” MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL (1710) 0805401-82.2020.8.14.0000
IMPETRANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
IMPETRADO: JUIZ DA 1a VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI DA CAPITAL
Cuida-se de Mandado de Segurança Criminal impetrado pelo Ministério Público do Estado do Pará, firmado pelo Promotor de Justiça José Rui de Almeida Barboza, contra ato do MM Juiz Edmar Silva Pereira, da 1a Vara do Tribunal do Júri da Comarca de Belém, para dar efeito suspensivo ao Recurso em sentido estrito, contra a decisão que determinou a liberdade de todos os réus do processo no 0011423-87.2019.8.14.0401, referente aos crimes de homicídios praticados por PEDRO JOSIMAR NOGUERIA DA SILVA (CABO NOGUEIRA); JOSÉ MARIA DA SILVA NORONHA (CABO NORONHA); LEONARDO FERNANDES DE LIMA (CABO LEO); IAN NOVIC CORREA RODRIGUES (JAPA); WELLINGTON ALMEIDA OLIVEIRA (CABO WELLINGTON); EDVALDO DOS SANTOS SANTANA; JAISON COSTA SERRA e JONATAN ALBUQUERQUE MARINHO (DIEL), perpetrados em 19/05/2019, na Passagem Jambu, Bairro do Guamá, que ficou conhecido no
âmbito policial como a CHACINA DO BAR DA WANDA.
Insurge-se o Ministério Público contra a soltura dos acusados, alegando violação de direito líquido e certo da sociedade à segurança pública face à concreta gravidade do crime e periculosidade dos agentes. Aduz, ainda, que demonstraram propensão à prática de crimes, os executores sendo agentes da segurança pública, potencializaram a capacidade de delinquir e o poder de intimidação, o que pode ser evitado se acautelando a sociedade de suas investidas criminosas, dado o risco social e o perigo que representam à sociedade e, em liberdade, encontrarão o mesmo ambiente e estímulos que os levaram a delinquir, justificando-se as medidas.
Afirma que estão presentes os requisitos do fumus boni iuris, posto que a jurisprudência tem admitido o cabimento de mandado de segurança para emprestar efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito nos casos em que a concessão da segurança busque evitar a soltura dos acusados, pois considera-se que a decisão que defere a liberdade, ofende direito líquido e certo da sociedade à segurança, bem como do periculum in mora para a concessão liminar da segurança, considerando que, caso não seja deferida a liminar para a concessão do efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito já interposto, é latente o prejuízo à ordem pública e à instrução plenária, levando-se em consideração a concreta gravidade do crime e comprovada
periculosidade dos acusados.
Examino
Todos se recordam que no dia 19/05/2019, um domingo, pela parte da tarde, ocorreu uma das maiores chacinas deste Estado, quando os acusados se reuniram, formando um grupo miliciano para executar as vítimas que estavam se divertindo no Bar da Wanda, no bairro do Guamá. Invadiram o estabelecimento e ceifaram a vida de 11 (onze) pessoas, a saber: Alex
Rubens Roque da Silva, Flávia Telles Farias da Silva, Leandro Breno Tavares da Silva, Maria Ivanilza Pinheiro Monteiro, Márcio Rogério Silveira Assunção, Marie Helen Sousa Fonseca, Paulo Henrique Passos Ferreira, Samara Santana da Silva Maciel, Samira Tavares Cavalcante, Sérgio dos Santos Oliveira e Tereza Raquel Silva Franco, além de causarem lesões em Anderson Gonçalves dos Santos.
O massacre causou ampla repercussão no Estado pela forma como os crimes foram praticados e, sobretudo, pelo requinte de crueldade e absoluta falta de motivos para a execução de inúmeras vítimas. Houve um trabalho hercúleo da Polícia Judiciária, que conseguiu desvendar os delitos e prender os seus autores. O processo transcorreu normalmente, tendo o Ministério
Público, ora impetrante, apresentado denúncia. A instrução também transcorreu sem intercorrências, sendo todos pronunciados, a despeito do Parquet ter requerido expressamente a impronúncia de JAISON COSTA SERRA.
Esclareça-se que a pronúncia está datada de 16/12/2019 pela digna autoridade ora impetrada que chegou a mencionar “diversos HC’s foram impetrados junto ao Egrégio TJE/PA, ora para contestar a legalidade da prova, ora para pedir a liberdade dos réus, em todos, o Segundo Grau de Jurisdição manifestou-se negando as liminares e mantendo-se, por consequência, a instrução processual”. E, mais adiante, justificou, aliás, adequadamente, a prisão dos envolvidos ao afirmar:
“ CONSIDERANDO A DECISÃO DE PRONÚNCIA, E CONSIDERANDO-SE, AINDA, QUE O CONSECTÁRIO SEGUE O PRINCIPAL, COMO FORMA DE ASSEGURAR A ORDEM PÚBLICA, ESPECIALMENTE PORQUE O PRESENTE FATO FOI COMETIDO COM VIOLÊNCIA E GRAVE AMEAÇA, EM DESRESPEITO À VIDA HUMANA, TRAZENDO REPERCUSSÃO LOCAL E NACIONAL E A FUTURA APLICAÇÃO DA LEI PENAL, NOS TERMOS DOS ARTS. 312 E SEGUINTES DO CPP, HEI POR BEM, MANTER A PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA ÀS FLS. 107/113 DOS RÉUS PEDRO JOSIMAR NOGUERIA DA SILVA; JOSÉ MARIA DA SILVA NORONHA; LEONARDO FERNANDES DE LIMA; WELLINGTON ALMEIDA OLIVEIRA; EDVALDO DOS SANTOS SANTANA; JAISON COSTA SERRA; JONATAN ALBUQUERQUE MARINHO (APENSO II) E 1135/1138-RÉU IAN NOVIC (VOLUME VI) DOS RÉUS AQUI PRONUNCIADOS”.
Uma das razões para a concessão da liberdade é que os pronunciados JOSÉ MARIA DA SILVA NORONHA e WELLINGTON ALMEIDA OLIVEIRA foram infectados pela COVID-19, alinhavando as Portarias do Tribunal de Justiça e a Recomendação no 62 do Conselho Nacional de Justiça. Todavia, tal alegação, ao meu sentir, é insuficiente para embasar o ato libertário da autoridade impetrada. Primeiro, porque o CNJ apenas fez uma recomendação a ser observada pela magistratura nacional, não havendo interpretação de que fosse uma norma cogente.
Em outros termos: o juiz deve examinar cada caso, a sua gravidade, a possibilidade de tratamento na casa prisional, a repercussão do crime na sociedade, ou seja, a Recomendação não é “um cheque em branco” para soltar réus de alta periculosidade, até porque o processo a que respondem não apresenta excesso de prazo e ao que tudo indica, estará pronto para julgamento no próximo mês de agosto. Nesse aspecto, os meios de comunicação têm divulgado que a Secretaria de Estado de Assuntos Penitenciários, sensível ao problema, tem disponibilizado meios para isolamento e tratamento de presos acometidos do vírus.
Logo, não há justificativa plausível para a concessão da liberdade por esse motivo. A prisão preventiva foi decretada pela autoridade impetrada ante a demonstração do fumus comissi delicti e do periculum libertatis, isto é, garantia da ordem pública, da ordem econômica, da aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal. Ocorre, que há uma evidente contradição entre a ausência desses requisitos para justificar a liberdade dos réus, porquanto a mencionada autoridade judiciária, por ocasião da decisão de pronúncia, proferida em 16/12/2019, há menos de 06 (seis) meses, portanto, reconheceu, com todas as letras , “A NECESSIDADE EXTREMA DE MANTER TODOS OS PRONUNCIADOS EM REGIME DE PRISÃO, PARA ASSEGURAR A ORDEM PÚBLICA, ESPECIALMENTE PORQUE O PRESENTE FATO FOI COMETIDO COM VIOLÊNCIA E GRAVE AMEAÇA, EM DESRESPEITO À VIDA HUMANA TRAZENDO
REPERCUSSÃO LOCAL E NACIONAL E A FUTURA APLICAÇÃO DA LEI PENAL NOS TERMOS DOS ARTS. 312 E SEGUINTES DO CPP”.
Evidente, data venia, o descompasso entre os entendimentos da digna autoridade, ora reconhecendo a necessidade de manutenção da prisão, ora entendendo que os pronunciados fazem jus à liberdade em razão da conclusão da instrução, da prisão há mais de 365 dias, que já foram pronunciados, primariedade, profissão e residências fixas. Faltou, entretanto, a análise da REAL PERICULOSIDADE DOS AGENTES, bem como a comparação com os dados da época do crime em que a violência campeava nessa Capital, principalmente crimes praticados por pessoas envolvidas em milícias. Muitas vidas se perderam e a sociedade vivia em pânico com os noticiários diuturnos sobre a criminalidade em nosso Estado.
Com todo respeito que merece o Juiz de Primeiro Grau, discordo da decisão que liberou todos os envolvidos na chacina e acolho os argumentos expendidos pelo Ministério Público neste mandamus, reconhecendo o fumus bonis juris, ante, datissima maxima venia, a presença dos requisitos da prisão cautelar, mencionada pela autoridade por ocasião da pronúncia, e o
periculum in mora, pela imprescindibilidade da prisão ser efetuada com a máxima urgência, razão pela qual concedo a liminar requerida para dar efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito, sustando, até o exame de mérito, a decisão atacada.
EXPEÇA-SE O QUE FOR NECESSÁRIO, SERVINDO ESTE DESPACHO DE OFÍCIO PARA TODOS OS EFEITOS. Ressalte-se que esta decisão não se aplica ao corréu JAISON COSTA SERRA o qual se encontra em liberdade em razão de pedido de impronúncia por parte do Órgão Ministerial.
Solicitem-se informações à autoridade impetrada no decêndio legal. Citem-se todos os envolvidos para integrarem à lide na qualidade de litisconsortes passivos necessários. Após, colha-se a manifestação do Custos legis.
Belém, 04 de junho de 2020.
Desembargador RÔMULO NUNES
Relator “
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