Rodrigo Augusto Prando – pesquisador
Vivenciamos, caro leitor, um momento crítico: a pandemia que interrompeu a normalidade de nossa vida cotidiana já traz problemas individuais e coletivos, na dimensão psicológica, social, econômica e política. Não se sabe, ainda, por quanto tempo nos manteremos em isolamento social e quais as consequências concretas da pós-pandemia, para o Brasil e para o mundo. Certamente, muito mudará para melhor e para pior, mas a experiência será por demais profunda para não deixar marcas no tecido social.
Um primeiro aspecto que, aqui desejo tratar, é da própria existência da política. Somos seres sociais e, por isso, nossa vida é coletiva. Há o espaço da casa e o da rua, há valores familiares e pessoais, e valores culturais compartilhados pelos membros da sociedade. Seria impossível a vida em sociedade sem a existência de um poder, no caso o poder político, que se caracteriza pelo monopólio legítimo da violência.
Assim, apenas o Estado, por meio de suas polícias (civis e militares) e das Forças Armadas, pode, dentro da lei, usar da coerção física, até letal em alguns casos. Indivíduos, garante a legislação, podem usar o recurso da legítima defesa para si ou para salvaguardar outros, contudo, não podem os indivíduos se organizarem em forças policiais e portarem armas objetivando, por exemplo, patrulhar, prender e punir os desviantes da lei.
A força, inerente à política, no entanto, não se vincula unicamente no recurso à violência. Há, na democracia e no bojo das ideias republicanas, a força dos argumentos, o convencimento e o embate entre os atores políticos que são adversários. Veja bem: adversários e não inimigos. Com o adversário político no âmbito institucional ou fora dele, há que se conviver, embora discordando de sua ideologia e valores.
Aqui, a política existe para que o diálogo seja propiciador da construção de consensos e nunca de saberes ou decisões absolutas. Portanto, com o adversário, hoje, eu convivo, porque, no futuro, ele pode ser meu aliado. Na lógica que identifica o adversário como inimigo, interdita-se o diálogo, o debate, e busca-se eliminar, simbólica ou fisicamente, o “outro”.
O combate à corrupção política é salutar, mas não se pode, jamais, colocar todos os políticos e mesmo a Política, com “p” maiúsculo, numa simples vala onde são jogados o lixo da história. É certo que nossa representação política não é das melhores em termos qualitativos e até apresenta distorções na representatividade se comparada à diversidade da sociedade brasileira. Mesmo assim, cabe lembrar que foram, legitimamente, escolhidos, pelo voto do cidadão.
Outro fato relevante é apontar para a corrupção de políticos e fazer pouco caso da corrupção empresarial e, até, de práticas pessoais reprováveis à luz das leis e da ética.
Hoje, mais do que nunca, graças à crise sanitária, precisamos de mais e não de menos política. A situação reclama que políticos se constituam em líderes e não em meros chefes. O líder político tem qualidades intelectuais, técnicas e morais. O líder dialoga, convence, dirigi e vai junto. Em contrapartida, o chefe necessita de cargo para mandar e encontra obediência no medo.
Liderar, obviamente, é mais difícil que chefiar. Uma regra, não escrita, da política é que o poder não fica órfão, se não for exercido, por exemplo, por um presidente, será exercido por outros: ministros, governadores, deputados ou por lideranças oriundas do meio social sem conexões institucionais.
Superar a crise da pandemia exigirá liderança, visão de curto, médio e longo prazo. Exigirá coordenação de ações e comunicação assentada em fatos e conhecimento científico. Exigirá, sobretudo, inteligência coletiva, respeito às leis, aos valores democráticos, valorização da vida e generosidade. De todos nós, todos.
* Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp de Araraquara.
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