Nenhum brasileiro consciente concorda com os atos abomináveis praticados por uma turba de radicais que um ano atrás invadiu, quebrou e destruiu bens públicos na praça dos Três Poderes, em Brasília. A pretexto de exercer o direito democrático à livre manifestação de pensamento, esses celerados praticaram atos criminosos, pondo à prova um regime que, se tem vários defeitos, ainda é o único no mundo a se contrapor à ditadores e autocratas de plantão que se arvoram em tutores do povo.
Os que fizeram aquele quebra-quebra já inserido na história política do país devem ser punidos exemplarmente para que intenções e ações semelhantes, no presente e no futuro, sejam coibidas com o máximo rigor e desestimuladas para que jamais voltem a acontecer.
Por outro lado, vale afirmar que democracia verdadeira é uma construção coletiva, que busca se assentar e aperfeiçoar na prática diária. Democracia não tem dono, nem inquilinos, estejam estes estabelecidos no executivo, legislativo ou judiciário. Falar em democracia sem consultar o maior interessada nela, a população, é tentar usurpar ou manipular a vontade das maiorias para satisfazer os caprichos de quem muito fala em democracia, mas no fundo a despreza e não a pratica.
Em sua obra prima “Homo Sapiens – Uma breve história da humanidade”, Yuval Noah Hariri constata um fato muito presente nos dias de hoje, em pleno século XXI: a era da ignorância está instaurada, não pela nossa incapacidade de acessar informação mas pela nossa incapacidade em processa-la, aliada a um contexto político e econômico que cada vez menos se interessa por essa informação verdadeiramente desenvolvida.
Yuval escancara a face de uma sociedade cuja população, no caso do Brasil, revela-se apática, individualista, consumidores em lugar de cidadãos, desinformada sobre seu tempo, sua história e seu projeto de futuro, desideologizada em sua essência, em seu projeto de nação, um instrumento certamente mais frágil no que tange ao desmonte ideológico, a substituição de um Estado de todos por um Estado de qualquer outra coisa, dominado por grupos que se apropriam do discurso democrático para fulminar a própria democracia.
Um véu para autoritários
A democracia, concebida como um sistema que visa representar a vontade do povo, é inegavelmente valiosa. No entanto, como qualquer sistema humano, ela está longe de ser imune a riscos, especialmente quando políticos corruptos e demagogos a utilizam como um véu para encobrir suas ambições autoritárias.
Um dos riscos mais sérios é a manipulação por parte de políticos que, apesar de proclamarem um compromisso democrático, na realidade buscam consolidar seu poder e satisfazer seus interesses pessoais. A corrupção, em suas diversas formas, pode corroer os fundamentos democráticos ao desviar recursos públicos, minar a confiança nas instituições e distorcer a representação política genuína.
Políticos demagogos, habilidosos na arte da retórica sedutora, representam outro perigo. Eles frequentemente exploram as emoções e receios das massas, alimentando narrativas simplistas que apelam para o senso comum em detrimento da análise crítica. Ao apresentar-se como defensores da democracia, esses líderes podem, na verdade, minar as instituições democráticas, substituindo o diálogo informado por estratégias que buscam polarizar a sociedade.
A retórica democrática muitas vezes serve como uma máscara para ações autoritárias. Políticos que inicialmente se apresentam como defensores da liberdade e participação podem, uma vez no poder, mostrar sua verdadeira face, restringindo a liberdade de imprensa, desafiando a independência do judiciário e silenciando oposições. Esse comportamento, muitas vezes justificado em nome da estabilidade ou do interesse nacional, representa uma ameaça real ao funcionamento saudável da democracia.
Além disso, a arrogância e a intolerância dirigidas àqueles que discordam podem corroer os princípios democráticos. Políticos que se consideram infalíveis e veem a oposição como inimiga podem promover uma cultura política tóxica, onde o debate construtivo é substituído por hostilidade e divisão.
Para mitigar esses riscos, é essencial fortalecer as instituições democráticas, garantindo a transparência, a responsabilidade e a participação cidadã efetiva. A educação política e a promoção do pensamento crítico são armas cruciais contra a manipulação demagógica. Além disso, uma sociedade vigilante, consciente de seus direitos e deveres, pode se tornar uma defensora ativa contra a ascensão de políticos que buscam subverter os princípios democráticos.
Em última análise, enquanto a democracia oferece um terreno fértil para a participação cidadã e a tomada de decisões coletivas, é imperativo estar atento aos riscos que podem minar esses fundamentos. A proteção da democracia requer um compromisso contínuo com a vigilância, a responsabilidade e a preservação dos valores que a sustentam.
Líderes democráticos medíocres, a visão de Mencken
Henry Louis Mencken, jornalista e escritor norte-americano, destacou-se por suas análises críticas e perspicazes sobre a sociedade e a política dos Estados Unidos no início do século XX. Seu ponto de vista sobre a democracia é muitas vezes lembrado por sua abordagem cética e, por vezes, ácida.
Mencken, conhecido por sua escrita incisiva e humor mordaz, abordou a democracia com uma visão desencantada e crítica. Ele questionava a suposição otimista de que a democracia sempre leva a decisões mais sábias e benéficas, destacando as falhas e contradições inerentes ao sistema.
Para Mencken, a democracia era frequentemente dominada pela “tirania da maioria” e suscetível à manipulação por políticos demagogos. Ele expressava ceticismo em relação à sabedoria coletiva do eleitorado, sugerindo que as massas poderiam ser facilmente influenciadas por líderes carismáticos, muitas vezes em detrimento de políticas racionais e informadas.
Em sua obra “Notas sobre a Democracia”, Mencken argumenta que a democracia frequentemente resulta na ascensão de líderes medíocres, já que a busca por popularidade muitas vezes supera a busca pela excelência e competência. Ele desafia a ideia de que o sistema democrático inevitavelmente leva ao governo dos melhores, argumentando que a política, muitas vezes, atrai pessoas mais interessadas em ganhar eleições do que em governar efetivamente.
No entanto, é importante notar que a perspectiva de Mencken sobre a democracia era mais provocativa do que prescritiva. Ele não propôs um sistema alternativo, mas sim instigou os leitores a questionarem as noções preconcebidas sobre a infalibilidade da democracia.
Apesar de suas críticas, Mencken reconhecia que, apesar de suas imperfeições, a democracia representava um sistema mais desejável em comparação com alternativas autoritárias. Seu ceticismo em relação à democracia visava, portanto, incentivar uma análise mais profunda do sistema e uma participação mais informada por parte dos cidadãos.
Em resumo, o conceito de democracia de Henry Mencken reflete um olhar perspicaz e crítico sobre o sistema, destacando suas vulnerabilidades e desafios. Sua abordagem provocadora continua a inspirar debates sobre a natureza e a eficácia dos sistemas democráticos na sociedade contemporânea.