O vazamento de dendê e óleo da empresa Agropalma, ocorrido na semana passada, provocou a contaminação de igarapés e do próprio Rio Acará, que corta os municípios do Acará e Tailândia. O Ver-o-Fato, que revela o caso com exclusividade, teve acesso a documentos, dezenas de fotos e vídeos do despejo de dendê, que vem ocorrendo desde o final de março deste ano.
O mais grave, porém, ocorreu na última sexta-feira, 4, denunciado por moradores da região. Depois de o dendê ter se espalhado pelo rio e seus afluentes, a Agropalma providenciou boias de contenção, mas o dano já é irreversível, o que coloca sob risco a floresta, as águas e os seres humanos.
Em contato com a Secretaria de Meio Ambiente e Turismo do Acará, Ver-o-Fato tomou conhecimento de que uma força tarefa de técnicos ambientais deve se deslocar nas próximas horas para o local onde maior é a incidência de dendê no Rio Acará para avaliar a extensão do crime ambiental e lavrar nova multa contra a Agropalma.
Além da Sematur, até agora nenhuma autoridade do Pará tomou qualquer providência para punir a Agropalma e obrigá-la a reparar os impactos ambientais e sociais que ela tem causado impunemente na região. O Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), na condição de fiscal da lei, também se mantém inerte para o problema, assim como a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas).
Todos, certamente, dirão que nada sabiam e que tomaram conhecimento dos crimes ambientais ao ler o Ver-o-Fato. Diante disso, logicamente, prometerão tomar “enérgicas providências”. Enquanto nada acontece – a não ser, claro, a própria contaminação do rio e da floresta -, a Agropalma joga solta e não deve satisfações a ninguém. Nem mesmo à imprensa, embora procurada, como foi desde a noite de ontem.
Em contato com a assessoria de imprensa da Agropalma, cuja sede fica em São Paulo, o Ver-o-Fato fez três perguntas à empresa, abrindo espaço paar que ela faça sua defesa a estabeleça o contraditório, mas até o momento ela não rompeu o silêncio. De qualquer maneira, ainda aguardamos a manifestação, já que pretendemos voltar ao assunto.
A Agropalma já responde a demandas judiciais do Ministério Público por grilagem de terras públicas e privadas na mesma região entre Acará e Tailândia, na qual ela se diz proprietária de 106 mil hectares. Esse assunto, aliás, já foi tema de diversas matérias do Ver-o-Fato. A própria Justiça já determinou o bloqueio em cartórios das maioria das matrículas das terras, alegando fraudes e uso até mesmo de cartório “fantasma” na expedição desses documentos.
Relatório aponta contaminação
De posse de um relatório da Sematur do Acará, podemos observar que no final de março passado, durante inspeção dos técnicos do órgão, o primeiro ponto fiscalizado foi o Igarapé Iuaçu. Nesse igarapé foram observadas “alterações na qualidade da água”. Havia diferença “bastante visível na cor da água – mais escura com uma tonalidade amarelada – e principalmente muito oleosa, na superfície”.
No trabalho de campo, foi possível visualizar uma espécie de espuma branca em vários trechos do rio. Esse rio estabelece o limite territorial entre os municípios de Acará e Tailândia. “Trata-se de um líquido químico oriundo do processo industrial de beneficiamento de dendê”, diz trecho do relatório.
Na margem do Rio Acará, por sua vez, a contaminação encontrada pelos técnicos foi ainda maior. “Esse foi um dos pontos mais críticos, com um alto teor de matéria orgânica e oleosidade, causando a morte de animais aquáticos e terrestres, como um tatu”.
“É importante destacar tubulações localizadas atrás da indústria, nos quatro pontos, despejando um volume alto desse resíduo, associado à ocorrência de chuvas, o que está poluindo o rio localizado no entorno da indústria. As tubulações estão em condições precárias e com um odor desagradável liberado pelo gás metano, altamente poluente”, continua o documento.
Mais adiante, afirma ainda o relatório, foi identificada no rio mortalidade de peixes e outros seres vivos, provocando um desequilíbrio aquático, causado pelo depósito de efluentes nos rios ’em desacordo com os parâmetros da Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que dispõe sobre as condições e padrões de lançamento de efluentes, sobretudo o artigo 16 que trata do lançamento direto no corpo receptor obedecendo às condições e padrões previstos neste artigo’.
Com essas alterações, enfatiza o documento, “fica impossível as comunidades locais utilizarem a água do rio para as tarefas cotidianas”. A fiscalização foi realizada no dia 28 de março em razão de denúncia contra a Agropalma, autuada por infração ambiental. O valor da multa será apresentado à empresa nos próximo dias.
“As instalações para o processamento industrial dos cachos de dendê, também chamadas de usinas de beneficiamento ou usinas extratoras de óleo, em regra as usinas produzem dois efluentes: o natural – cru ou puro – e o centrifugado, os quais possuem níveis consideráveis de nutrientes. O conteúdo desse nutriente é bastante variável, por este motivo deve passar por um tratamento para a redução de riscos de poluição do meio ambiente causada pela disposição inadequada deste resíduo, seja no solo ou na água”, observa o relatório da Sematur.
Em um mapa do Google Earth, os técnicos da Sematur identificaram os pontos onde estão sendo despejados os efluentes. A indústria da Agropalma está localizada no município de Tailândia, a 26 quilômetros abaixo do limite territorial com o município do Acará, na margem do Rio Acará.
A Sematur, com a visita in loco, tomou conhecimento do impacto ambiental gerado pela indústria da Agropalma com o processamento inadequado nas áreas, ressaltando que a empresa pode ser punida devido o volume de efluente oleoso lançado no rio. Conforme o que é descrito na lei 9.605/1998 – Lei de Crimes Ambientais – que determina as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
As infrações cometidas pela Agropalma se enquadram nos artigos 61 e 62, incisos III, IV,V,VI,VII e IX da Lei de Crimes Ambientais. O relatório é assinado pelo engenheiro florestal Jonatas da Silva Costa, engenheira sanitarista e ambiental, Samyris Mendes da Silva, e pelos agentes de fiscalização, Widson Luiz Carvalho e Jonathan C. Souza.
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