A ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) é uma gaúcha de 74 anos, nascida em Porto Alegre, em 2 de outubro de 1948. Tem um casal de filhos. Na sexta-feira 22, ela votou pela descriminalização do aborto até 12 semanas de gestação, praticamente três meses.
Adiante, talvez passe para seis meses. Se essa monstruosidade passar no Supremo significa que a mãe que quiser matar seu feto de três meses está autorizada a mandar bala. A menos que o Congresso Nacional impeça a matança.
A ministra argumenta que não há consenso sobre o início da vida humana. A ciência e a espiritualidade já confirmaram: a vida física começa na concepção. Biologicamente, se há concepção há nova vida, e se há nova vida é porque o plano espiritual já planejou tudo. Ela fala também em Estado de Direito. Não vou entrar no mérito.
Na mesma sexta-feira 22, Rosa Weber participou do seminário comemorativo dos quatro anos do Pacto Nacional pela Primeira Infância, no auditório do Superior Tribunal de Justiça (STJ). No discurso de abertura, a presidente do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirmou que o pleno desenvolvimento das crianças deve ser compartilhado entre família, sociedade e Estado, lembrando Nelson Mandela ao dizer que cuidar das crianças de um país com justiça e carinho é a maior expressão da alma de uma nação.
A vida das crianças nunca foi moleza. Em momento algum da história da humanidade. Muitos dos que não são assassinados no ventre da mãe são escravizados. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), todos os anos, 1,2 milhão de crianças desaparecem no mundo. No Brasil, 50 mil crianças são sequestradas por ano – 137 por dia.
Som da Liberdade, do roteirista e diretor Alejandro Monteverde, em cartaz nos cinemas, foi concluído em 2018. No ano seguinte, quando deveria ser lançado, a Disney comprou a produtora do filme e o guardou na geladeira, até que os produtores o compraram e só agora fizeram o lançamento mundial. O longa dramatiza os relatos reais de um ex-agente do governo dos Estados Unidos, Tim Ballard, vivido por Jim Caviezel, que trabalhou no resgate de crianças, “filhos de Deus que não estão à venda”, das garras de traficantes sexuais.
O tema é tão diabólico que nem Jim Caviezel bota o filme a perder. Caviezel é canastrão; tem o olhar de um poste. E o enredo é simplório demais. Não se aprofunda na carniça que é a pornografia infantil.
Fui ver o filme porque já pesquisei o tema, para meu romance O CLUBE DOS ONIPOTENTES. Mas antes do CLUBE, a Editora Cejup, de Belém do Pará, publicou, em 1996, meu conto A CAÇA, que voltou a ser publicado em 2008, no livro O CASULO EXPOSTO, pela LGE Editora, hoje, Libri Editorial, de Brasília. No volume da Editora Cejup, o sociólogo, ensaísta e contista Fernando Canto escreveu na orelha do livro o seguinte:
“A obstinação de um professor em busca da filha sequestrada por traficantes de crianças move, com muita velocidade, esta novela de Ray Cunha. A CAÇA flui em linguagem direta, enxuta, que, aliás, é o estilo deste autor inquieto e que manda às favas os adjetivos inúteis, preferindo a ação aos conceitos, com o objetivo de produzir uma narrativa rica e movimentada.
“Como toda boa história, A CAÇA carrega no seu bojo a condição maniqueísta de homens gastos pelas agruras do cotidiano, em que os mais diversos sentimentos tomam conta dos personagens e permite que se observe a condição humana a partir de gestos que exprimem a traição e o ciúme, a luta pelo poder e pelo dinheiro, além da clara tensão para ver resolvidos seus problemas e obsessões.
“Ray Cunha sustenta sua casa trabalhando como jornalista, e talvez por conhecer tão bem a redação de um jornal faz conduzir esta história a partir da construção de um personagem-narrador, também jornalista – Reinaldo –, que ressurge após protagonizar A GRANDE FARRA, primeira novela do autor.
“A CAÇA é uma história bem articulada e de uma ambientação e temática pouco explorada na literatura brasileira, talvez por ser atual e refletir os problemas que afligem as pobres sociedades latino-americanas. É um livro para ser bebido como um bom scotch, a fim de que o leitor possa saboreá-lo”.
Em O CLUBE DOS ONIPOTENTES, há um levantamento sobre a indústria da escravidão de crianças: “Em 2010, uma de cada quatro pessoas traficadas no mundo era criança. Em algumas regiões, porém, o número de crianças supera o de adultos; por exemplo, em países da África, dos Andes, dos Bálcãs e do Sudeste Asiático. As crianças são usadas como escravas sexuais, para transportar drogas, para extração de órgãos, para trabalho estafante e até como soldados. Segundo a ONU, entre janeiro de 2012 e agosto de 2013, na República Democrática do Congo, África, foram registrados cerca de mil casos de crianças recrutadas por grupos armados congoleses.
“Relatório do Departamento de Estado americano dá conta de que na Papua Nova Guiné, Ásia, crianças com até cinco anos são entregues à exploração sexual ou trabalho forçado por seus próprios parentes, e líderes tribais chegam a trocar crianças e mulheres por vantagens políticas e armas. Na China, a política de filho único levou ao infanticídio de meninas e à consequente falta de noivas. Aí, o tráfico de meninas foi intensificado no vizinho Mianmar rumo à China. Segundo relatório da ONU, somente em 2010 foram registrados 122 desses casos. No Laos e Camboja, Ásia, escravos são levados para alto-mar, onde trabalham até 20 horas por dia, sete dias por semana. Os doentes ou muito fracos são mortos e atirados no mar”.
Essas crianças conseguiram nascer, mas, em um descuido dos seus pais, ou a confiança deles na conversa de hienas, elas são levadas, desaparecem, e seus destinos são crudelíssimos. Não dá nem para pensar nisso.
Já que começamos essa história falando em aborto, sabiam que os fetos choram, gritam, berram, quando o cirurgião está cutucando-os, cortando-os, até conseguir extrair os pedaços? Ou quando são envenenados pela própria mãe. Mas ninguém os ouve, pois gritam aqueles gritos mudos, de pesadelo.
- Ray Cunha é jornalista e escritor