Em um episódio incomum no Fórum da 4ª Vara do Trabalho de Diadema, São Paulo, o advogado Rafael Dellova causou alvoroço ao dar voz de prisão à juíza Alessandra de Cássia Fonseca Tourinho, acusando-a de “abuso de autoridade” durante uma audiência. O incidente, que ocorreu no último dia 2 de julho, está agora sob investigação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O conflito teve início quando a juíza colhia depoimento da cliente de Dellova e foi interrompida pelo advogado, que impediu a cliente de responder às perguntas da parte contrária. Após a advertência da juíza à reclamante para que prosseguisse com o depoimento, Dellova ameaçou interromper novamente a audiência, o que levou a magistrada a decidir pelo encerramento da sessão e adiamento dos depoimentos.
Neste momento, Dellova procedeu com a voz de prisão, alegando que a juíza estava cometendo abuso de autoridade. A situação provocou grande repercussão e levou à intervenção do CNJ, com um pedido de providências instaurado por determinação do ministro Luis Felipe Salomão, que solicitou à Corregedoria Nacional de Justiça que tomasse as devidas providências.
A OAB-SP, por meio de nota, declarou que está apurando o incidente, seguindo os protocolos de sigilo estabelecidos pelo Art. 72, parágrafo 2 da Lei Federal 8.906/94, que regulamenta a advocacia. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região expressou condenação a qualquer tipo de intimidação ou ameaça contra magistrados e servidores, reafirmando seu compromisso com a segurança jurídica.
Especialistas em direito consultados destacaram a complexidade do caso. Segundo o professor Ulisses Augusto Pascolati Junior, da Universidade Presbiteriana Mackenzie Alphaville, a legislação exige critérios específicos para a configuração de abuso de autoridade, e tais crimes são considerados afiançáveis, não justificando, portanto, a prisão em flagrante de uma juíza, exceto em casos de crimes inafiançáveis, como racismo ou terrorismo, conforme definido pela Constituição Federal.
O incidente levanta questões sobre os limites da atuação de advogados e juízes e o respeito às prerrogativas de cada função dentro do sistema judiciário. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) manifestou apoio à juíza Tourinho, enfatizando a importância da independência judicial e condenando atitudes que comprometam a dignidade do processo legal.
O caso segue em aberto, com as autoridades judiciais e a OAB tomando medidas para investigar e resolver a situação, garantindo que os padrões de conduta profissional sejam mantidos e que incidentes semelhantes sejam prevenidos no futuro.
VÍDEO DA DISCUSSÃO:
A reação ao incidente inusitado no Fórum da 4ª Vara do Trabalho de Diadema reverberou fortemente entre a comunidade jurídica, autoridades e a sociedade civil. O ato do advogado Rafael Dellova de dar voz de prisão à juíza Alessandra de Cássia Fonseca Tourinho gerou um debate amplo sobre as tensões entre as prerrogativas dos advogados e a autoridade dos magistrados.
Prós e contras
Dentro da comunidade jurídica, o episódio suscitou discussões acaloradas. Alguns advogados defenderam a atitude de Dellova, argumentando que ele estava protegendo os direitos de sua cliente em face de um possível abuso de poder. “É fundamental que a advocacia mantenha sua independência e capacidade de atuar sem receio de retaliação, especialmente quando se trata de defender as liberdades fundamentais dos cidadãos”, argumentou um advogado que pediu para não ser identificado.
Por outro lado, muitos juristas e advogados criticaram a ação como desproporcional e inadequada, destacando que existem canais apropriados para relatar e lidar com alegações de abuso de autoridade sem perturbar a ordem da corte. “A sala de audiências não é lugar para teatros ou confrontos que desafiam a etiqueta e a ordem judiciais”, comentou uma advogada veterana em Direito Civil.
O CNJ e a OAB entraram rapidamente em cena, refletindo a seriedade com que o caso foi tratado. O CNJ, através de um pedido de providências, e a OAB, ao investigar a conduta do advogado, mostraram uma postura de não tolerância a atos que possam comprometer a dignidade do Judiciário. “Estes são órgãos que asseguram que os padrões éticos e profissionais sejam mantidos nas práticas jurídicas”, afirmou um professor de Direito Constitucional.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) expressou solidariedade à juíza Tourinho, sublinhando que ataques a magistrados em pleno exercício de suas funções são inaceitáveis. “Defendemos a independência judicial como pilar central da democracia. Atitudes que comprometam essa independência merecem repúdio e devem ser tratadas com a máxima seriedade”, declarou o presidente da AMB.
Percepção pública
O público em geral também reagiu ao caso, muitas vezes expressando confusão e preocupação com a integridade do sistema judicial. A visibilidade do incidente trouxe à tona questões sobre a transparência e a responsabilidade dentro do Judiciário, com muitos cidadãos pedindo esclarecimentos sobre como tais situações são habitualmente gerenciadas.
Este caso poderá ter implicações duradouras na forma como os confrontos entre advogados e juízes são percebidos e geridos, possivelmente levando a mudanças nas práticas de treinamento para ambas as profissões e ajustes nos protocolos de conduta em sala de audiência. Adicionalmente, ele serve como um lembrete crucial da necessidade de diálogo contínuo e respeito mútuo entre todos os profissionais do sistema judiciário para manter a confiança pública na justiça.