Crianças da comunidade Baliza, localizada na Reserva Extrativista Rio Xingu, no município de Altamira, uma área conhecida como Terra do Meio, estão desde dezembro do ano passado sem estudar, porque não tem escola no local. Desde 2019 as aulas vinham acontecendo em condições insalubres em duas cabanas caindo aos pedaços improvisadas pelos próprios moradores, mas a situação chegou a um ponto insustentável.
As cabanas estão em ruínas, não tem carteiras para os estudantes se sentarem, e agora não tem nem merenda escolar e nem professor. Quando ainda se tinha aula, em um dos espaços estudavam nove alunos do 1º ao 5º ano e no outro também nove estudantes do 6º ao 9º ano.
O descaso da prefeitura de Altamira é total, denunciam os beiradeiros, povos tradicionais que vivem às margens do rio e trabalham com o extrativismo do látex e com a pesca. Segundo eles, há cinco anos a Secretaria Municipal de Educação (Semed) promete construir uma escola e nada de sair do papel. “Eles tratam a gente com descaso, ficam enrolando. O que era pra começar a ser construído em dezembro ficou pra janeiro, depois pra fevereiro, e já estamos em março e nada aconteceu. A gente manda mensagem pra eles e sempre dão uma desculpa. Já participamos de várias reuniões com eles, mas sempre eles se comprometiam com uma data e quando chegava a data eles inventavam outro tipo de problema”, conta Maria Patricia Correa Lima, mãe de três crianças que estudavam nestas escolas quando ainda se tinha aulas. Maria também cursou lá o 9º ano e o esposo dela o 4º ano.
Ela explica que nesta comunidade, uma das três reservas extrativistas da região, moram cerca de 10 famílias e estas são as únicas escolas para atender a população. “Nós vivemos em uma área de cerca de cinco milhões de hectares. A gente protege a floresta e vive dela. A gente não desmata, não polui, não mexe com garimpo. Dentro da nossa reserva também tem outras escolas de portas fechadas ou em situação precária. A única que tem uma situação um pouco melhor é a escola do polo, mas o restante tá tudo destruído”, relata Maria.
Segundo a comunidade, de todas as escolas das três reservas extrativistas, nenhuma recebe atenção da prefeitura. “Todas se mantêm por meio do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável (PDRS) do Xingu e por meio de projetos da UFPA e do ICMBIO. Não tem o dedo da prefeitura em nada, nem em um prego sequer que tenha sido batido na parede de uma das escolas”, informa Maria.
Desde dezembro sem previsão de aula
Em um vídeo ela mostra as condições das duas cabanas improvisadas onde funcionavam as escolas. “Será que tem condições de estudar aqui, trazer nossos filhos?! Essa aqui é a escola feita pela própria comunidade em 2019 para receber ensino modular enquanto se construiria uma escola boa, mas até agora não tivemos nenhuma resposta”, diz ela no vídeo. “Em novembro a gente teve uma reunião com a Semed e o órgão nos garantiu que em janeiro estaríamos com a nossa escola pronta. Como a gente tá vendo, nada aconteceu até agora”, conta.
As cabanas foram improvisadas pela própria comunidade para que as crianças não ficassem sem estudar, mas, cansada dessa situação, a população disse que não irá mais fazer reparos no local. “Estamos cansados de fazer escolhinhas provisórias, pedir apoio pra Semed. A gente já fez várias parcerias com eles, mas até agora eles nunca fizeram nenhuma parceria com a gente. Quando a gente telefona pra lá, eles falam que estão em planejamento. Nossos professores ainda nem foram contratados. Já estamos em março e até agora nenhuma noticia de material, de merenda, de escola, de professor, de nada. Nossas crianças estão aqui perdendo aula”, denuncia a mãe.
“É desumano o que a prefeitura de Altamira está fazendo com a gente. E quando os professores reclamam da situação, a Semed demite”, diz Maria.
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A comunidade também reclama que é tratada com desrespeito pelos funcionários da prefeitura. “A gente é super maltratado. Tem pessoas da nossa comunidade que, quando vão lá, são mal recebidas. Eles fecham a cara pra gente, são irônicos”, denuncia Maria. “Não merecemos isso! Nossa Constituição Federal fala que nós temos direito a uma educação diferenciada, onde quer que estivermos, independente de quem somos, indígenas, beiradieros, brancos, loiros, morenos, crianças, jovens ou adolescentes”, avalia.
“Quando ainda se tinha aula, a merenda era péssima! Era só um suco velho com bolacha. Eles não respeitam a nossa merenda tradicional, o nosso modo de vida, nosso calendário, não respeitam nada do nosso cotidiano. Nós temos um modo de viver e isso deve ser respeitado!”, desabafa Maria.
Não tem escola de Ensino Médio
Geralmente a comunidade não segue os estudos até o Ensino Médio porque não há escolas de Ensino Médio na região, que são responsabilidade do Governo do Estado. Ou seja, quem deseja continuar os estudos após o 9º ano precisa se mudar para a cidade. “Quem quiser terminar tem que ir pra cidade ou ficar sem estudar. Nós seguimos assim, sendo tratados com descaso”, desabafa Maria.
O Ver-o-Fato entrou em contato com a Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de Altamira, órgão responsável por garantir o Ensino Fundamental, entretanto até agora não recebeu retorno.
Quanto à oferta de escolas de Ensino Médio na região, o Ver-o-Fato aguarda posicionamento da Secretaria de Estado de Educação do Governo do Estado do Pará.
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