Evocando o argumento de “constituição de um núcleo familiar”, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou condenar um homem acusado de estupro de vulnerável de uma menina de 12 anos, que engravidou. Seguindo o voto do ministro Reynaldo Soares, a maioria do colegiado entendeu que o caso era de “dois jovens namorados” e agora envolve uma criança – o filho – “que é a prioridade absoluta do sistema brasileiro”. “A vida é maior do que o direito”, indicou o relator.
O placar do julgamento, realizado na terça-feira, 12, foi de três votos a dois. Acompanharam o relator os ministros Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik. A ministra Daniela Teixeira divergiu e foi acompanhada pelo presidente da Turma Messod Azulay Neto. Ela argumentou que no caso não existe uma família: “quando uma mulher apanha, uma criança de 12 anos é submetida a conjunção carnal, nós temos um antro de violência e não uma família”.
O caso em questão começou a ser analisado no plenário virtual do STJ. A discussão passou para sessão plenária após um pedido de destaque da ministra Daniela Teixeira. Os ministros julgaram um recurso que o Ministério Público de Minas impetrou contra decisão do Tribunal de Justiça estadual que derrubou condenação imposta ao acusado em primeiro grau.
O caso em questão envolve um homem de 20 anos que manteve relações sexuais com uma menina de 12 anos. Eles são de Araguari, cidade de 109 mil habitantes localizada no Triângulo Mineiro. Reynaldo Soares indicou que os dois “namoraram e moraram juntos, mantendo uma união estável e tendo um filho”. Segundo o relator, o casal não está mais junto, “mas o pai continua dando assistência para a criança”.
A ministra Daniela Teixeira destacou que os dois ficaram juntos por três meses quando foi descoberta a gravidez e houve a expedição de medidas protetivas em favor da menina, vez que a criança fugiu da casa do rapaz e foi pedir ajuda para a avó. Ainda de acordo com a ministra, o homem era amigo de um primo da menina, que morava na mesma casa. Ele tirava a menina da escola para que pudessem se encontrar, indicou Daniela.
No julgamento, Reynaldo Soares sustentou que o Tribunal de Justiça de Minas reconheceu “erro de proibição”, o que justificou a derrubada da condenação do acusado. De acordo com o ministro, a jurisprudências e os precedentes do STJ são no sentido de que a Corte não pode rever o reconhecimento de “erro de proibição”.
“Quero reafirmar a defesa intransigente com os direitos da criança no sentido de que criança menor que 14 anos não foi feita para namorar, foi feita para brincar, para ir para a escola. Só que a vida é maior do que o direito. A antecipação da adolescência, da fase adulta, não pode acarretar um prejuízo maior para aqueles que estão envolvidos e para uma criança que é a prioridade absoluta do sistema brasileiro. Agora temos uma criança”, afirmou.
“Excepciono situações em que a vida é maior do que o direito em que crianças de 12 anos tenham união estável e dessa união nasçam crianças. Aí eu dou prioridade absoluta para o Estatuto da Primeira Infância. A criança tem prioridade absoluta nesse sentido”, seguiu.
O caso concreto revela que a conduta imputada, embora formalmente típica, tipo de ameaça ou violência, ainda que presumida, mas um exame apurado revela que a conduta imputada não constitui infração penal haja vista a ausência de relevância social e de efetiva vulneração ao bem jurídico tutelado.
“Dois jovens namorados”
Segundo Soares, o caso é de “dois jovens namorados, não de um coronel e um capitão, cujo relacionamento foi aprovado pela mãe – que depois se desentendeu com o rapaz – sobrevindo um filho e a constituição de um núcleo familiar”. O ministro argumentou que há “particularidades que impedem o julgamento do caso, sendo necessário proceder com distinção”.
“A condenação do réu, que não oferece nenhum risco à sociedade, ao cumprimento de pena elevada – 8 anos – revela uma completa subversão do direito penal em afronta aos direitos fundamentais, em rota de colisão direta com o princípio da dignidade humana”, sustentou.
Ao divergir, a ministra Daniela Teixeira ressaltou que o nome do relacionamento mantido entre o homem e a menina é estupro de vulnerável. “Não temos no presente caso uma família, menos ainda uma família a ser protegida pelo poder judiciário. Quando uma mulher apanha, uma criança de 12 anos é submetida a conjunção carnal, nós temos um antro de violência e não uma família”, frisou.
Segundo a ministra, é “pouco crível” que o acusado não tivesse conhecimento da ilicitude de sua conduta, vez que ele conhecia a família da menina e tinha conhecimento da idade dela.
“Não se pode racionalmente aceitar que um homem de 20 anos tivesse relação sexual com uma menina de 12 anos. Ser matuto não exclui atipicidade do estupro de vulnerável. Estamos falando de uma criança agredida, com relação sexual, de onde veio uma gravidez, que é uma segunda agressão. Uma menina que tinha uma vida inteira pela frente, aos 12 anos de idade, corre sério risco de vida ao levar essa gravidez adiante. E levando, corajosamente, terrivelmente ou tragicamente, tem sua vida praticamente ceifada. É uma violência inominável e inadmissível”, ressaltou. (AE)