Protegido pelo ECA, ele não pode ser preso, porque cometeu o crime dois dias antes de completar 18 anos
O adolescente apreendido por socar e atirar o filho da namorada, um menino de dois anos, contra a parede, completou 18 anos nesta quarta-feira (3). De acordo com especialistas, ele não pode ser preso porque cometeu a violência enquanto era menor. Por isso, deverá responder por ato infracional.
O rapaz foi apreendido na madrugada de segunda-feira (1º) após confessar ter agredido a criança em casa, no bairro Vila Margarida, em São Vicente, porque ela estava chorando. Conforme apurado pelo g1, o casal passou por audiência de custódia na terça-feira (2) e segue detido. Em decorrência das lesões, a criança sofreu um traumatismo cranioencefálico e, segundo a Santa Casa de Santos, segue internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) sem previsão de alta.
De acordo com Victorya Santana, advogada do pai do menino, ele está em coma induzido e com múltiplas fraturas na região da cabeça. O g1 listou detalhes sobre o caso e o que pode acontecer com padrasto.
Diferença entre ato infracional e crime
No Brasil, os procedimentos do Direito Penal e do Direito da Criança e do Adolescente são diferentes. Enquanto os menores de 18 anos são regidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os maiores respondem pelo Código Penal Brasileiro (CPB). Segundo os advogados Thyago Garcia e Matheus Tamada, ouvidos pelo g1, o adulto que comete um crime está sujeito a penas como reclusão, detenção e multas, entre outros. A prisão pode ser em regime fechado, semiaberto ou aberto, dependendo da gravidade.
Já o adolescente que comete um ato infracional pode ser submetido a medidas socioeducativas, desde advertências até a internação em um estabelecimento educacional. No estado de São Paulo, por exemplo, há a Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Casa).
Punições: adulto x adolescente
A tentativa de homicídio é regida pelo Artigo 121 do CPB, com pena que varia entre seis e 20 anos de reclusão. Como a morte não foi consumada, o Artigo 121 é combinado com o Artigo 14, inciso II, que reduz a pena de um a dois terços. O crime de maus-tratos, por sua vez, é regido pelo Artigo 136 do CPB estabelecendo penas que podem variar de dois meses a um ano, ou resultar em multa. Há o aumento da pena se o ato causar lesão corporal grave ou morte.
Para quem é menor, o ECA estabelece um sistema focado na reabilitação e ressocialização. O infrator pode ser submetido a medidas socioeducativas conforme o artigo 112 do ECA, incluindo advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação.
“A internação, que é a medida mais severa, é aplicada em casos de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, repetição no cometimento de outras infrações graves ou descumprimento repetido e injustificável da medida anteriormente imposta”, disse Thyago.
Em casos de atos infracionais graves, como tentativa de homicídio ou maus-tratos severos: O adolescente deve ser internado; A internação pode durar até três anos; A medida deve ser reavaliada a cada seis meses.
Por que ele não pode ser preso?
No caso do adolescente que agrediu e jogou a criança contra a parede, ele tinha 17 anos quando confessou o crime e foi apreendido. Assim, mesmo se fizesse 18 anos no dia seguinte, as punições seriam inicialmente tratadas de acordo com o ECA. Segundo os advogados, o ECA permite que a medida socioeducativa de internação continue mesmo após o adolescente completar 18 anos, até o limite máximo de 21 anos, desde que isso seja necessário e adequado ao processo de reabilitação do jovem.
“Se, durante o cumprimento da medida socioeducativa, ele cometer novos crimes após completar 18 anos, poderá ser preso e julgado como adulto. Em alguns casos, dependendo da gravidade do crime e do comportamento do infrator, pode-se avaliar a necessidade de medidas de segurança após a maioridade”, afirmou Thyago.
O advogado ressaltou que a apreensão é uma medida provisória e cautelar para adolescentes, parecida com a prisão preventiva para adultos, usada até que a autoridade decida sobre a aplicação de uma medida socioeducativa. “A medida socioeducativa busca a ressocialização do adolescente, enquanto a pena criminal para adultos tem um caráter punitivo e ressocializador, dependendo da pena aplicada”, concluiu ele.
Mãe estava em liberdade provisória
A mãe da criança foi presa em flagrante com mais duas pessoas em 26 de fevereiro de 2024. Na ocasião, PMs viram um homem com um cigarro de maconha acompanhado de duas mulheres com sacolas com doces e outros produtos — não especificados. Os policiais descobriram que os itens haviam acabado de ser furtados de duas lojas do Centro de Santos. Os funcionários dos estabelecimentos, inclusive, reconheceram o trio e afirmaram que eles costumavam cometer o crime na região, mas eram “muito rápidos” e difíceis de deter.
Ana Beatriz foi presa por furto duplamente qualificado e encaminhada à Cadeia Pública Feminina de São Vicente. De acordo com a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), a mulher foi solta em 10 de abril de 2024 após conseguir a revogação da prisão preventiva, através de um habeas corpus. Conforme apurado pelo g1, Ana conseguiu o alvará de soltura com medida cautelar.
Ela deveria cumprir uma série de ordens, como comparecer em juízo quando solicitado, estava proibida de sair da cidade e não poderia estar fora de casa no período da noite e finais de semana — ou seja, ao ser presa na segunda-feira por não proteger o filho, a mãe estava em liberdade provisória por outro crime.
O caso
O adolescente foi apreendido após confessar ter agredido com socos e atirado a criança contra a parede no bairro Vila Margarida, em São Vicente, porque a criança estava chorando. O menino sofreu um traumatismo cranioencefálico grave devido às diversas fraturas na cabeça e está internado em estado grave na Santa Casa de Santos.
A mulher e o padrasto, que é suspeito de ter batido e atirado a criança contra a parede, levaram o menino ao Hospital Vicentino, na cidade onde moram. Ao g1, a advogada do pai da criança, Victorya Santana, contou que, no hospital, a mãe alegou à equipe médica que o filho havia caído da cama enquanto brincava com a irmã — ambos filhos do relacionamento com o cliente.
Ainda de acordo com Victorya, os médicos acionaram a PM logo após os relatos do casal, pois, segundo os profissionais, a versão apresentada não condizia com as lesões no corpo do menino. De acordo com o boletim de ocorrência (BO), obtido pelo g1, o adolescente fugiu da unidade de saúde, mas foi encontrado na subida do viaduto Mário Covas por uma policial que foi avisada sobre o caso.
Traumatismo cranioencefálico
O relatório médico preliminar apontou afundamento de crânio, hematomas generalizados no rosto e outros ferimentos. Ele recebeu um diagnóstico de traumatismo cranioencefálico grave. “Suspeita-se que eles agrediram a criança. Porque, na verdade, ele chegou lá soltando sangue pelo nariz, com metade do crânio fraturado, disse a advogada do pai da vítima.
Segundo o registro da ocorrência, o Conselho Tutelar acompanhou o registro da ocorrência. O caso foi apresentado no 1º Distrito Policial de São Vicente.
Advogada quer internação De acordo com a advogada Victorya Santana, o processo foi desmembrado pelo fato de o adolescente ser menor de idade. Na prática, a mãe da criança será apresentada a um juiz da Vara Criminal, enquanto o infrator será apresentado à Vara da Infância e da Juventude.
O Ministério Público representou pela preventiva de ambos, que seguem detidos por tempo indeterminado. Segundo a profissional, foi possível juntar aos autos imagens de como o garoto chegou ao hospital para comprovar o envolvimento do casal no crime.
“A gente conseguiu juntar as imagens da situação do [nome da vítima] e já estamos tomando providências para diligências futuras”, contou. Segundo ela, ainda não houve pedidos de habeas corpus por parte da defesa dos suspeitos. O desejo é de que o adolescente cumpra pena pelo ato infracional na Fundação Casa.