Com 44 hectares, o Parque Ecológico Gunnar Vingren, no bairro da Marambaia, uma obra de R$ 213 milhões, será cortado ao meio para obras de mobilidade. Poderes estadual e municipal não entram em acordo sobre projeto
As obras de infraestrutura para a COP 30 na cidade de Belém pretendem preparar a cidade-sede para atender a demanda do público em 2025. A destruição parcial do Parque Ecológico Gunnar Vingren visando a ampliação de uma via expressa, no entanto, anda na contramão dos objetivos da Cúpula do Clima e se apresenta como mais uma das contradições na preparação da cidade para o evento.
O projeto foi apresentado durante o lançamento do Anuário do Pará 2023-2024, pela vice-governadora Hana Ghassan (MDB), em fevereiro deste ano, como uma das 7 obras realizadas na capital para o evento. A rua da Marinha, segundo matéria da jornalista Karina Pinheiro, do site ambiental O Eco, será expandida de duas para seis pistas, incluindo uma rotatória, interligando a rodovia Augusto Montenegro à Avenida Centenário. De acordo com a prefeitura, a obra deverá beneficiar 6 bairros de Belém.
A obra de mobilidade preocupa a Associação dos Moradores do Conjunto Médici I e II (Amme), que alegam que o projeto poderá causar grande degradação ambiental, cortando o parque ecológico ao meio.
“O projeto rasga o parque na transversal, cortando ele no meio. E ainda vai acompanhar o canal e, nesse acompanhamento, ele rasga o canal no outro sentido, como se tivesse fazendo um X. A nossa ideia é que possam encontrar outra alternativa, outras ruas que possam ser utilizadas”, disse ao ((o))eco o presidente da Associação de Moradores, Alexandre Bastos.
Com 44 hectares, o Parque Ecológico Gunnar Vingren (PEMB) é uma área verde cedida para a prefeitura de Belém pelos moradores do Conjunto Médici I e II, na década de 70, para transformá-lo em um parque ecológico, o que aconteceu vinte anos depois, em novembro de 1991, pela Lei municipal nº 7.539.
Localizado entre os conjuntos habitacionais Presidente Médici e Bela Vista, também faz divisa entre os bairros de Val-de-Cans e Marambaia, além de abranger o Canal de São Joaquim por toda sua extensão e também o igarapé do Burrinho.
Além do impacto no ecossistema, devido à dimensão das obras, há a possibilidade de desapropriação de pelo menos quatro quarteirões do bairro Bengui, que fica ao lado do parque. A planta de desapropriação da Seop, emitida no dia 10 de março, aponta as casas da rua das Rosas, em Bengui, e 15 pontos de desapropriação no canal Marambaia.
A desapropriação proposta é o dobro do estimado pelo presidente da Amme: “Estamos aqui na comunidade sem saber o que vai acontecer, os órgãos públicos não responderam. Numa eventualidade, a gente é totalmente contra a intervenção do parque, mas em caso de não ter outra saída, a gente precisa trabalhar com compensações para a comunidade local, em um planejamento que precisa ser pensado”, afirmou Bastos.
Disputa entre prefeitura e estado
A obra, intitulada “Modernização da rua da Marinha”, interliga seis bairros da capital paraense, com uma área de 3,5 km de extensão, ligando a avenida Augusto Montenegro com a avenida Centenário, além da rotatória.
Planta da obra a ser executada pelo governo do Pará (Reprodução / Sedop)
Em novembro de 2023, a Secretaria de Estado de Obras Públicas (Sedop) solicitou à Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semmas) a emissão de Licença Ambiental Prévia e de Instalação para as obras de urbanização. Na licença consta a desafetação de área para a construção de uma via.
Por meio do ofício nº 1286/2023 – GAB/SEOP, o governo estadual informou que o aumento constante do tráfego de veículos de passeio e carga de pedestres na Região Metropolitana tem causado transtornos no fluxo do trânsito. O documento, no entanto, cita a realização de obras de urbanização no canal São Joaquim, entre a Avenida Júlio César e o prolongamento da Rua da Marinha, em área do Parque, assim como o prolongamento com duplicação da Rua da Marinha, dentro da área pertencente ao Batalhão de Operações Ribeirinhas.
“Ressalta-se ainda que um dos objetivos da criação Parque do ‘Gunnar Vingren’ foi conter o avanço desenfreado populacional, com destaque para as tentativas de invasões do espaço no final da década de 1980 e a preservação dos recursos naturais, incentivando o uso ordenado e adequado daquele espaço protegido, tendo importância fundamental a participação popular nos processos decisórios coletivos, em especial, da Associação dos Moradores do Conjunto Médici, que à época requereu providências junto ao Poder Legislativo municipal, resultando na instituição daquela Unidade de Conservação”, apontou trecho do ofício citado acima.
Sem licença, obra de R$ 213 milhões
Mesmo o estado não tendo conseguido licença para realização de obras em seu interior, há uma concorrência eletrônica registrada no Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos para a contratação de empresa de engenharia especializada para execução do projeto, solicitada pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas (Sedop), no valor de R$213 milhões. De acordo com a movimentação do último dia 22 de março, a abertura da sessão pública da compra foi prorrogada para o dia 13 de maio, devido a uma medida administrativa.
A reportagem de ((o))eco entrou em contato com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), questionando sobre o impacto da obra no PAMGV. O órgão informou que as obras em vias públicas em Belém são de responsabilidade da prefeitura de Belém.
“Em relação ao projeto de reforma da rua, que prevê cortar o Parque Ecológico do Município de Belém (PEMB) ‘Gunnar Vingren’, de acordo com a Lei Municipal n. 7.539 (19/11/1991), a gestão do parque é realizada pela Prefeitura Municipal de Belém, através da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA)”.
Em nota, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semmas) de Belém informou que as intervenções no Parque Ambiental Gunnar Vingren, voltadas para a COP 30, incluiriam a sua revitalização completa, a ser realizada pelo Departamento de Projetos e Paisagismo da secretaria, em parceria com a Secretaria de Planejamento e Gestão (Segep) do município. A Semmas, no entanto, não detalhou quais seriam as intervenções.
A reportagem conversou com o ativista ambiental Flávio Trindade, do grupo ativista intitulado Guardiões Amigos de Parques Ecológicos (Gape), uma das principais organizações em busca da defesa do parque ecológico. Trindade informou que fez parte de uma reunião do Conselho Diretor Urbano do município de Belém, no qual há uma promessa do parque ser cercado. A obra, no entanto, deve abranger apenas 35 hectares.
“A prefeitura disse que conseguiu agora dar uma cercada nele, considerando 35 hectares. O prefeito disse que, para a COP, vão cercar (o parque) e as outras lutas continuam. O investimento é de R$ 36 milhões na reforma, essa que é a promessa”, afirmou o ativista
De acordo com Trindade, a ideia de realizar as obras que poderão comprometer o parque é do governo estadual e que a prefeitura de Belém é contra as obras da rua da Marinha. “A prefeitura foi contra, nós concordamos com isso, que não pode passar nenhuma rodovia no meio do parque, não era nem para ter passado a centenária do lado, a prefeitura pelo menos, impediu até agora”.
Tentamos entrar em contato novamente para esclarecer o andamento da obra e sobre essa possível disputa entre prefeitura de Belém e o governo do estado. Conversamos com a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), que afirmou que a obra é de responsabilidade municipal. Já a Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém (SeMOB) informou que a obra não é de responsabilidade do órgão, sendo responsável por questões de trânsito apenas. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma) de Belém afirmou que encaminharia uma nota detalhando sobre as obras de revitalização do Parque Ecológico Gunnar Vingren, entretanto, até o fechamento desta matéria, a nota não foi enviada à reportagem.
Abandono do parque
Alexandre Trindade, da associação de moradores, informou que o parque está abandonado há anos pelo poder público, desde o fornecimento do terreno ao município, “O município quase não cuidou com o tempo. A gente sempre demandou e a prefeitura não conseguiu reformar, fazer as intervenções que deveriam ser feitas e o parque foi ficando”.
A associação de moradores realizou em 2021 um documento apontando as principais ocorrências sofridas no PAMGV. Entre os destaques estão invasões, construções irregulares, descarte irregular de resíduos sólidos e entulhos, e retiradas de madeiras, além da alimentação irregular das espécies nativas. Em outubro de 2018, a Associação dos Moradores do Conjunto Médici realizou uma denúncia ao Ministério Público do Estado do Pará sobre o abandono e invasão do parque.
No dia 23 de fevereiro deste ano, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), através do 1º Promotor de Justiça do Meio Ambiente de Belém, Benedito Wilson Sá, participou de uma inspeção judicial.
Durante o trajeto da inspeção, foi constatado que há trechos visivelmente deteriorados e com a estrutura comprometida, como as edificações existentes no interior do parque, trilhas que não existem mais, árvores que tombaram e as condições precárias do pórtico situado na Avenida Independência. Outros pontos preocupantes levantados foram o acúmulo de lixo e descarte inapropriado de dejetos em vários trechos do parque.
Na visão do Promotor de Justiça atuante no caso, as imagens e constatações realizadas na inspeção judicial confirmam a tese sustentada na petição inicial, sobre a necessidade de medidas administrativas emergenciais voltadas à segurança e à preservação do parque. Fonte: O Eco.