A Justiça do Pará determinou a suspensão do show da cantora Joelma, programado para o evento “Réveillon do Povão”, em Cametá, no próximo dia 31, terça-feira. A decisão foi proferida pelo juiz José Matias Santana Dias, da 2ª Vara Cível do município, em resposta a uma Ação Popular.Segundo informações chegadas ao Ver-o-Fato, a prefeitura, por meio do prefeito Victor Cassiano (MDB) sequer teria pago os salários de dezembro e o 13º salário dos servidores, além de enfrentar graves problemas na saúde e educação.
O autor da ação questionou a contratação da artista, orçada em R$ 500 mil, além de outros gastos relacionados ao evento, que ultrapassam R$ 850 mil. A ação argumenta que o município, ao decretar estado de emergência em novembro devido à estiagem e problemas ambientais, deveria priorizar investimentos em áreas essenciais, como saúde e infraestrutura, em vez de realizar grandes eventos.
Em sua decisão, o magistrado destacou que o município enfrenta uma situação crítica, conforme os decretos municipais 222/2024 e 236/2024. Esses documentos reconhecem prejuízos causados pela estiagem, como a falta de água potável, aumento de doenças respiratórias e perdas na agricultura. Mesmo assim, a gestão municipal optou pela contratação de uma única artista por um valor que corresponde a 25% dos recursos recebidos do Governo Federal para enfrentamento da emergência.
O juiz também apontou falhas na justificativa do contrato, que não apresentou comparações detalhadas sobre os cachês cobrados pela cantora em eventos semelhantes. Ele citou casos recentes, como uma apresentação contratada por R$ 350 mil em junho, o que reforça dúvidas sobre o valor de R$ 500 mil praticado em Cametá.
“O desembolso de vultosa quantia em benefício de uma única artista, apesar do reconhecido talento, afronta os princípios da moralidade administrativa, razoabilidade e eficiência”, afirmou o magistrado na decisão.
Posicionamentos
O Ministério Público manifestou-se a favor da suspensão, argumentando que o evento representaria um prejuízo ao erário e à população. O órgão também apontou a existência de ações judiciais que exigem melhorias em serviços básicos, como o tratamento de resíduos sólidos, reformas na saúde pública e assistência a pacientes neuroatípicos, áreas que deveriam ser priorizadas.
Já o município defendeu a legalidade da contratação, afirmando que utilizou recursos do Fundo Municipal de Cultura e que a situação de estiagem não reflete a atual realidade climática de Cametá, devido às chuvas recentes.
Impactos e alternativas
A decisão judicial suspende o contrato firmado com a empresa responsável pelo show, sob pena de multa de R$ 250 mil em caso de descumprimento. No despacho, o juiz sugeriu que o evento de Réveillon seja mantido com adaptações, priorizando artistas locais e custos mais acessíveis, considerando que Cametá é conhecida como um celeiro de talentos musicais.
O caso expõe o conflito entre a promoção cultural e a necessidade de gestão responsável dos recursos públicos, especialmente em um município que enfrenta desafios estruturais e emergenciais.
VEJA A ÍNTEGRA DA DECISÃO JUDICIAL
MARTINIANO BARROS CUNHA ajuizou a presente AÇÃO POPULAR em face de MUNICÍPIO DE CAMETÁ postulando liminarmente a suspensão da contratação do show da cantora JOELMA para o evento denominado “Réveillon do Povão”, a ser realizado no dia 31/12/2024 na Praça da Cultura.
Alega, em síntese, que o referido ente federativo solicitou “ajuda financeira do Estado do Pará e da União” através do Decreto 236/2024, por encontrar-se “em estado de emergência em função de várias queimadas ocorridas no município, estiagem e problemas ambientais decorrentes”. No entanto, desconsiderando o estado de emergência e sem proceder “a devida divulgação prévia, transparência nos processos licitatórios ou a justificação clara da sua necessidade e benefícios à população”, o demandado realizou a contratação do mencionado show pelo valor de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), afrontando diversos princípios que o regem (moralidade, supremacia do interesse público etc.).
O Juízo determinou a intimação do requerido para apresentar os documentos comprobatórios da aludida contratação e da origem dos recursos destinados ao pagamento no prazo de 72h (setenta e duas horas). Em resposta (id 134157487), alegou que a liminar não pode ser concedida porque esgota o objeto da demanda e defendeu a regularidade da contratação, feita através da dispensa licitatória autorizada pelo art. 74, II, da Lei 14.133/2021, com recursos do Fundo Municipal de Cultura.
Aduziu ainda que o “argumento central do Autor baseia-se na suposta situação de emergência causada pela estiagem, o que, de fato, não corresponde à realidade climática atual do Município de Cametá”, visto que o inverno amazônico “trouxe chuvas intensas à região, mitigando significativamente os impactos previamente ocasionados pela estiagem”.
O Ministério Público manifestou-se favoravelmente ao deferimento da liminar em razão da contratação “representar prejuízo ao erário e à população cametaense, e afronta aos princípios da administração pública”; o Município encontrar-se em situação de emergência, declarada por meio do Decreto 236/2024, de 21/11/2024; o dispêndio total com evento ir além do valor da contratação do show, implicando ainda no pagamento de “despesas com a empresa J D Produções e Eventos Eireli nos valores de R$ 200.116,00 (duzentos mil, cento e dezesseis reais) e R$150.201,00 (cento e cinquenta mil, duzentos e um reais), decorrentes de locação de sonorização, iluminação, equipamentos, montagem e desmontagem para realização de eventos festivos”, conforme notas de empenho datadas de 10/12/2024; o ajuizamento de Ações Civis Públicas com objetivo de reforma e estruturação do CAPS de Cametá, incluindo contratação de médico psiquiatra para atender a demanda local (processo 0801780-02.2024.8.14.0012), reforma e restruturação da Casa Azul para atendimento de paciente neuroatípicos, incluindo contratação de profissionais especializados (processo 0800930-45.2024.8.14.0012) e para tratamento adequado dos resíduos sólidos (processos 0002080-85.2010.8.14.0012, 0802914- 40.2019.8.14.0012, 0800264-76.2024.8.14.0012 e 0802064-10.2024.8.14.0012).
Decido.
De início, registra-se que, nos termos do art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal, o autor da ação popular é isento do pagamento de custas judiciais e do ônus da sucumbência, salvo em caso de comprovada má-fé, razão pela qual não há que se falar em deferimento ou indeferimento da gratuidade judiciária.
Quanto ao pleito liminar, é pacífico que, no conflito entre princípios e regras, aqueles hão de preponderar. Desse modo, os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público, matrizes do regime jurídico administrativo, prevalecem sobre a regra do art. 1º, §3º, da Lei 8.437/1992, especialmente por ter como objetivo a proteção da moralidade, legalidade e eficiência administrativa.
Além disso, o art. 5º, §4º, da Lei 4.717/1965, estabelece que é cabível a suspensão liminar do ato lesivo impugnado na defesa do patrimônio público. O art. 300 do CPC, por sua vez, dispõe que a “tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo” e não houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
No caso, em um exame de cognição sumária, verifico presentes os requisitos que autorizam a concessão da tutela provisória. Na data de 01/11/2024, amparado pelas Portarias 260/2022 e 3.636/2022, ambas do Ministério do Desenvolvimento Regional, o Município de Cametá publicou1 o Decreto 222/2024, declarando “Situação de Emergência nas áreas urbanas, ribeirinhas e rurais do Município de Cametá – PA” pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, em razão da estiagem.
Aproximadamente 20 (vinte) dias depois, considerando, dentre outras razões, que os recursos do município “não foram suficientes para restabelecer a normalidade”, foi expedido o Decreto 236/2024 (publicado no DOE de 21/11/2024, Edição 338) classificando o desastre provocado pela estiagem como NÍVEL II, sendo solicitado “recurso financeiro complementar do Governo Federal e/ou Estadual para ações de respostas e restabelecimento”. Mencionado decreto também possui vigência de 180 (cento e oitenta) dias.
Em pleno estado de emergência, o demandado procedeu à contratação de uma única artista por valor equivalente a 25% (vinte e cinco por cento) dos recursos recebidos do Governo Federal. Ainda que se trate de disponibilidades distintas, a toda evidência a mencionada contratação, em meio a situação de emergência declarada pelo próprio Município, o qual constatou o “aumento dos atendimentos ambulatoriais e internações hospitalares nas Unidades de Saúde do município” devido a infecção respiratória provocada por inalação de fumaça e fuligem, risco de doenças e desnutrição, prejuízos à agricultura e pesca, redução de água potável e de alimentos etc., viola os princípios da moralidade administrativa, razoabilidade, proporcionalidade e eficiência.
Observa-se ainda que, em que pese o notório reconhecimento da cantora contratada, conterrânea que promove o Estado do Pará em nível nacional (e até mesmo internacional), o estudo técnico preliminar acostado aos autos (id 134160698, p. 20), em sua justificativa do preço, se limitou a discorrer que o valor contratado – R$500.000,00 (quinhentos mil reais) está “de acordo com as demais contratações por valores até superiores do firmado no atual processo”, sem, contudo, instruir o processo licitatório com documentos que corroborassem tal conclusão.
Nesse tipo de contratação não se exige comparação do cachê cobrado em relação ao mercado, mas sim quanto aos valores praticados pelo artista contratado nas mesmas circunstâncias, o que se pode aferir pela apresentação de notas fiscais ou contratos de shows recentes, sob pena de violação ao art. 18, §1º, V, da Lei 14.133/2021 (e, por conseguinte, ao princípio da legalidade).
Recentemente, inclusive, o mesmo show foi suspenso por decisão do Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Barbacena/MG, após a constatação de que, no ano de 2022, a contratação da artista custava R$ 265.000,00 (duzentos e sessenta e cinco mil reais), de modo que “a mudança súbita de praticamente o dobro do valor em pouco tempo não se justifica” (Ação Civil Pública 5014553-19.2024.8.13.0056. Magistrado: Marcos Alves de Andrade. Data da decisão: 19/12/2024).
Em rápida busca por órgão oficiais de publicação de atos municipais, verifica-se que o valor mais alto pago por entes públicos à cantora foi em janeiro/2024 pelo Município de São Luís, para o carnaval. Posteriormente, o valor da contratação foi sendo reduzido. Em 28/06/2024 foi cobrado R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) para o Município de Dias D’Ávila3 e R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais), também em junho/2024, em evento de vaquejada promovido pelo Município de Juazeiro do Norte4, todos relativos a mesma turnê, com programação de 1h30 (uma hora e trinta) de show.
Além disso, como antes mencionado, o próprio município ao expedir o Decreto 222/2024, declarando “Situação de Emergência nas áreas urbanas, ribeirinhas e rurais do Município de Cametá – PA” pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, e mais recentemente, ao expedir o Decreto 236/2024 (publicado no DOE de 21/11/2024, Edição 338), solicitando “recurso financeiro complementar do Governo Federal e/ou Estadual para ações de respostas e restabelecimento”, reconhece situação de precariedade para atendimento das demandas relacionadas a serviços públicos básicos e essenciais da população, como enfatizou a diligente representante ministerial, principalmente nas áreas da saúde, educação e infraestrutura.
Diante desse cenário, não se afigura razoável, e afronta os princípios da legalidade, moralidade e eficiência, o desembolso de vultosa quantia em benefício de uma única artista, malgrado, conforme antes destacado, seja pessoa de extraordinário talento. O perigo da demora é evidente ante a proximidade do evento, previsto para se realizar na virada do ano de 2024 para 2025.
Por todo o exposto, CONCEDO A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA e DETERMINO A SUSPENSÃO do contrato (e, consequentemente, da realização de seu objeto) celebrado pelo MUNICÍPIO DE CAMETÁ com a empresa J. MUSIC EDITORA E PRODUÇÕES ARTÍSTICAS LTDA, através do Processo Administrativo 9897/2024, sob pena de multa no valor de R$ RS 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), sem prejuízo de eventual responsabilização por improbidade administrativa e crime de desobediência.
Registre-se, por necessário, que esta decisão não tem por escopo subtrair do povo cametaense o direito ao entretenimento e à diversão, mormente em data tão significativa, que o Poder Público também tem o dever de lhe proporcionar, porém sem causar grave lesão ao erário, convindo frisar a possibilidade de o evento poder ser realizado com o desembolso de montante menor e ajustado a atual realidade do município, inclusive ampliando a participação de artistas locais, pois notoriamente Cametá é um celeiro de grandes talentos, com destaque na área musical.
Proceda-se à imediata intimação do requerido, no plantão judiciário.
Ciência ao MP e ao autor, eletronicamente.
Cametá/PA, datada e assinada eletronicamente.
José Matias Santana Dias
Juiz de Direito Titular da 2ª Vara
1 Diário Oficial Eletrônico do Município de Cametá, Edição 328, de 01/11/2024.
2 h t t p s : / / d i a r i o o f i c i a l . s a o l u i s . m a . g o v . b r / d o c u m e n t o / v i e w / 2 0 6 9
[https://diariooficial.saoluis.ma.gov.br/documento/view/2069]
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4 h t t p s : / / j u a z e i r o d o n o r t e . c e . g o v . b r / l i c i t a c a o l i s t a . p h p ? i d = 7 0 6
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