O presidente da Associação dos Remanescentes de Quilombos das Comunidades da Balsa, Turiaçu, Gonçalves e Vila Palmares do Vale do Acará, José Joaquim Pimenta, acusou a empresa Agropalma S.A. de tentar incriminar os moradores e de impedi-los de sustentar suas famílias, negando a eles, através da força e da humilhação, o acesso à pesca no Rio Acará e à caça na região em conflito.
Os quilombolas ocupam há décadas uma área da Fazenda Roda de Fogo, doada a eles pelo antigo proprietário da terra e a Agropalma, apesar de não ter documentação legal da propriedade, se diz dona da área. Já foi comprovado que os títulos em poder da empresa são falsos e expedidos por um cartório fantasma.
A lentidão da Justiça e do Instituto de Terras do Pará (Iterpa) em resolver a questão, acaba favorecendo a empresa, que tem grande influência junto ao atual governo. Enquanto a situação é empurrada coma barriga, um acordo entre as partes foi homologado e reiterado pela Vara Agrária de Castanhal, mas de nada adiantou.
No dia 24 de junho último, a Agropalma entrou na Vara Agrária com mais uma ação de reintegração e manutenção de posse contra a associação quilombola, acusando os moradores de quebrarem o acordo e de entrarem clandestinamente na área em litígio, portando armas de fogo.
Segundo a ação, no dia 22 de junho deste ano, agentes de segurança da Agropalma avistaram dois membros da associação acampados na área de reserva legal de responsabilidade da empresa, alguns metros distantes das margens do Rio Acará. E que ao realizarem a abordagem, identificaram que os dois haviam acendido uma fogueira e um deles portava arma de fogo.
Afirma a empresa na ação que uma espingarda, calibre 28, estava em poder do senhor Messias, que teria se negado a entregar a arma para os seguranças. Ocorre que, segundo Joaquim Pimenta, os dois homens acusados são caçadores, por isso portavam uma espingarda.
Em seguida, diz a empresa, os dois moradores voltaram ao Rio Acará para realizar a pesca e a arma apreendida foi apresentada à autoridade policial, que fez um boletim de ocorrência. A empresa diz ainda que os dois moradores “ingressaram na área pelo Rio Acará, sem que o acesso fosse realizado pelo ponto de controle da Agropalma, configurando a entrada clandestina”.
O presidente da associação nega o fato, afirmando que os dois quilombolas passaram pela guarita montada pela empresa. “A Agropalma faz hoje tudo o que ela puder para tentar incriminar os membros da comunidade”, afirma Pimenta.
A empresa alega na ação que outra apreensão de armas de fogo foi feita pelos seus seguranças, em área de reserva legal. “Mais uma vez, os cidadãos que portavam as armas de fogo, se identificaram como membros da ARQVA, de nomes João Batista Pereira Soares e Aroldo dos Santos, e já haviam matado um tatu, com possível caracterização de crime ambiental”, prossegue a ação.
Os quilombolas alegaram que estavam autorizados a caçar no local, por força do acordo celebrado entre a Agropalma e a associação na Vara Agrária. “Contudo, os cidadãos não ingressaram na área pela guarita de controle da Agropalma, apesar de seus respectivos nomes estarem cadastrados na listagem apresentada pela associação, demonstrando a clandestinidade do ingresso”, sustenta a empresa.
Para a empresa, “nos termos do acordo, não se observa qualquer cláusula que autorize a caça nas áreas de posse da Agropalma, especialmente praticada de forma clandestina, com armas de fogo, ainda mais quando os cidadãos não possuem o regular porte de arma de fogo”.
Na ocasião, foram apreendidas duas espingardas, uma de calibre 28 e outra de calibre 32, além de cinco cartucho intactos, calibre 28; um cartucho intacto, calibre 32; quatro armadilhas tipo bufet, sendo três armadas e uma em posse dos caçadores. Todo o material foi apresentado à polícia e foi feito outro boletim de ocorrência.
Após a apreensão, o presidente da associação quilombola, Joaquim Pimenta, entrou em contato com representantes da Agropalma requerendo a liberação do material apreendido, defendendo que os moradores estavam praticando caça de subsistência, o que fora acordado entre as partes. A empresa alega, entretanto, que “em momento algum se anuiu com a prática de caça em área de posse da Agropalma, muito menos quando ocorrida de forma clandestina, com a entrada de pessoas sem identificação nos pontos de controle”.
A empresa cita ainda que recentemente um colaborador da Agropalma foi vitimado por armadilha do tipo bufet, semelhante a encontrada com os moradores. E garante que “está na posse destas áreas há décadas e jamais presenciou fatos semelhantes ao ocorrido de forma reiterada em uma semana, lamentando que tais atos pareçam ser tentativas de escalonar um conflito de forma desnecessária e irresponsável”.
Por fim, a Agropalma pede ao Juízo que intime a associação para apresentar manifestação sobre os fatos narrados, bem como que determine o cumprimento de todas as obrigações assumidas no acordo, de modo liminar e imediato, e se abstenha de praticar atos de degradação ambiental, como extração vegetal, fogueiras, instalação de artifício de caça e práticas de caça, dentre outros, além de proibir a entrada dos moradores na área.
Liderança desmente empresa
O presidente da associação quilombola disse ao Ver-o-Fato que participou de uma audiência no dia 3 do mês passado para reforçar o acordo criado pelo juiz no início do ano. O primeiro acordo estabelece que não se poderia mudar o status da terra e que nem a comunidade, nem a Agropalma poderiam fazer nada na área.
“Fomos chamados para o segundo acordo e o juiz insistiu que a Agropalma tinha liberdade de fazer uma torre dentro da área e que a associação deveria permitir. Foi um balde de água fria em cima da comunidade, porque o nosso objetivo era impedir que isso acontecesse, mas o juiz insistiu e ficou assim”, afirmou Joaquim Pimenta.
Só que em contrapartida, segundo o líder quilombola, a Agropalma retiraria as placas proibindo a caça e a pesca na área. “O juiz deixou bem claro que a Agropalma não tem poder de polícia e não pode apreender os instrumentos de caça e pesca dos comunitários, muito menos proibir o direito de ir e vir das pessoas para acessarem o rio e a mata”, ressaltou Pimenta.
Após a audiência, foi feita uma nova listagem para deixar os nomes dos moradores em um cadastro nas mãos da empresa, expondo a identidade de todos. “Eu ainda alertei o juiz que com os nomes em posse da empresa, qualquer coisa que ocorresse dentro da área a Agropalma tinha a possibilidade de incriminar qualquer um morador, o que de fato aconteceu”, afirmou.
Pimenta disse ainda que a versão apresentada pela Agropalma não é verdadeira. “Seis comunitários foram pescar e oito seguranças da empresa foram atrás deles, tomaram as espingardas e os equipamentos, humilharam os quilombolas e trouxeram eles escoltados do rio até a portaria. No processo, eles (seguranças) estão alegando que os quilombolas não haviam passado na portaria, mas eles tinham passado sim”, explicou.
O líder comunitário destacou que ficou claro no acordo que os quilombolas não podem ser impedidos de caçar e pescar, porque é de onde eles tiram o sustento das família deles e têm esse direito. “Mas o juiz não botou isso no papel, porém, mandou que a empresa tirasse as placas proibindo a pesca e a caça, mas a empresa não tirou. A Agropalma não está cumprindo o acordo”, reforçou.
Na avaliação do presidente da associação dos quilombolas, “toda essa tentativa da Agropalma de incriminação da comunidade é para desestabilizar nossa luta e tirar o direito dos quilombolas de tirarem o próprio sustento. São dezenas de seguranças armados com guaritas flutuantes no rio para impedir os quilombolas de pescar e trafegar e de ter acessibilidade ao rio”, completou..
Veja vídeos de bloqueio da estrada por seguranças: