Ouvido nesta quinta-feira (31) na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga os atos do dia 8 de janeiro, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Lula, general Gonçalves Dias, tem um longo histórico de contradições apontadas em depoimento à Polícia Federal (PF) sobre o 8 de janeiro.
G. Dias prestou depoimento à PF no dia 21 de abril, após o vazamento de imagens
internas do Palácio do Planalto no dia dos protestos, que mostram o general passeando
e interagindo tranquilamente com os manifestantes.
Em seu depoimento à PF, o general disse que não sabia dos protestos organizados para
o dia 8; que não sabia se a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) monitorava o
acampamento em frente ao QG do Exército um dia antes do atos; que não ordenou o
monitoramento das manifestações; que não recebeu relatório sobre o aumento do fluxo
de ônibus em Brasília; que só teve acesso aos alertas da Abin depois que foram
enviados à CPMI e; que não haviam informações relevantes nos alertas.
Acontece que as versões do general foram contrariadas a partir da perícia em seu
celular, apreendido pela Polícia Federal. Como amplamente noticiado pela imprensa, o próprio general enviou à Abin um informe sobre as convocações para os protestos dois dias antes. G. Dias também caiu em contradição ao dizer que não sabia que a Abin monitorava o acampamento, já que recebia atualizações constantes da agência.
Também partiu de G. Dias a ordem para que o diretor da Abin, Saulo Moura,
monitorasse as manifestações. Ao contrário do que informou à PF, o general recebeu um relatório na manhã do dia 7 de janeiro com informações sobre o aumento do fluxo de ônibus em Brasília.
Apesar de ter afirmado que não tinha conhecimento dos alertas da Abin sobre possíveis
protestos violentos, G. Dias recebeu relatórios da agência com essas informações e
pediu para que a Abin excluísse o seu nome da lista de autoridades avisadas.
Depois, disse que os relatórios não mostravam nenhuma informação relevante. As mensagens alertavam especificamente sobre o risco de ações violentas contra prédios públicos e autoridades.
Além disso, o general também disse que acionou o Plano Escudo, protocolo de defesa do Palácio do Planalto, durante os atos. Na verdade, o GSI só acionou o protocolo depois das invasões. G. Dias também teria mentido ao alegar desconhecimento sobre o uso de dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) nos informes da Abin.
No dia 7 de janeiro, o general recebeu em seu celular um relatório da Abin com dados sobre o aumento do fluxo de ônibus apurados pela ANTT. A referência à agência estava clara na mensagem.
O general também disse que não cabia à Abin o monitoramento dos acampamentos. Esta seria uma atribuição do Ministério da Justiça e da Secretaria de Segurança Pública. A Abin é subordinada ao GSI e tem entre as principais atribuições “avaliar ameaças, internas e externas, à ordem constitucional”.
Ao iniciar o depoimento na CPMI, nesta quinta-feira (31), o general insistiu na versão de que não foi avisado a tempo para uma reação contra os invasores e que não costumava interagir em grupos de WhatsApp.
Fraude em alertas do GSI
O ex-ministro também é suspeito de ter adulterado relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em que constavam que ele teria recebido alertas sobre os riscos de invasão aos prédios públicos no dia 8 de janeiro. À CPMI, G.Dias negou ter fraudado os documentos. Ele disse não considerar correto o envio de informes por grupos de WhatsApp e alegou não ter usado o celular funcional naquele dia. “Não mandei ninguém adulterar nada”, resumiu.
O ex-diretor da Abin Saulo Moura, contudo, apresentou à CPMI imagens que comprovam o envio dos alertas a G.Dias, por meio de aplicativos de mensagem. Em minha avaliação, essa troca de mensagens em aplicativo aberto de celular pessoal, não corresponde à forma de comunicação correta e institucional para transmissão de informações sensíveis sobre segurança nacional”, disse ele.
Ainda sobre os alertas, G.Dias foi além e disse que os alertas de segurança que teve acesso indicavam que as manifestações bolsonaristas convocadas para o dia 8 de janeiro não seriam violentas. O militar também afirmou que as informações repassadas pela Secretaria de Segurança do DF indicavam que a “situação estava sob controle”.
Mais contradições
O ex-ministro-chefe do GSI negou que ordenou ao ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Saulo Moura da Cunha, a remoção de seu nome de relatórios enviados à Comissão Mista de Controle de Atividades de Inteligência (CCAI) e à Procuradoria Geral da República (PGR).
Durante a oitiva de Saulo Moura da Cunha, realizada no dia 1º de agosto, ele disse que Gonçalves Dias determinou que a menção de alertas sobre a gravidade da situação do dia 8 de janeiro de 2023 entregues a ele fosse retirada de um relatório enviado ao Congresso Nacional. Contudo, GDias admitiu que sugeriu que o nome fosse trocado pela instituição do GSI em vez de seu nome próprio.
De acordo com o ex-diretor, a ordem que partiu de GDias não é ilegal e está prevista no regimento da ABIN. No entanto, à época, a relatora da Comissão, Eliziane Gama (PSD-MA), classificou a ordem de arquivamento da informação como absurda. O primeiro relatório foi encaminhado ao Congresso Nacional no dia 20 de janeiro e o segundo foi enviado à Procuradoria Geral da República no dia 8 de maio.
Conforme GDias, ele não mandou ninguém adulterar documento ou retirar o nome dos relatórios. Ele alegou que determinou a Saulo que organizasse as informações que deveriam ser dadas à Comissão Mista de Controle de Atividades de Inteligência (CCAI) dentro de uma lógica única: os alertas com informações de fontes abertas foram passados a um grupo de WhatsApp destinado a órgãos públicos e não com nomes individuais.
Pode tirar meu nome?
“Como eu não integrava os grupos e estava sequer usando um celular público naquele momento e não constava o nome de pessoas no relatório, apenas de órgãos, determinei que as informações fossem padronizadas a fim de responder à CCAI com a verdade.”
A senadora Eliziane, no entanto, apresentou uma mensagem fruto da quebra de sigilo telemático de Saulo Moura da Cunha, datada de 17 de janeiro, em que GDias envia o seguinte pedido ao ex-diretor da Abin: “Pode tirar o meu nome?”. Em resposta, Saulo diz: “Claro, o senhor não era parte da operação”. Eliziane então questionou GDias se ele havia fraudado o relatório.
“Todas as mensagens trocadas com Saulo foram do meu celular particular para o dele. Eu nunca fui usuário de um grupo de Whatsapp”, respondeu o general. De acordo com GDias, ele não integrava o grupo chamado SISP Manifestações, criado em 7 de janeiro de 2023, para alertar diversos órgãos de segurança sobre os possíveis riscos de ataques aos Três Poderes por meio de infiltrados do governo nas manifestações.
O militar acrescentou que conhece Saulo desde 2003 e o convidou para trabalhar no GSI. “O que ele disse aqui [em depoimento à CPMI] é absolutamente a verdade. Eu sugeri que ele tirasse o nome porque no lugar deveria estar o GSI porque não era pessoal, não poderia colocar pessoa física porque o Plano Escudo Planalto, uma vez ativado, existe um acompanhamento pela Coordenação Geral da Análise de risco que determina entrar em contato com órgão de inteligência da PM e a Abin.
Reportagem da CNN
A relatora exibiu um vídeo que reproduzia as imagens vazadas à CNN do Palácio do Planalto de 8 de janeiro. As imagens, exibidas em 19 de abril, mostram GDias dialogando e interagindo com manifestantes bolsonaristas e se convertaram no pivô da demissão do general do GSI.
Eliziane questionou a razão para o militar não ter impedido ou prendido os manifestantes enquanto testemunha os ataques. O motivo dado pelo general foi “que não se apaga uma fogueira jogando gasolina em cima” e que o intuito era demover os depredadores das ações e não aumentar o nível de violência. Fontes, Estadão, Correio do Povo e Congresso em Foco.