Por séculos, o povo Bajau, também conhecido como “nômades do mar”, habitou as águas cristalinas entre a Indonésia, Malásia e Filipinas, sobrevivendo por meio da pesca em profundidades surpreendentes. Capazes de mergulhar até 60 metros e permanecer submersos por mais de 13 minutos, os Bajaus desenvolveram habilidades extraordinárias que lhes permitiam capturar peixes e polvos, sustentando sua vida nômade. No entanto, as mudanças climáticas e a pesca excessiva estão forçando essa comunidade a deixar o mar e adotar uma nova forma de subsistência em terra firme.
A vida tradicional dos Bajaus
Desde a infância, os Bajaus aprendem a mergulhar sem o auxílio de equipamentos sofisticados, em profundidades que variam de 10 a 15 metros. Suas habilidades são tão impressionantes que estudos sugerem que uma possível mutação genética permitiu o aumento do tamanho de seus baços, permitindo que armazenem mais oxigênio no sangue e suportem longos períodos submersos. Tradicionalmente, eles capturavam peixes, polvos e outros frutos do mar, vendendo-os por valores consideráveis, que podiam chegar a 500 mil rúpias (aproximadamente R$ 172) por peça.
Esses nômades do mar passavam suas vidas a bordo de barcos cobertos por tetos de palha, adaptados às marés e às condições do oceano. Sua conexão com o mar era profunda, tanto cultural quanto biologicamente. No entanto, essa vida única está desaparecendo.
Impactos da mudança climática e da pesca excessiva
A pesca industrial, juntamente com os efeitos das mudanças climáticas, alterou drasticamente o ecossistema marinho, do qual os Bajau dependiam. O aumento das temperaturas oceânicas fez com que os peixes mudassem seus padrões de migração, enquanto os recifes de corais, essenciais para a saúde do ecossistema marinho, foram devastados pelo branqueamento, impactando a cadeia alimentar. Como resultado, a quantidade de peixes nas águas indonésias diminuiu em 500.000 toneladas entre 2017 e 2022, de acordo com o Ministério da Pesca.
Sofyan Sabi, um pescador Bajau, relatou que a imprevisibilidade das capturas os obrigou a abandonar a pesca e buscar sustento na agricultura. “Mudamos de ofício. Somos pescadores que agora trabalham em uma fazenda”, afirmou Sofyan, que, aos 39 anos, planta milho e bananas para sustentar sua família. Essa transição foi impulsionada pela dificuldade crescente de pescar o suficiente para viver e pelos melhores retornos financeiros proporcionados pela agricultura.
A transição para a vida em terra
Os Bajau começaram a se estabelecer em vilas costeiras, como Pulau Papan, na Indonésia, onde construíram suas casas e passaram a viver de maneira mais sedentária. Essa mudança foi um passo importante para buscar o reconhecimento como cidadãos, algo que começou a ser incentivado na década de 1990, durante a ditadura de Suharto, na Indonésia.
Embora a vida em terra traga novos desafios, como a falta de renda adicional e o controle das autoridades sobre o turismo local, a decisão de abandonar o mar foi uma questão de sobrevivência. Além disso, a pesca deixou de ser viável para muitos Bajaus, como relata Arfin, pescador de 52 anos: “As reservas de peixes diminuem porque muita gente os captura”.
Um estilo de vida em extinção?
A mudança forçada no modo de vida dos Bajaus tem implicações não só para essa comunidade, mas também para o entendimento científico de suas adaptações fisiológicas. Melissa Llardo, pesquisadora da Universidade de Copenhague, conduziu um estudo que revelou que os Bajaus possuem baços 50% maiores do que o de outras populações, o que lhes confere uma vantagem no mergulho de profundidade. No entanto, sem apoio para continuar seu estilo de vida milenar, esse conhecimento e as lições que poderiam ser extraídas sobre a saúde humana podem desaparecer.
A falta de reconhecimento oficial e a marginalização enfrentada pelos Bajaus também contribuem para o fim de sua vida nômade no mar. Conforme observou Wengki Ariando, da Universidade Chulalongkorn, “para serem aceitos como um povo na Indonésia, eles precisam ser sedentários”.
O futuro dos Bajaus
Embora a pesca tenha sido a base da cultura Bajau por gerações, as pressões ambientais e sociais estão forçando uma transição para a agricultura e um estilo de vida mais sedentário. O que antes era uma vida nômade, adaptada às marés e aos recursos marinhos, agora se ajusta às novas realidades da terra firme, onde os Bajaus esperam encontrar uma forma de sobrevivência.
Contudo, a perda desse modo de vida representa também a perda de uma cultura profundamente conectada ao oceano. A resiliência e a adaptabilidade dos Bajaus continuarão a ser testadas nos próximos anos, enquanto o mundo enfrenta as consequências das mudanças climáticas e da exploração desenfreada dos recursos naturais.
Do Ver-o-Fato, com informações da National Geographic e Exame