O empresário Daniel Jackson Pinheiro da Costa, que também é presidente do Conselho Regional de Farmácia (CRF), preso na sexta-feira, 18, por decisão do juiz Lucas do Carmo de Jesus, já está solto. Ele teve deferido a seu favor uma ordem de habeas-corpus expedida pelo desembargador Raimundo Holanda Reis, que está no plantão do Tribunal de Justiça em razão do recesso do judiciário. O Ver-o-Fato obteve com exclusividade a íntegra da decisão do desembargador.
Daniel Jackson é acusado pelo Ministério Público em denúncia já acolhida pela Justiça de participação no esquema criminoso envolvendo fraude de licitação, lavagem de dinheiro e corrupção na compra irregular de álcool em gel por parte da Sespa juntamente com outras pessoas e empresas.
Ontem, por decisão da desembargadora Maria de Nazaré Gouveia dos Santos, também publicada com exclusividade pelo Ver-o-Fato, foram revogadas medidas decretadas pelo juiz Lucas de Jesus contra o ex-secretário de Saúde, Alberto Beltrame, o secretário-adjunto dele na Sespa, Peter Cassol e outros acusados. A desembargadora mandou retirar as tornozeleiras eletrônicas e desbloquear os bens dos envolvidos.
“Além disso, com as investigações encerradas, inclusive, com determinação de buscas e apreensão, indisponibilidade de bens, dentre outras medidas já implementadas, conforme se extrai da própria decisão do Juízo, e, diante disso tudo, não vislumbro elementos que tornem a prisão cautelar imprescindível no momento. Não verificadas, portanto, circunstâncias concretas que autorizem a medida excepcional da prisão preventiva”, salienta o desembargador Raimundo Holanda na decisão de soltar Daniel Jackson.
Segundo consta dos autos, Daniel Jackson é apontado pelo fiscal da lei como sócio oculto da empresa Dispará Hospitalar Comercial e Serviços Ltda. Essa empresa pertenceria a uma prima dele, mas o acusado pelo MP seria o responsável direto pelas negociações em nome da Dispará, ainda na fase interna de montagem da licitação. Como prova foram juntados aos autos da investigação e-mails em que Daniel Jackson ora atuaria como interlocutor da Dispará, ora como pessoa física consultada para fornecer cotação para formação do preço médio de mercado.
Ainda de acordo com a investigação, a Dispará Ltda foi contratada por meio de dispensa de licitação pelo Governo do Estado, para fornecer 159.400 unidades de álcool em gel etílico hidratado 70° INPM, neutro, em frascos de 500 mililitros. Por esse trabalho, a Sespa pagou à Dispará a importância de R$ 2.8 milhões, com valor unitário de R$18 por cada embalagem de álcool. Para o MP, houve superfaturamento do produto. Outro fato que consta da investigação: teria havido direcionamento da contratação, com “montagem” de um procedimento e provável não recebimento dos bens contratados. Ou seja, o Estado pagou, mas não recebeu o álcool em gel.
O mais importante dessa investigação é que os proprietários da Dispará Hospitalar Comercial e Serviços Ltda fizeram delação premiada e confirmaram que a empresa foi contratada, por intermediação de Daniel Jackson, apenas para emitir nota fiscal, enquanto a mercadoria foi adquirida de terceiros, por valores muito inferiores.
Veja a decisão, na íntegra, do desembargador Raimundo Holanda:
PLANTÃO JUDICIAL
HABEAS CORPUS – Processo No 0812623-04.2020.8.14.0000
Paciente: DANIEL JACKSON PINHEIRO COSTA
Impetrante: Gustavo Pastor da Silva Pinheiro – Advogado
Impetrado: MM Juízo da Vara de Combate ao Crime Organizado da Comarca de Belém
Relator Plantonista: Desembargador RAIMUNDO HOLANDA REIS
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA:
Trata-se HABEAS CORPUS com pedido de liminar, impetrado em favor de DANIEL JACKSON PINHEIRO COSTA, apontando como coator o MM Juízo da Vara de Combate ao Crime Organizado da Comarca de Belém. Diz, o impetrante, em resumo que, no dia 18/12/2020, o Ministério Público desencadeou operação com intuito de prender o ora paciente, o qual estaria, supostamente, envolvido fraudes contra a administração pública, mais especificadamente a Secretaria de Saúde do Estado do Pará – SESPA, vindo o Juízo a decretar a prisão preventiva de DANIEL.
Os fatos se deram em março e abril de 2020, tendo a prisão sido decretada no dia 14/12/2020, não subsistindo qualquer risco ao processo, além de que, nenhum dos servidores envolvidos trabalham mais na SESPA, não havendo como operar o suposto esquema fraudulento, evidenciando assim, ausência de cautelaridade e de risco ao processo, a prisão do paciente não pode subsistir, somado ao fato que o antigo Secretário e demais réus, foram beneficiados com medidas cautelares, cabendo tratamento isonômico. Juntou documentos.
Pede então, o deferimento de liminar, eis que não existem fundamentos cautelares para a manutenção da segregação, e, no mérito, a concessão definitiva da ordem.
Determinei a requisição de informações ao Juízo tido por coator, vindo a Juíza Plantonista a comunicar da impossibilidade de cumprir a determinação, pelos motivos lá expostos (ID Num. 4224660).
Decido sobre o pleito liminar.
Diante do que disse a Juíza Plantonista, dando conta da impossibilidade de prestar os informes, vez que não tem acesso aos autos, passo a apreciar o pedido de liminar. Pois bem. É correto afirmar que a liminar em habeas corpus, não possui previsão legal, tratando-se de criação jurisprudencial que visa minorar os efeitos de eventual ilegalidade que se revele de pronto (STJ-HC no 510.945-PA / 2019/0141940-3).
Porém, em Juízo de cognição sumária, no caso presente, visualizo manifesta desnecessidade da manutenção do ato impugnado, justificando o deferimento da
medida de urgência. É que, da análise da inicial e os documentos acostados a ela, e ante a impossibilidade de informações por parte do Juízo tido por coator, e o crime imputado ao paciente, pelo Ministério Público (PIC n o 000026-130/2020) , diz respeitos à fatos ocorridos nos meses de março e abril, e trata-se de crimes relacionados à licitação, no caso, fraudes à procedimentos licitatórios no contexto da pandemia do COVID, envolvendo inclusive servidores SESPA, e, sem adentrar no mérito dos fundamentos que embasaram o decreto prisional, datada de 14.12.2020, que será objeto de debate mais acurado por ocasião do julgamento perante a
Seção de Direito Penal competente, considerando a ocorrência dos fatos nos meses de março e abril de 2020, caracterizando-se até, a priori, ofensa ao princípio da contemporaneidade e em razão da situação jurídica apresentada, o que, a meu sentir denotam a ausência do periculum libertatis, um dos requisitos ensejadores da medida constritiva de liberdade, entendo que perfeitamente cabível a substituição da prisão preventiva pelas cautelares nominadas no art. 319 do CPP.
No presente caso, de fato, observo, em tese, a presença do fumus comissi delicti, uma vez que demonstrada a materialidade delitiva e a existência de indícios suficientes de autoria. Conforme se depreende dos autos, o paciente teria praticado delitos contra a administração pública, junto a outros indivíduos. Contudo, não observo o requisito do periculum libertatis. Isso porque o paciente é primário e os delitos imputados não envolvem violência ou grave ameaça à pessoa.
Além disso, com as investigações encerradas, inclusive, com determinação de buscas e apreensão, indisponibilidade de bens, dentre outras medidas já implementadas, conforme se extrai da própria decisão do Juízo, e, diante disso tudo, não vislumbro elementos que tornem a prisão cautelar imprescindível no momento. Não verificadas, portanto, circunstâncias concretas que autorizem a medida excepcional da prisão preventiva.
Destaca-se que a Lei no 12.403/2011 incluiu no Código de Processo Penal medidas cautelares diversas da prisão, cabíveis nos casos em que, ainda que não seja viável sustentar a segregação cautelar, pretende-se resguardar a ordem pública e o trâmite do processo. Tais medidas alinham-se à excepcionalidade da prisão cautelar, descrita no artigo 282, § 6o, do CPP, levando em conta ainda, a situação de pandemia atual, havendo risco de contaminação pelo Covid-19.
E, no caso em tela, as medidas alternativas elencadas no artigo 319, do Código de Processo Penal, mostram-se adequadas, em consonância com os princípios da
proporcionalidade e razoabilidade, e com base nos precedentes dessa Seção de Direito, impõe-se, no meu entender, a aplicação de tais medidas cautelares alternativas, para substituir a prisão preventiva do paciente pelas nominadas no art. 319 do referido diploma legal.
Em recente julgado na Seção de Direito, no HC no 0810368-73.2020.8.14.0000, de Relatoria do Des. Rômulo Nunes, envolvendo delitos de fraudes licitatórias, crimes cometidos sem violência ou ameaça, a teor do Acórdão datado de 24.11.2020, 37a Sessão Ordinária do Plenário Virtual (PJE), cuja ordem foi concedida, assim dispondo a ementa, na parte que interessa:
HABEAS CORPUS PREVENTIVO COM PEDIDO DE LIMINAR. CRIMES DOS ARTS. 312 DO CP E 90 DA LEI No 8.666/93. […]. MÉRITO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA. CUSTÓDIA ORDENADA PARA CESSAR A REITERAÇÃO CRIMINOSA E ASSIM GARANTIR A ORDEM PÚBLICA. DESNECESSIDADE, CONSIDERANDO QUE O CONTRATO ADMINISTRATIVO FOI RESCINDIDO UNILATERALMENTE FAZENDO COM QUE O MOTIVO DA PRISÃO
DESAPARECESSE. PRECEDENTE DO STJ. ORDEM CONHECIDA E CONCEDIDA COM A IMPOSIÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES PREVISTAS NO ART. 319, INCS. INCS. I, II, III, IV E VI E NO ART. 320, AMBOS DO CPP. DECISÃO UNÂNIME. […]
MÉRITO. O fundamento para decretar a prisão foi a garantia da ordem pública, no sentido de fazer cessar a atividade criminosa, pois a paciente, por 17 (dezessete) meses, se locupletou do dinheiro público por meio de um contrato de prestação de serviços adjudicado mediante licitação fraudulenta. Documento juntado pelo impetrante, após ajuizar o writ, que comprova que o contrato celebrado entre a Câmara Municipal do Acará e a paciente foi rescindido de forma unilateral no dia 20/10/2020 e publicado no Diário Oficial do Estado em 22/10/2020. Portanto, se a reiteração criminosa está ligada à execução do contrato administrativo, esta deixou de existir, não mais subsistindo o motivo que deu ensejo à prisão para a garantia da ordem pública, ainda mais se tratando de crimes cometidos sem
violência ou ameaça. Precedente do STJ. * Grifo meu
IMPOSIÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. [….
Ordem conhecida e concedida com a imposição das medidas cautelares previstas no art.319, incs. incs. I, II, III, IV e VI e art. 320, ambos do CPP. Decisão unânime. J. em 24/11/2020-Relator Desembargador Rômulo Nunes.
DIANTE DO EXPOSTO, presentes os pressupostos autorizadores ao deferimento da medida pleiteada, quais sejam, o fumus boni júris e o periculum in mora, concedo a liminar, para substituir a prisão preventiva de DANIEL JACKSON PINHEIRO COSTA, brasileiro, brasileiro, por medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319, incisos I, II, III, IV, VI e IX, exceto fiança, sem prejuízo de nova decretação de prisão por fato superveniente a demonstrar a necessidade da medida.
Servirá a presente decisão como Alvará de Soltura. Oficie-se ao MM Juízo impetrado, dando-lhe ciência do inteiro teor desta decisão concessiva da liminar. Após, dê-se vista dos autos à Procuradoria de Justiça.
P. R.I..
Belém (PA), 19 de dezembro de 2020.
Desembargador RAIMUNDO HOLANDA REIS,
Relator
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