Em uma decisão histórica da Justiça do Pará, obtida com exclusividade pelo Ver-o-Fato -, o juiz Raimundo Rodrigues Santana, da 5ª Vara da Fazenda Pública e Tutelas Coletivas, condenou ontem o grupo norueguês Norsk Hydro, a Alumina do Norte do Brasil S/A (Alunorte), a Alumínio Brasileiro S/A (Albrás), além da Mineração Paragominas S/A, a pagar R$ 50 milhões, por “danos morais coletivos”, aos filiados da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia(Cainquiama).
A multa, caso a decisão não seja cumprida, varia de R$ 200 mil por dia até R$ 5 milhões. O Estado do Pará, também réu na ação, foi condenado, em obrigação de fazer. A ação judicial, cuja decisão ainda cabe recurso, foi impetrada em nome da Cainquiama, pelo escritório Ismael Moraes.
As quatro mineradoras também foram condenadas em obrigação de fazer e têm prazo de 30 dias, contados da intimação da sentença, a comprovar a “mudança de sua matriz energética com a utilização do gás como principal fonte energética em substituição ao óleo combustível”.
Nesse aspecto da sentença, a condenação do Estado do Pará consiste em “exigir das empresas rés, em 30 dias, contados da intimação da sentença, o cumprimento da obrigação constante da Resolução nº 14/2015, sob pena de ser obrigado a suspender os benefícios fiscais que foram concedidos, com suporte no art. 311, inciso IV, do CPC, dada a evidência da situação”.
Segundo o juiz, As mineradoras condenadas têm capacidade econômico-financeira para pagar o valor de R$ 50 milhões pelo “longuíssimo tempo (décadas) a que submete os moradores das comunidades rurais e ribeirinhas de Barcarena e arredores aos efeitos deletérios da significativa emissão de gases poluentes na atmosfera”.
Poluição: o triplo da cidade de Belém
Aliás, quanto a essa contaminação por produtos químicos, seja pelo ar, rios ou terras, um trecho da sentença de Raimundo Santana destaca que os níveis dessa poluição, que incluem notadamente gases de efeito estufa (GEE), como o dióxido de carbono (CO2) e o dióxido de enxofre (SO2), “é tão grande que supera em muito – podendo ser até mais que o dobro – do que é produzido por uma cidade com mais 1.300.000 milhões de habitantes, como é o caso Belém, a capital do Estado do Pará”.
A propósito, continua o magistrado, “há, pois, franco desbordamento do impacto ambiental que seria razoável aceitar, já que não se trata de um pequeno impacto ao meio ambiente natural, mas sim de um evento altamente danoso tanto ao meio ambiente e quanto à saúde emocional e o bem-estar das pessoas representadas pela autora (Cainquiama)”.
Diz ainda o juiz: “essa formatação está de acordo com a narrativa veiculada pelas partes, merecendo relevo o que fora mencionado pela demandante, em sua peça de ingresso, ao assinalar que o processo produtivo da Alunorte utiliza cerca de 600.000 toneladas de carvão e 800.000 toneladas de óleo combustível por ano, lançando na atmosfera, igualmente por ano, aproximadamente 33 mil toneladas métricas de SO2 (dióxido de enxofre) e 3,8 milhões de toneladas métricas de CO2, além de fuligem (na forma de material particulado poluente)”.
O detalhe é que, no curso do processo, as mineradoras “em nenhum trecho de suas muitas intervenções se opuseram a esses dados. Efetivamente, ao tentar descredibilizar os dados, as empresas demandadas apenas ressaltaram que o texto da Viability Performance não é “desconhecido pelas Requeridas” (sic), mas, como está escrito língua inglesa, deveria ter sido traduzido”. Ou seja, uma argumentação sem nenhuma importância para o deslinde do mérito da causa.
Isenção do ICMS financia degradação ambiental e social
É importante ressaltar que as empresas mineradoras são beneficiadas pela isenção total do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o incentivo fiscal que o governo do Pará oferece aos grandes grupos empresariais que aqui se estabelecem sob o argumento de que eles geram emprego e renda para o Estado.
Óbvio que esses incentivos fiscais acabam por financiar a própria degradação ambiental e, por tabela, social que torna reféns as populações mais vulneráveis – ribeirinhos, comunidades rurais, indígenas e quilombolas – desses empreendimentos que auferem colossais fortunas às custas do sofrimento, das doenças e da morte dessas comunidades. Todas essas mineradoras gozam de incentivos pelos próximos 15 anos.
VEJA AQUI A ÍNTEGRA DA HISTÓRICA DECISÃO JUDICIAL
Com a palavra, a Hydro
A respeito da decisão judicial, a Hydro enviou ao Ver-o-Fato a seguinte nota:
“A Hydro discorda veementemente da decisão do tribunal sobre a acusação de não cumprimento do acordo de ICMS e vai recorrer da decisão. A Hydro Alunorte possui todas as autorizações e licenças necessárias para operar, e todas as emissões são devidamente comunicadas às autoridades ambientais.
O acordo de ICMS de longo prazo, pactuado em 2015 com o Estado do Pará, incluiu um projeto de mudança de matriz energética na refinaria de alumina Alunorte. O projeto de troca de combustível envolve a substituição de óleo por gás natural no processo de refino, e exigiu uma quantidade significativa de investimentos, incluindo a chegada do gás no estado do Pará. A Hydro Alunorte está implementando com sucesso a mudança de combustível após a entrega do terminal de gás pela Gás do Pará em Barcarena, no início de 2024.
Ao implementar o projeto de mudança de combustível e fazer a transição do óleo para o gás natural, a Hydro Alunorte reforçará a sua atual posição de liderança como um dos produtores de alumina com menor teor de carbono. Além disso, ao trazer gás para o Estado do Pará, o projeto de mudança de combustível atuará como um facilitador para um maior desenvolvimento da infraestrutura de gás na região. “