos 35 mil hectares. Na ação são apontadas uma série de fraudes e irregularidades praticadas pela empresa, com participação do Instituto de Terras do Pará (Iterpa) e da empresa IBD Certificações Ltda.
A promotora pediu ainda que a Agropalma seja condenada “a pagar indenização por dano moral coletivo causado à sociedade paraense em decorrência das fraudes perpetradas relativas aos registros públicos, tendo em vista os graves prejuízos econômicos, sociais e ambientais que tal prática ocasiona”. O inquérito civil 000628-040/2016, que precedeu a ação penal, foi instaurado para analisar os documentos imobiliários de áreas supostamente da empresa Agropalma, após denúncias de fraudes concretizadas através de esquema de grilagem de terras, apontando-se irregularidades nas cadeias dominiais.

A promotora lembrou que parte do histórico de irregularidades alegadas na ação pode ser obtida na decisão monocrática de 30 de agosto de 2011 da então desembargadora Luzia Nadja Guimarães, na ação cível 2003.3.0013575, que ressalta que as fraudes que macularam os registros constantes na origem dos títulos definitivos e das matrículas impugnadas, já foram reconhecidas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará em demanda judicial de iniciativa do próprio Estado do Pará.
Segundo Eliane Moreira, mesmo com a decisão judicial, se fez necessário o ajuizamento da presente ação em razão de que, supervenientemente às fraudes decorrentes de ações demarcatórias ocorridas na década de 70, mas declaradas pelo Tribunal de Justiça somente em 2011, “foram expedidos títulos definitivos pelo Iterpa relativos às mesmas áreas sem a observância da legislação então vigente e abertos registros públicos nos cartórios de Acará e de Tailândia, os quais não foram diretamente alcançados pela decisão da desembargadora”.
Desse modo, diz ela, “tratando-se de nulidade de atos administrativos, quais sejam os títulos definitivos, e o cancelamento dos registros deles decorrentes, não tendo havido a anulação proveniente da autotutela administrativa, deve-se provocar o pronunciamento jurisdicional”.
Sucessão de fraudes
Conforme constatou o Tribunal de Justiça do Pará, pessoas supostamente denominadas Jairo Mendes Sales e Eunice Ferraz Sales propuseram, perante a Pretoria de Acará, ações demarcatórias cujas sentenças homologatórias dos limites dos imóveis das referidas pessoas, registradas sob os números 3251 a 3255, foram publicadas no Diário Oficial de 04 de julho de 1974.
As sentenças proferidas na Pretoria de Acará aumentaram, em muitas vezes, a extensão das áreas transcritas em nome de Jairo Mendes Sales e Eunice Ferraz Sales, passando de 2.678 hectares para 35.000 hectares.
Desse modo, verifica-se que, em 10 de maio de 1975, Jairo Mendes Sales e outros venderam a José Miranda Cruz, Osvaldo Miranda Cruz, Vicente Miranda Cruz, Pedro Miranda Cruz Oliveira, Joaquim Miranda Cruz e Francisco Miranda Cruz, através de Escritura Pública de Compra e Venda lavrada no cartório de Acará, uma área de 35.000 ha.
Em seguida, Pedro Miranda de Oliveira e os demais teriam realizado promessa de compra e venda da área de 35.000 ha à José Roberto Barbosa e Antônio Barbosa Vilhena pelo valor de 40 milhões de cruzeiros.
Verificando, porém, a inexistência de domínio, a necessidade de legitimação dos títulos originários e a disparidade entre a área dos títulos com as demarcações realizadas em juízo, os compradores propuseram ação judicial para a rescisão contratual, na qual o Estado do Pará, representado pelo Iterpa, teria figurado como litisconsorte ativo, reivindicando as áreas para o patrimônio estadual.
Por sentença de 02 de julho de 1979, os pedidos foram julgados procedentes para decretar a rescisão da promessa de compra e venda, a restituição do sinal em dobro, a nulidade da demarcatória e o cancelamento de registros imobiliários.

Estado e Iterpa inertes
Mesmo com títulos Não foram apresentados títulos de propriedade hábeis a demonstrar o domínio das terras e, portanto, a legitimidade do autor em pleitear a homologação da demarcação das terras, de modo que os títulos de posse na época existentes não haviam sido submetidos ao necessário processo de legitimação.
Em 2009, os registros foram bloqueados por decisão em ação cível. Apesar disso, em 2010, as 12 matrículas das áreas decorrentes dos títulos expedidos pelo Iterpa teriam sido transferidas do cartório de Acará para o cartório de Tailândia.
Para a promotora, o caso se encontra dentro de um conjunto maior de investigações de irregularidades em registros da empresa Agropalma, objeto do inquérito civil no 000628-040/2016, já tendo sido proposta ação civil pública referente às Fazendas Roda de Fogo e Castanheira (processo 0803639-54.2018.814.0015), e agora a ação referente à Fazenda Porto Alto.
De acordo com a promotora, isto “demonstra um reiterado envolvimento da empresa em condutas fraudulentas relativas ao patrimônio público e ao sistema registral, bem como a inércia do Estado do Pará e do Iterpa em, mesmo após requererem o cancelamento de registros perante o TJPA, adotarem condutas que violam o patrimônio fundiário estadual em razão da expedição de títulos nulos e de não tomarem providências para a retomada das terras”.
A procedência dos pedidos da atual ação civil pública culminará no reconhecimento de inexistência de qualquer direito legítimo de propriedade da Agropalma sobre as áreas objeto das matrículas ora impugnadas, aponta a promotora.
Desse modo, a inexistência de propriedade válida repercute nos ativos da empresa, de forma que os imóveis em questão devem ser retirados de seu balanço patrimonial a fim de que não induzam os acionistas a erros, imaginando que estes bens integrariam o patrimônio da empresa quando, na realidade, são terras públicas.
VEJA A ÍNTEGRA DO BLOQUEIO DAS TERRAS – https://drive.google.com/file/d/1J8O1KcO0XSp8yC8hrAUIWdnQb4pwIJCS/view?usp=sharing
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