A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu mais tempo ao Supremo Tribunal Federal (STF) para reunir e compartilhar a lista de investigações em curso em todo o País. Essa foi uma exigência dos ministros no julgamento que chancelou a implementação do juiz de garantias.
A questão envolve muitos casos de corrupção, fraudes e desvio de dinheiro público, inclusive durante a pandemia de Covid. No caso do Pará, há dois anos que a PGR não dá qualquer notícia sobre que fim levaram as investigações – duas, aliás, uma sobre os mais de 400 respiradores comprados da China que nunca funcionaram e tiveram de ser devolvidos, além da aquisição de milhares de bombas de infusão para utilização em hospitais do estado – sobre operações da Polícia Federal envolvendo figurões do governo Helder Barbalho, inclusive o próprio governador.
Vale lembrar que nessa atuação da PGR – leia-se a subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo, hoje afastada do caso por problemas de saúde, recuperando-se de cirurgia feita nos Estados Unidos – em conjunto com a PF, o relator do caso, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao mandar policiais federais cumprirem mandados de busca e apreensão no Palácio do Governo, definiu Helder Barbalho como suposto líder da organização criminosa.
A ordem de Falcão ocorre na abertura da Operação SOS, em setembro de 2020. O ministro citou “‘robustos indícios da anuência e participação’ do governador Helder Barbalho (MDB) em esquema criminoso dedicado a desvios de recursos da Saúde destinados a contratação de organizações sociais para gestão de hospitais públicos do Pará, dentre eles os hospitais de campanha para o combate à pandemia do novo coronavírus”.
Na ocasião, a PF vasculhou o gabinete de Helder no Palácio dos Despachos e ainda prendeu dois de seus secretários de Estado e um de seus assessores de gabinete. Ao todo, foram cumpridos 76 mandados de prisão – levando em consideração a Operação Raio X, diretamente ligada à S.O.S.
A decisão de Francisco Falcão acolheu uma representação da Polícia Federal que foi parcialmente referendada pela subprocuradora-geral da República Lindôra Maria Araújo. Os pedidos se deram no âmbito de investigação que apura a participação do governo do Pará em ‘esquema criminoso especializado na fraude de licitações e desvio de recursos públicos da saúde’, que configuraria em tese, a prática dos crimes de organização criminosa, corrupção passiva e ativa, fraude à licitação, peculato e lavagem de dinheiro.
No pedido enviado à Francisco Falcão, as autoridades policiais registraram ainda a possibilidade de Helder Barbalho exercer função de liderança no grupo criminoso, ‘com provável comando e controle da cadeia delitiva’.
“As investigações indicam que o governador do estado do Pará, Helder Barbalho, tratava previamente com empresários e com o então chefe da Casa Civil Parsifal Pontes sobre assuntos relacionados aos procedimentos licitatórios que, supostamente, seriam loteados, direcionados, fraudados, superfaturados, praticando prévio ajuste de condutas com integrantes do esquema criminoso e, possivelmente, exercendo função de liderança na organização criminosa, com provável comando e controle da cadeia delitiva, dado que as decisões importantes acerca dos rumos da organização criminosa lhe pertenciam”, registra trecho transcrito na decisão que autorizou a S.O.S.
As investigações encontraram ‘indícios veementes’ de ilicitudes em 12 contratos celebrados entre agosto de 2019 a maio de 2020 pelo Governo do Estado do Pará e com quatro organizações sociais – Instituto Panamericano de Gestão, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Birigui, Associação da irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Pacaembu e Instituo Nacional de Assistência Integral. As contratações envolviam a gestão de unidades de saúde, incluindo hospitais de campanha para o combate ao novo coronavírus, totalizam o valor de R$ 1.284.234.651,90.
No despacho em que autorizou o cumprimento de 12 mandados de prisão e 41 de busca e apreensão – com alvos que incluem hospitais e a delegacia geral de Polícia Civil do Pará – Francisco Falcão registrou que a atuação de Helder Barbalho se mostrou ‘essencial para o sucesso da empreitada criminosa envolvendo organizações sociais na área da Saúde, notadamente mediante a edição de decretos qualificando as entidades no âmbito do Estado do Pará’.
Além disso, o ministro do STJ citou a proximidade do governador do Pará com Nicolas André Tsontakis, apontado como operador financeiro do esquema criminoso sob investigação. Ele é qualificado pelos investigadores como ‘elo entre médicos e empresários de São Paulo com a alta cúpula do Governo do Pará’. Citado em outras investigações envolvendo o governo do Pará, Nicolas também foi alvo de mandado de prisão no âmbito da S.O.S.
Falcão também apontou que as situações descritas nas investigações que levaram à abertura da S.O.S se assemelham aos fatos sob apuração em dois outros inquéritos que correm junto ao STJ e apuram fraude e direcionamento de equipamentos médico-hopitalares para a terapia de infectados com o novo coronavírus. O magistrado indicou que em tais investigações, se verificou que a escolha da empresa foi realizada ‘pessoal e diretamente’ pelo próprio governador do Pará, com o intuito de favorecer o empresário ‘parceiro’.
“Sobre a operação da Polícia Federal, o Governo do Estado esclareceu que” apoia, como sempre, qualquer investigação que busque a proteção do erário público.” No caso da investigação contra Helder, o caso foi desmembrado, porque o governador tem foro privilegiado e só pode ser processado pelo Supremo Tribunal Federal (STFi. Quanto aos demais envolvidos nas falcatruas, o processo tramita na 4ª Vara da Justiça Federal de Belém.
Veja o documento e A DECISÃO DA OPERAÇÃO S.O.S
Clique aqui para ler decisão do STJ – Caso dos respiradores
Juiz de garantia
No caso da lista mais ampla de investigações pelo país, o prazo inicial fixado pelo STF foi de 90 dias, a contar da data da publicação da ata do julgamento, o que ocorreu em 25 de agosto. A PGR pede mais 180 dias para levantar as informações, alegando que a tarefa é ‘complexa’ e exige ‘importantes ajustes’ na tramitação dos processos no Ministério Público.
O Supremo determinou que promotores e procuradores encaminhem a listagem dos procedimentos de investigação criminal ao juízo adequado para processar cada caso. A ordem vale para todos os Ministérios Públicos – estaduais, federal, militar e do trabalho Se a decisão não for cumprida, as investigações serão anuladas
O objetivo, segundo o tribunal, é obter um panorama das investigações para organizar a implementação da figura do juiz de garantias. Os tribunais devem fazer a reforma em até 12 meses
Em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal, a procuradora-geral da República interina Elizeta Maria de Paiva Ramos afirma que, para cumprir a decisão, será necessário definir como fazer a remessa das informações ao Judiciário. A PGR afirma que a alternativa preferencial é o envio eletrônico. A dificuldade, segundo a PGR, é criar uma sistemática não apenas nesta rodada inicial, mas também para uma rotina de comunicações no futuro.
“Tendo em vista o impacto da determinação contida na parte final do item 4 da decisão de julgamento sobre a organização e o funcionamento dos órgãos do Ministério Público em todas as unidades da Federação, bem como o risco de anulação de número expressivo de procedimentos investigatórios em caso de eventual impossibilidade de cumprimento da determinação no tempo fixado, com prejuízos graves para a efetividade da persecução penal, é necessária a prorrogação do prazo fixado”, diz um trecho do pedido.
O juiz de garantias foi criado no pacote anticrime com a bandeira de dar maior imparcialidade ao processo, evitando que uma ‘contaminação’ do magistrado na fase de instrução influencie o resultado do julgamento. A mudança determinou a divisão do processo penal entre dois magistrados: o juiz de garantias, que ficará responsável por conduzir a investigação, e outro designado apenas para julgar e sentenciar os réus. (Do Ver-o-Fato, com informações da AE)