Erivaldo Costa Vieira – professor de economia *
Recentemente, assistimos a uma queda substancial no número de crimes patrimoniais. Infelizmente, essa queda foi consequência das medidas de isolamento social necessárias ao combate da pandemia do coronavírus. Vimos que diferente dos crimes passionais (alguns cresceram), os crimes patrimoniais são de oferta (oportunidade). A oferta cria sua demanda, uma restrição na oferta reduz a demanda.
Será que existem políticas de segurança pública de curto prazo capazes de manter ou reduzir ainda mais os crimes patrimoniais? Essa resposta é difícil. Além das dificuldades inerentes à complexidade do assunto, os próximos meses deverão ser de forte restrição orçamentária, consequência da elevação dos gastos públicos em saúde e da queda na arrecadação devido ao fraco desempenho econômico, e a redução do crime envolve sempre custos elevados.
No campo de estudo da economia conhecido como “Economia do Crime”, as pesquisas são orientadas pela lógica da eficiência no sentido de que o custo da redução do crime não supere os benefícios. No jargão econômico, buscam-se políticas públicas de alta elasticidade, com maior potencial de impacto na redução da criminalidade.
Vamos imaginar como seria o mundo ideal, uma sociedade sem crimes. Se a criminalidade não existe, esta sociedade não gastaria com segurança, polícia, judiciário, penitenciárias e armas. A renda dessa sociedade poderia ser totalmente destinada ao consumo e à produção de outros bens voltados para alimentação, lazer, transporte, etc.
Assim, essa sociedade seria mais feliz, mais rica e produtiva. Todos os recursos e pessoas estariam direcionados para a produção de bens. Agora, vamos inserir a figura do criminoso, a sua existência geraria custos com a perda direta de parte do patrimônio, a perda da paz, a perda de vidas, trazendo no pacote sentimentos negativos de insegurança. Nessa etapa, essa sociedade estaria triste, mais pobre e a produção, menos eficiente. Esse é o custo do crime para a sociedade.
Para evitar essas perdas, a tal sociedade se disporia a comprometer parte de sua renda no combate ao crime, empregando um conjunto de instrumentos e pessoas para diminuir suas perdas. Nesse terceiro momento, a sociedade estaria um pouco mais feliz, um pouco mais rica, o bem-estar social foi melhorado, assim como a produtividade.
Essa breve história tem a finalidade de lembrar que existe um objetivo econômico e social no combate ao crime e que tais ações, deixam marcas e geram custos econômicos e sociais.
Podemos avançar em nossos exemplos e imaginar uma sociedade sem crime por ter empregado parte significativa de seus recursos no combate à criminalidade. A consequência desta ação é o aumento da pobreza da sociedade, pois a quantidade de bens produzidos diminuirá, já que parte dos recursos antes destinados à produção estará agora empregado na força de segurança, que não se encarregará de produzir novos bens. Então, o custo que antes se pagava pela existência do crime passou a corresponder ao custo de manter a sociedade segura, a sociedade volta assim a ficar pobre.
O exemplo acima procura ilustrar que o melhor dos mundos em uma sociedade é a não existência do crime. Na impossibilidade dessa realidade, a melhor política é evitar a ocorrência do crime e suas consequências como perda de vidas, custos judiciários, penitenciárias, gastos no sustento do criminoso preso, etc. As políticas de aumento no número de prisões, aumento na probabilidade de aprisionamento e aumento nas condenações, embora eficientes na redução da criminalidade em alguns contextos, têm como contrapartida imediata um aumento significativo e duradouro dos custos para sociedade. É importante destacar ainda que, para o combate ao crime surtir efeito, é necessária a existência de duas políticas complementares entre si: a política da dissuasão e a política da punição.
O que devemos ponderar é a proporção de gastos em cada uma das políticas para um uso mais eficiente dos recursos da sociedade.
O aumento dos gastos com reaparelhamento da polícia, contratação de novos policiais, redistribuição inteligente do efetivo, aumento da visibilidade e da comunicação policial geram reduções substanciais na ocorrência de crimes. Estudos recentes indicam que um aumento em 1% nos gastos com o policiamento resulta na redução de 0,3% a 2% na criminalidade, a depender do tipo de crime. Enquanto para cada 1% de aumento no aprisionamento a redução no crime fica entre 0,1% a 0,4%, sendo que o encarceramento produz custos presentes e futuros.
Várias pesquisas no campo da sociologia confirmam o conhecimento popular que afirma que “os presídios são a escola do crime”. Nas prisões são formadas as redes de relacionamento do mal, potencializando o aparecimento de crimes futuros.
Algumas cidades não tiveram êxito na redução do crime apenas com o aumento no efetivo policial. O surgimento de um policiamento proativo começa a fazer mais sentido à medida que as experiências se tornam bem-sucedidas. Uma mudança estrutural na forma de agir e aparelhar a polícia, com o uso de inteligência e base de dados, para direcionar o maior número de policiais para as áreas de maior criminalidade. O policiamento, neste sistema, procura se aproximar das comunidades para identificar locais e comportamentos latentes que possam induzir ao crime.
São muitas as experiências positivas e os estudos sobre o assunto. Por isso, para aprofundamento sobre o tema sugiro a leitura de uma revisão recente da literatura de Tiago Ivo Odon, em seu artigo “Segurança pública e análise econômica do crime”: https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/552754.
Este artigo foi publicado originalmente no Boletim Econômico Tracker-FECAP, que analisou ocorrências de roubos e furtos de automóveis, caminhonetes, camionetas e utilitários (inclusive os SUVs) no Estado de São Paulo, a partir dos boletins de ocorrência registrados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.
- Erivaldo Costa Vieira, professor do Departamento de Pesquisas em Economia do Crime da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap)
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