O governador Helder Barbalho anunciou com grande estardalhaço na mídia brasileira – que nem sequer o questionou sobre detalhes da transação, reproduzindo sem piscar a propaganda governamental – que está vendendo no mercado internacional R$ 1 bilhão em créditos de carbono para supostamente proteger a Amazônia da devastação e das queimadas, além de outros danos ambientais.
Alega Helder que parte desse dinheiro será investido nas comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas, as maiores impactadas por crimes ambientais. Porém, o governador não disse como, nem quando e em quais terras e suas localizações, esses créditos de carbono estão sendo vendidos e nem quem os está comprando. Diante de tanto mistério, inclusive sobre as tratativas com os compradores, algumas questões precisam ser publicamente esclarecidas. É o desafio que faço ao sr. Helder Barbalho.
Antes de tudo, vale ressaltar que o Pará lidera os índices de queimadas no Brasil e o governo estadual não faz seu dever de casa em proteger as florestas, combatendo os incêndios e crimes ambientais. A pergunta que deve ser feita a Helder é: como ter credibilidade para negociar créditos de carbono em meio a tantos problemas que sequer são resolvidos?
Outra pergunta: compradores de créditos de carbono bem intencionados iriam fechar um negócio desses, sabendo que terão problemas mais tardes se as causas que impactam a Amazônia, particularmente o Pará, não estão sendo combatidas, nem pelo governo federal, nem pelo governo estadual?
A venda de créditos de carbono pelo governo do Pará, embora promissora no papel, levanta diversas questões importantes que precisam ser tratadas com transparência e profundidade.
Pontos da discussão: transparência e incoerência
A ausência de informações detalhadas sobre as áreas onde os créditos estão sendo gerados, os compradores envolvidos e o cronograma de investimento nas comunidades afetadas gera desconfiança. A transparência é fundamental para garantir a legitimidade e a efetividade de qualquer iniciativa ambiental.
A liderança do Pará em índices de queimadas e a falta de ações efetivas do governo estadual para combater os incêndios e proteger as florestas criam uma contradição evidente. A venda de créditos de carbono, nesse contexto, pode ser vista como uma tentativa de capitalizar sobre a crise ambiental, sem resolver as causas profundas do problema. A obtenção de dinheiro internacional não pode estar acima de ações efetivas para enfrentar os problemas na raiz.
Compradores de créditos de carbono bem intencionados buscam projetos que gerem impactos ambientais positivos reais e duradouros. A falta de transparência e a incoerência entre o discurso e a prática podem prejudicar a reputação do Pará e dificultar a atração de novos investimentos.
Além disso, a promessa de investir parte dos recursos nas comunidades tradicionais é louvável, mas a falta de detalhes sobre como esses investimentos serão realizados levanta dúvidas sobre a efetividade dessa medida. É fundamental garantir que os recursos cheguem aos destinatários finais e que sejam utilizados para promover o desenvolvimento sustentável dessas comunidades.
Os riscos em jogo
A falta de transparência e a incoerência entre o discurso do governador e sua prática podem minar a credibilidade do Pará no mercado internacional de créditos de carbono, dificultando a realização de novos negócios e a captação de recursos para a conservação ambiental.
Investidores estrangeiros e empresas socialmente responsáveis tendem a evitar projetos que apresentam riscos de greenwashing e que não demonstram um compromisso genuíno com a sustentabilidade. Para quem não sabe, greenwashing é uma estratégia de marketing em que uma empresa ou organização tenta criar a falsa impressão de que suas práticas ou produtos são ambientalmente sustentáveis ou ecologicamente corretos, quando, na verdade, não são.
Isso pode incluir exagerar, distorcer ou mentir sobre as ações ambientais realizadas, com o objetivo de melhorar sua imagem perante os consumidores que valorizam a sustentabilidade. O termo é uma junção de “green” (verde, simbolizando o meio ambiente) e “whitewashing” (encobrimento ou mascaramento de práticas prejudiciais).
E mais: se os recursos não forem utilizados de forma transparente e eficiente, as comunidades tradicionais podem não se beneficiar da venda dos créditos de carbono, perpetuando as desigualdades sociais e ambientais.
Ou seja, a falta de ações efetivas para combater as causas profundas do desmatamento e das queimadas pode comprometer os esforços de conservação da Amazônia e gerar resultados ambientais negativos a longo prazo.
A venda de créditos de carbono pelo Pará representa uma oportunidade única para gerar recursos para a conservação ambiental e o desenvolvimento sustentável. No entanto, para que essa iniciativa seja bem-sucedida, é fundamental que o governo estadual adote medidas para aumentar a transparência, fortalecer as ações de combate ao desmatamento e garantir que os recursos gerados sejam utilizados de forma eficiente e equitativa.
É preciso que o governo do Pará responda, sem fugir do debate, às seguintes perguntas:
Quais áreas específicas estão sendo utilizadas para gerar os créditos de carbono, arrecadando R$ 1 bilhão?
Como a qualidade e a quantidade dos créditos estão sendo verificadas?
Quais são os critérios utilizados para selecionar os compradores?
Como os recursos serão distribuídos entre as comunidades tradicionais?
Quais são as metas de redução do desmatamento e como elas serão monitoradas?
Quais são as ações concretas que estão sendo implementadas para combater os incêndios e proteger as florestas?
Por fim, somente com respostas claras e transparentes a essas perguntas será possível avaliar a legitimidade e a efetividade da venda de créditos de carbono no Pará e garantir que essa iniciativa contribua para a conservação da Amazônia e o bem-estar das comunidades locais.