Completou três anos, no último sábado, o chá de gaveta imposto pela Câmara dos Deputados ao projeto de emenda constitucional que acaba com foro privilegiado no país, hoje desfrutado por 58 mil autoridades nos mais diversos escalões da República e dos estados. São pessoas que, ao cometerem crimes, não se submetem a um juiz de primeira instância, mas sim a um tribunal.
Parece não haver a mínima vontade política do próprio parlamento em acabar com essa excrescência. E por uma razão muito simples: há dezenas de deputados e senadores investigados por corrupção e outros crimes. Ou seja, não votam a PEC do Fim do Foro Privilegiado para proteger a si mesmos. O que é ainda mais vergonhoso.
Esse projeto, em 11 de dezembro de 1918 – de autoria do senador Álvaro Dias (Podemos-PR) – foi aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, mas até hoje não foi pautado para votação em plenário pelo presidente da Casa, Arthur Lira. “A Câmara tem essa dívida com o Brasil. São 3 anos em que só uma pequena parcela de corruptos comemora, contra uma imensa maioria de cidadãos honestos.”, cobra a deputada federal Renata Abreu, presidente nacional do Podemos.
Somente na atual legislatura foram mais de 30 pedidos de diferentes partidos registrados para incluir a matéria na pauta de votação. Segundo Renata, votar o fim do foro é uma das medidas mais urgentes para “libertar o Brasil de quem comete crimes e usa de privilégios para ficar impune”.
“O foro privilegiado precisa acabar por três motivos básicos: é injusto, ineficiente e gera descrença na Justiça. É injusto porque trata as pessoas de forma desigual sem justificativa moralmente aceitável. É ineficiente porque torna os poderosos imunes na prática ao direito penal. E gera desconfiança popular de que no Brasil há pessoas especiais que, por se considerarem melhores do que as outras, estão acima da lei e, por isso, são julgadas de maneira diferente”, detalha Renata Abreu.
A PEC 333/2017 propõe que o foro seja extinto no caso de julgamentos por crimes comuns. Além disso, ficaria restrito ao presidente e vice da República e aos presidentes da Câmara, do Senado e do STF (Supremo Tribunal Federal).
Perderiam direito ao Foro Especial por Prerrogativa de Função deputados, senadores, ministros de Estado, governadores, ministros de tribunais superiores, desembargadores, embaixadores, comandantes militares, integrantes de tribunais regionais federais, juízes federais, membros do Ministério Público, procurador-geral da República, membros dos conselhos de Justiça e do MP.
“Acabar com essa blindagem é fundamental no combate à corrupção e à impunidade no Brasil. E na luta pela igualdade de direitos e deveres para todos os brasileiros”, diz ela, cobrando para que a PEC 333/2017 seja pautada para votação em plenário.
Deplorável atraso
Para o senador Álvaro Dias, “a gaveta não é o melhor lugar. É um desrespeito à população do país preservar esse privilégio de autoridades. Deplorável atraso. Uma espécie de guarda-chuva para proteger meliantes do colarinho branco. A aprovação do projeto será um salto civilizatório. É obrigação da câmara dos deputados votar. E votar já”.
Nos corredores da Câmara, deputados se movimentam para levar o texto à votação. E já contam com mais de 50 assinaturas a favor. 11 partidos também entraram com pedido, mas a decisão está nas mãos do presidente da casa, Arthur Lira. E, embora publicamente nenhum deputado se manifeste contra as mudanças, por enquanto, o entendimento é que não existe vontade política para que a discussão avance.
“Eu só vejo ganhos com a aprovação dessa PEC. Por duas razões: primeiro que todos são iguais perante a lei, sim. O fato de você ser político, o fato de você exercer uma função pública, não te dá o direito de fazer coisas erradas e estar protegido por tribunais superiores. Nós temos um outro ganho que é melhorar a enorme morosidade de Tribunal Superior. Eles não têm condições de julgar tanta coisa, a gente vê uma morosidade absurda”, diz a deputada Adriana Ventura, do partido Novo, de São Paulo.
O presidente do instituto “não aceito corrupção”, Roberto Livianu, entende que ao invés de proteger, o foro privilegia a impunidade. “Faz com que detentores de fatias expressivas do poder político e econômico sejam protegidos da ação da lei. Isso não se justifica diante da isonomia constitucional: todos são iguais perante a lei. Não é possível imaginarmos uma sociedade isonômica em que não há igualdade efetiva de todos perante a lei”, afirma Livianu.