O Ver-o-Fato teve acesso a notícia crime, realizada em depoimento na 1° Promotoria de Justiça Militar, que relata que uma aluna do Curso de Formação de Oficiais (CFO) acusa o major Itamar Rogério Gaudêncio por crimes de assédio sexual e moral na Academia de Polícia Militar Coronel Fontoura (APM). Tudo teria suspostamente ocorrido após ela recusar investidas amorosas do major e ter se casado, o que teria sido o estopim para uma série de crimes, que além de assédios englobam tortura psicológica, prevaricação, perseguição e abuso de autoridade. Além do major, a promotoria também investiga outros oficiais.
A aluna do curso contou ao Ver-o-Fato que conheceu o major Gaudêncio no ano de 2018, quando este ainda era capitão: “ele era super tranquilo comigo…me tratava normalmente, sem nenhum tipo de abuso”. Quando ele se tornou o chefe imediato dela. porém, teria passado, segundo o relato, a fazer investidas amorosas através de comentários e piadas sobre seu corpo, além de mandar mensagens para o celular e dar pequenos privilégios, como ser liberada mais cedo ou menor carga de trabalho. “E na frente de todos ele dizia pra eu terminar meu relacionamento, porque não tinha futuro eu ficar com um cadete”, conta.
Em 2019, ela chegou ao CFO e na Academia, momento em que também começou a ter problemas de saúde, precisando até passar por cirurgia. Mesmo assim, diz que recebeu apoio, dentro dos limites da imparcialidade e impessoalidade, de seus comandantes. Entretanto, em setembro de 2020 houve trocas no comando e o major Gaudêncio assumiu o subcomando da APM. “A partir daí, minha vida virou um inferno ali dentro”, resume ela sobre esta ocasião.
“Comecei a ser perseguida porque ele perguntou se eu tinha casado com o que era cadete. Eu respondi que sim. Após isso, ele disse pra eu não dirigir mais a palavra pra ele”, relata. Desde então, segundo ela, o major teria começado a vasculhar sua vida no CFO, descobrindo os problemas de saúde, como a cirurgia e crises de ansiedade pelas quais teria passado. Um oficial teria entrado em contato até com a psicóloga da aluna para saber mais informações.
Em novembro de 2020, ela recebe sua primeira citação em um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), sob alegação de ter realizado cirurgia. Além disso, ele a reprovaria por falta. “Lá na APM quando abrem procedimento para alunos, os tenentes são os presidentes dos procedimentos…mas no meu o major Gaudêncio fez questão de ser o presidente”, destaca.
Sobre esse PAD, a militar conta: “meu advogado na época ficou sabendo sobre o assédio sexual, foi até o major Gaudêncio e falou pessoalmente com ele, dizendo que eu iria denunciar o major por assédio, já que por eu não ter cedido aos caprichos dele, ele tava me perseguindo….nesse mesmo dia, o major Gaudêncio desistiu de ser o presidente do meu PAD e alegou cunho pessoal”. Essa troca é confirmada através de documentos aos quais o Ver-o-Fato teve acesso.
A militar foi absolvida deste PAD, mas como ficou esperando o resultado, acabou não passando, junto com todo o seu pelotão, para o segundo ano do curso. Ela conta que, depois deste, outros processos foram abertos, um atrás do outro, o que a teria pressionado ainda mais, lhe fazendo sair e voltar várias vezes do CFO. Ao longo desse período em que o major assumiu seu novo posto, a nota dela comportamento começou a diminuir, pois é atribuída de maneira subjetiva pelo Chefe do Corpo de Alunos – major Douglas Lima dos Santos, que por sua vez, segundo ela, diariamente lhe atribui nota negativa pelo mesmo motivo, mas não dá tratamento igual para os demais alunos.
Queda de notas e ida ao psicólogo
O Ver-o-Fato teve acesso a essas notas e, de fato, a nota de comportamento passa a decair a partir de setembro de 2020, passando de notas dentro da média dos demais alunos, para a pior de toda a turma.
Ela aponta também que passou a ser obrigada a realizar consultas psicológicas de maneira coercitiva e mesmo com os laudos dos profissionais atestando que não havia nenhuma anormalidade, o mesmo se utilizava dessa manobra para impedir que a aluna cautelasse seu armamento, diferenciando-a dos demais alunos de sua turma, pois enquanto todos trabalhavam portando arma de fogo, de maneira injustificada a aluna era obrigada a utilizar apenas uma tonfa, que é uma espécie de cassetete.
Por conta disso, teve que elaborar um documento pedindo para que não fosse mais obrigada a comparecer nessas consultas, mas mesmo assim as solicitações continuavam. Ela presume que o objetivo era ter um laudo que a qualificasse como psicologicamente incapaz de exercer sua função, mas os psicólogos teriam lhe defendido, exceto um deles, por ter suposta relação de amizade com o major Gaudêncio.
Desde então, a militar diz que continua sendo perseguida e humilhada. Em trecho da notícia crime, é relatado para 1º Promotoria de Justiça Militar que: “está sendo objeto de atos visando a sua exclusão da corporação; que foi instaurado novo processo administrativo contra a declarante em razão de faltas devidamente justificadas, mesmo motivo que levou a instauração do processo administrativo anterior”.
Diz ainda que, apesar dos processos administrativos apresentarem o mesmo objeto e de haver sido encerrado o primeiro deles sem qualquer punição, “acabou por ser prejudicada pela instauração do novo processo administrativo; que desta vez sequer colheram seu depoimento ou de suas testemunhas, limitando-se a ouvir apenas e tão somente um dos militares que a perseguiam”. Ela aponta que além do major, também são responsáveis pela estrutura de perseguição e assédio moral o capitão Dos Santos e a capitã Patrícia, sendo esta última a militar que depôs contra ela em um dos processos.
Processos, pressões e humilhações
No depoimento, ainda é relatado que “começou a ver lavrado contra si diversos processos administrativos disciplinares, a ser objeto de diversas anotações em comparação com os outros alunos oficiais, a ser ordenada a comparecer ao psicólogo por diversas vezes no meio da instrução e sem o abono de faltas, a ter suas notas de comportamento arbitrária e inexplicavelmente reduzidas”.
Denuncia também ser “constrangida perante os demais alunos por meio de gritos e a ser objeto da imposição de outros comportamentos humilhantes, mais rígidos e discriminatórios, como por exemplo, por meio da obrigação de usar tonfa quando todos os demais estariam com suas pistolas, de recorrentes avaliações realizadas por juntas médicas, da ameaça de abertura de novos processos administrativos disciplinares, da imposição de assinatura de termo de correção e de nunca ser tratada como aluna do 2º ano CFO”.
Neste panorama de pressões recorrentes e desgaste, ela conta que sua saúde é afetada. Em março deste ano, ela chegou a ser excluída da corporação e relata que, mesmo tendo um prazo de 24 horas para entregar o que estava na posse dela “o oficial de dia, tenente Eberton na época, falou que o major Gaudêncio deu ordem para que fossem até a minha casa recolher tudo o que eu tinha da PMPA, mas acontece que eu não estava em casa e foram lá falar diretamente com meus pais…nem me deram a oportunidade de eu ir falar com minha família sobre o que estava se passando comigo…minha mãe quase infarta , ela é hipertensa , e achou que eu tivesse morrido por estarem indo recolher minhas coisas”.
Outro fato, mais recente: na terça-feira passada, ela foi retirada aos gritos da formação na frente de todos os colegas. Um procedimento foi aberto pelo promotor militar Armando Brasil para apurar o que teria ocorrido.
O Ver-o-Fato tentou por diversas vezes contato com o major Gaudêncio para ele apresentar sua versão dos fatos narrados pela aluna e estabelecer o contraditório, mas ele não foi localizado. O espaço está aberto à manifestação do militar.
Caso recente
No dia 30 de dezembro de 2020, o Ver-o-Fato publicou uma matéria com o seguinte título: “Soldado da FAB acusa major da PM de humilhação; promotor militar apura caso”. O soldado era Kelvin Fernandes da Silva, que acusava o mesmo Major Gaudêncio de humilhá-lo, constrangê-lo e ridicularizá-lo dentro de sua sala, no quartel. O soldado da Aeronáutica estava cedido à Força Nacional de Segurança que atuava no Pará e pediu que seus superiores, em Brasília, que o tirassem com urgência do Pará por “ter medo de sofrer discriminações e retaliações”. Depois do episódio, Kelvin Fernandes da Silva, como havia pedido, deixou Belém. O caso também teria chegado ao conhecimento da Corregedoria da PM paraense.
No artigo 216-A do Código Penal Brasileiro, o crime de assédio sexual é tipificado como:“Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.” Enquanto que assédio moral pode ser compreendido como a exposição de pessoas a situações humilhantes e constrangedoras no ambiente de trabalho, de forma repetitiva e prolongada, no exercício de suas atividades. É uma conduta que traz danos à dignidade e à integridade do indivíduo, colocando a saúde em risco e prejudicando o ambiente de trabalho.
O Ver-o-Fato abre espaço à manifestação do major e demais citados.