A polêmica em torno da eventual aprovação na Câmara dos Deputados do projeto de lei 442/1991 no início do próximo mês de fevereiro, legalizando os jogos de azar no Brasil, será tema de palestra em Belém do Movimento Brasil Sem Azar, que tem como coordenador no Pará o deputado estadual Raimundo Santos (Patriota). De acordo com o parlamentar, os argumentos apresentados à sociedade pelos que defendem o PL “são falaciosos, factoides”, referindo-se a previsões sobre o incremento do turismo, maior arrecadação fiscal e geração de renda.
O advogado e administrador de empresas Roberto Lasserre, 51, que conduz em nível nacional o Movimento Brasil Sem Azar, será o conferencista na programação marcada para esta sexta-feira (28) no Seminário Teológico da Assembleia de Deus (Setad), a partir das 9h30, tendo como público central líderes evangélicos. A agenda é considerada mais uma ação no País para conscientizar e mobilizar a população.
Lasserre disse ao Ver-o-Fato, com exclusividade, que debateu o assunto em capitais como Salvador, Goiânia, Rio de Janeiro e São Paulo com o apoio do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), opositor ferrenho do projeto, cuja tramitação já conta mais de 30 anos no Congresso Nacional, onde passou por várias fases e ácidas críticas.
Na entrevista exclusiva a seguir, o palestrante é incisivo ao afirmar que não há qualquer ponto positivo para retirar a tipificação de contravenção penal dos jogos de azar.
Ver-o-Fato – Qual a importância de sua palestra em Belém sobre o projeto que poderá legalizar no Brasil práticas como bingos, cassinos, caça-níqueis, jogo do bicho e que está previsto para ser votado no início do próximo mês?
Roberto Lasserre: Em relação à importância da minha palestra, considero mais uma conversa com lideranças aí, promovida pelo deputado Raimundo Santos, a quem agradeço muito. A importância é fundamental porque a gente precisa levar à população, ao cidadão brasileiro, a possibilidade de legalização dos jogos, ele não está focado nisso. Os parlamentares que objetivam a legalização querem pura e simplesmente “passar a boiada”, ou seja, se aproveitar da situação do Brasil, uma situação complexa como estamos e garantir a aprovação dos jogos de azar. O Brasil não tem nenhum tipo de urgência em relação a essa matéria, que não é urgente, muito pelo contrário. Ela tem de ser debatida com a sociedade, e o nosso objetivo realmente é garantir que ela tenha conhecimento da matéria, possa discutir, possa pensar e se insurgir contra ela junto aos deputados. Esse é o objetivo do nosso bate-papo aí em Belém na sexta-feira.
Ver-o-Fato – Quando foi pautado em regime de urgência, o projeto foi aprovado na Câmara Federal com 292 votos favoráveis, 138 contrários e houve 11 abstenções. É possível ainda virar esse placar?
RL – É possível, sim. Tanto que a gente tem feito um trabalho muito forte com entidades do Brasil todo, sejam religiosas, sociais, além de conversarmos diretamente com políticos do País inteiro. Entendemos que essa votação foi em cima de deputados que não tinham conhecimento da matéria. Eles não conheciam e votaram acreditando em uma narrativa falsa das pessoas que querem legalizar os jogos de azar. A gente está tentando levar argumentos técnicos, científicos, com fontes, dados, a todos esses parlamentares. Quando tomarem conhecimento da realidade dos fatos há uma possibilidade muito grande, sem dúvida nenhuma, de reversão do quadro. Além de tudo, estamos em um ano eleitoral e a população brasileira não quer jogos de azar. Mais de 70% da população brasileira não querem jogos de azar. E o parlamentar, quando eleito, tem de representar a vontade popular e se prender a fatos, dados, argumentos técnicos, científicos, tributários, econômicos e, sim, ideológicos e religiosos, sendo contrário à legalização. Portanto, entendemos que há uma possibilidade bem interessante de a gente reverter esse placar.
Ver-o-Fato – Que iniciativas o Movimento Brasil Sem Azar tem feito para evitar a regulamentação?
RL – Temos várias. Desde iniciativas nas próprias redes sociais do movimento até junto a lideranças religiosas, políticas e sociais do Brasil inteiro, levando os nossos argumentos, nossos temas. O Brasil Sem Azar passou em muitos gabinetes de parlamentares, por inúmeras lideranças dentro da Câmara [Federal], tentamos angariar a atenção dos deputados para que possam, cientes dos nossos temas, votar contrários aos jogos de azar.
Ver-o-Fato – Quais seriam os principais prejuízos sociais futuros, considerando a eventual aprovação?
RL – Os prejuízos seriam inúmeros. Eu poderia parar uma hora para falar deles a você. Mas tentando ser objetivo, [a legalização] não vai atrair novos turistas.Las Vegas [nos Estados Unidos] diz isso claramente: apenas 14% dos turistas são estrangeiros, e desses, só 4% dizem que vão lá para jogar, ou seja, não vai atrair turista estrangeiro como os legalistas estão dizendo, não vai atrair nova receita. Na verdade, vai canibalizar receitas de atividades produtivas, empresariais, que já existem no Brasil, ou seja, vai tirar dinheiro do bolso do empresário brasileiro, entregar para o bolso dos grandes conglomerados estrangeiros, vai ser uma porta aberta para a evasão de receitas, de sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, crimes de corrupção, corrupção de agentes públicos. Isso é no mundo todo que ocorre. Sem dúvida alguma, não vai diminuir os jogos ilegais,na verdade pode fomentá-los. Vai atrair a ludopatia, aumentar o número de viciados que podem chegar, no Brasil, a 10,5 milhões em jogos de azar. A cada um dólar arrecadado nos Estados Unidos, segundo uma pesquisa norte-americana, três são gastos com custos sociais, custos com segurança pública, que aumenta a violência das áreas onde os jogos estão legalizados, dos países, custos com ludopatia, médicos, psiquiatras, leitos, profissionais de saúde. Então isso vai aumentar também, e custos com a fiscalização e controle, que a Receita Federal, a Polícia Federal, o Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras] e a PGR, Procuradoria Geral da República, já se manifestaram no sentido de o Brasil não estar devidamente preparado para a legalização dos jogos de azar. Na verdade, será uma porta aberta para os crimes de colarinho branco. Esses, de uma maneira bem resumida, são os piores males, que o custo vai ser social, e o lucro, privado, dos grandes conglomerados internacionais.
Ver-o-Fato – O Brasil Sem Azar tem o perfil das pessoas viciadas quanto à faixa etária e à condição social e econômica?
RL – O jogo atinge mais pessoas acima de 65 anos, mulheres. Muitas pessoas já são aposentadas. Não há uma classe social preponderante.
Ver-o-Fato – Mesmo clandestinos, jogos dessa natureza têm funcionado à revelia da lei. Por quê?
RL – O Brasil tem um grande problema: o que ele não pode controlar,legaliza. Ele quer legalizar. Os maus parlamentares, os maus profissionais, querem legalizar. Em relação às drogas: ah, não tem como controlar, vamos legalizar; não tem como controlar os jogos? Vamos legalizar. No Brasil há um silêncio, uma omissão muito grande das autoridades em relação aos jogos de azar. Jogo do bicho, por exemplo, que vai ser tentado legalizar nesse projeto, 442/’91, é uma coisa comum e tem gente que já quer considerar jogo do bicho como “cultural”. Sabemos que o jogo do bicho, os bingos, principalmente, e os cassinos, são controlados por organizações criminosas que, na verdade, dominam esses tipo de prática, em especial nas grandes cidades, e querem legalizar efetivamente dizendo que vai diminuir. Você acha, sinceramente, que donos de bancas do jogo do bicho que são ao mesmo tempo traficantes de armas, de drogas, vão abrir mão só porque foi legalizado o jogo do bicho e vão perder essa fonte de receita, que é enorme? Absolutamente, muito pelo contrário!Acredito que irá aumentar a guerra entre eles. Se houver uma debandada de algumas pessoas para o jogo legalizado, vão querer disputar mais e mais aquelas pessoas que ainda usam do jogo do bicho ilegal. Acho que vai ter uma guerra entre facções, vai aumentar a violência, muita gente será impedida de jogar fora de suas comunidades, onde será imposta uma realidade como no Rio de Janeiro, onde você não pode comprar gás de cozinha de fora, não pode ter uma TV a cabo regularizada, precisa comprar das milícias. Vai ocorrer a mesma coisa também com os jogos de azar, não tenho a menor dúvida. A situação é crítica e a gente precisa lutar contra.
Ver-o-Fato – Esse projeto entrou no 31º ano de apresentação sem ser votado. Aprová-lo agora pode abrir um precedente também para a legalização do uso de drogas que tem sido ventilada há tempos?
RL – Acho que não está diretamente relacionado, mas pode ser que sim, porque também o crime organizado das drogas domina, muitas vezes, a prática da jogatina. Acho que é uma luta para causar um certo tipo de incômodo. Principalmente pelo governo conservador que temos. Muita gente está querendo legalizar no governo de Bolsonaro, que foi eleito com base na questão “pró-família”, nos temas “de costumes”, drogas, jogos de azar, aprovar outras pautas complicadas, e o presidente tem de reagir em relação a isso. Senão será tido como o governo que legalizou a maconha, jogos de azar…É complicado. Mas pode haver, sim, uma relação entre a tentativa de legalização dos jogos e a tentativa de legalização das drogas, mas mais uma coisa política que propriamente prática. É a minha opinião particular.
Ver-o-Fato – Como se dá a união no Pará com o deputado Raimundo Santos apoiando a causa do Movimento Brasil Sem Azar, a mesma bandeira do senador Eduardo Girão?
RL – O deputado Raimundo Santos, extremamente atuante pelas causas do bem e que foi parlamentar na Câmara Federal em três mandatos, já se encontrou com o senador Eduardo Girão, conversaram, e o posicionamento do senador é de muitos anos em relação a isso. Quando ainda não era parlamentar, vinha ao Senado, à Câmara, carregar cartazes contra os jogos de azar. Arregimentou muita gente e ajudou a fundar o Movimento Brasil Sem Azar. Está se insurgindo também, por meio de manifestações dentro do plenário, em ações junto a outros congressistas. Certamente o deputado Raimundo Santos vem agindo no mesmo sentido para tentar evitar a legalização dos jogos de azar no Brasil. É uma pauta importantíssima, na qual não podemos deixar de atuar, senão seria uma omissão gravíssima. Esses dois parlamentares já vêm se manifestando junto ao Brasil Sem Azar e com outros movimentos sociais, religiosos e políticos. Nosso objetivo é fazer com que a população tenha noção dos riscos que os jogos de azar podem trazer e se insurgir contra eles.