O maior trabalho dos procuradores de justiça e relatores das carradas de processos que promotores de justiça mandaram para o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) do Pará apreciar, durante a sessão de ontem, e decidir se arquivariam ou davam andamento, foi enterrar casos que envolvem suspeitas de lesões aos cofres públicos. A cova da prescrição, larga e profunda, estava aberta e, na imensa maioria dos casos, infelizmente não poderiam agir de outra forma, sob pena de confrontar a lei.
E durante as mais de 6 horas de sessão, esqueletos de procedimentos alimentados pela prevaricação – praga que infesta o serviço público em diversos setores impedindo-o de livrar-se da corrupção e do desvio de verbas – foram sepultados aos montes. Havia casos com mais de 20 anos, ocorridos em governos passados, que tiveram de ser arquivados sem dó nem piedade.
O destaque da modorrenta sessão de arquivamentos foi o procurador de Justiça Hamilton Salame, que viu e se assustou com algumas aberrações que não poderiam passar em branco, porque fortalecem o sentimento de impunidade. Outro procurador que trilhou o mesmo caminho foi Waldir Macieira.
A primeira aberração foi o roubo de 60 computadores da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), em 2015, durante a gestão tucana. No processo em que constava o pedido de arquivamento do sumiço de computadores havia também a “farra das diárias”, segundo Salame. O roubo foi apurado em auditoria, o autor identificado, mas iria ficar impune, não fosse o olhar implacável de Salame na proteção aos cofres públicos.
“É um arquivamento que não merece ser homologado”, afirmou Salame em seu voto, acolhido à unanimidade. O procurador converteu em diligências o pedido de arquivamento. Trata-se de um caso de peculato, crime no qual o servidor público obtém vantagem para si ou para outrem em detrimento da coisa pública. Salame passou a bola para um promotor da improbidade, que deverá solicitar e receber cópias das diligências que irá requerer à Sejudh.
A segunda aberração envolve o ex-vereador Mário Corrêa. O relator do caso, procurador Waldir Macieira, cita que o vereador como incurso nos crimes de improbidade administrativa e dano ao erário. Trata-se de apropriação de salaŕios de dois assessores, quando Corrêa atuava como vereador da Câmara Municipal de Belém.
Uma das assessoras alegou que nunca trabalhou na Câmara e que teve seu nome usado pelo irmão, que também seria servidor “fantasma” lotado no gabinete de Corrêa. “Infelizmente, a punição prescreveu”, disse Macieira, que não homologou o arquivamento, pois a apropriação envolve ressarcimento ao erário. Resumo: um promotor terá de abrir ação de ressarcimento ao erário contra o ex-vereador.
A terceira aberração – e a segunda relatada por Hamilton Salame – se refere a uma caso ocorrido há 24 anos, ou seja, em 1996, quando era presidente da antiga Ctbel, hoje Semob, a senhora Marlene Vasconcelos, contra quem corria processo de apropriação de R$ 192 mil do órgão. Ela foi exonerada do cargo em dezembro daquele ano, mais de cinco depois do cometimento do suposto crime.
O prazo para a ação penal já estaria prescrito, mas Salame obteve a informação de que em 2008 o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) havia condenado Marlene a devolver o dinheiro. Por outro lado, a Procuradoria Geral do Município também informou ter ingressado com ação de ressarcimento. No MP, porém, o caso está arquivado.
Imoralidade
A prescrição de casos que envolve desvio de recursos públicos, na verdade, é uma excrescência que precisa ser combatida. Sobretudo os fatores que demandam para essa prescrição: má vontade em apurar, PADs mal feitos, desídia e conivência de servidores públicos. É um corporativismo doentio e danoso à própria sociedade.
O velho e já falecido Ullisses Guimarães dizia, com muita sabedoria: “Ou mudamos este país ou seremos mudados”.
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