Em sessão realizada ontem, (27), o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu por arquivar o pedido de abertura de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) pelo crime de racismo cometido pelo procurador Ricardo Albuquerque.
O julgamento desse processo começou em março deste ano e foi adiado por 8 vezes. Em novembro de 2019, durante uma atividade com estudantes na sede do Ministério Público do Pará, o procurador proferiu declarações racistas contra indígenas e quilombolas ao afirmar, entre outras declarações, que não teria “dívida nenhuma com quilombolas” por que não ele não tinha um navio negreiro e que “problema da escravidão aqui no Brasil foi porque o índio não gosta de trabalhar”. Após a repercussão dos fatos, o Procurador se justificou e argumentou que se tratava apenas de um debate acadêmico e que por sua índole profissional não deveria ser punido.
No entendimento de sete conselheiros do CNMP, as declarações do procurador se justificam pela “liberdade de cátedra”, e por terem sido proferidas em um ambiente com poucas pessoas não se enquadram no crime de racismo.
Assessora jurídica da Terra de Direitos, Maíra Moreira avalia que o argumento de que o Procurador de Justiça estaria protegido pela liberdade de cátedra não possui qualquer correspondência com os fatos. “À época o Ouvidor foi convidado a fazer exposição na condição de membro do Ministério Público. Além disso, caso estivesse de fato em exercício de cátedra, essa liberdade não é absoluta, ela precisa conviver com o sistema de direitos que protege os grupos étnicos-raciais minoritários e o direito de não sofrerem discriminação justamente pelo ator institucional responsável por sua escuta”, analisa.
Vercilene Francisco Dias, assessora jurídica da Terra de Direitos e da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), lamenta a decisão: “ Isso só reflete como o sistema de justiça age para legitimar discursos racistas e discursos de ódio contra a população negra e população vulnerabilizada”, avalia.
Os votos contrários foram apresentados pelos conselheiros Marcelo Weitzel Rabello de Souza, Luciano Nunes Maia Freire, Sandra Krieger, Silvio Roberto Oliveira de Amorim Junior, Oswaldo D’Albuquerque e Fernanda Marinela. Em março, o relator do caso, Rinaldo Reis, tinha votado pela instauração do PAD, mas voltou atrás nesta terça-feira e também votou pela isenção do procurador Ricardo Albuquerque.
Apenas os conselheiros Sebastião Vieira Caixeta e Humberto Jacques de Medeiros votaram pela instauração do procedimento administrativo. Em seu voto, Caixeta reforçou: “Reiteramos que a liberdade de cátedra não autoriza a manifestação preconceituosa do Ministério Público”.
Nenhum dos conselheiros do CNMP é negro.
Representação
O julgamento é resultado de uma reclamação disciplinar apresentada em dezembro passado pela Conaq, pela Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará (Malungu), pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e por um conjunto de entidades como a Terra de Direitos e os Coletivos Margarida Alves de Assessoria Popular, Antônia Flor e o Coletivo Jurídico da Conaq Joãozinho de Mangal.
Pedro Martins, assessor jurídico da Terra de Direitos, lembra que o CNMP é responsável por julgamentos de conduta como de Procuradores como Deltan Dallagnol e Diogo Castor de Mattos, e que a instituição vem assumindo um papel fundamental para a observância da ética na atuação do Ministério Público. “Nosso sistema de Justiça tem o MP como peça chave e por isso discuti-lo é inevitável se queremos acesso à Justiça. Se o CNMP chancelar condutas antiéticas e racistas, estará reforçando obstáculos para o acesso Justiça pela população negra e povos Indígenas”, destaca.
Em nota, as entidades responsáveis pelo pedido criticaram a decisão e os argumentos apresentados pelos conselheiros para a negativa da abertura de um processo. “ A liberdade de expressão e o direito de cátedra não podem ser o esteio para manifestações racistas e de discriminação de determinados grupos sociais, neste caso indígenas e quilombolas”, reforçam. E alertam: “a impunidade e falta de uma resposta institucional adequada são formas de promoção e justificação do racismo”.
No documento, as organizações destacam que uma das principais consequências do discurso racista do procurador Ricardo Albuquerque é “desonerar o Estado da obrigação de implementar direitos fundamentais da população negra, legitimando a falta de compromisso do Estado através de discursos que negam o racismo e culpabilizam a população negra pelos resultados de um sistema de desigualdade racial”.
O texto também avalia que esse tipo de decisão reflete a estrutura do próprio Poder Judiciário. No Censo da Magistratura Brasileira de 2018, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça, mais de 80% dos entrevistados se declararam brancos, e apenas 18% negros. Ou seja: apesar de mais da metade da população brasileira ser negra, 4/5 de juízes e procuradores são brancos.
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