Semas informou ao MPF e MPPA que o Pará não realizou consulta prévia aos indígenas e comunidades tradicionais e que a venda ainda não foi efetiva
O governo do Pará, liderado por Helder Barbalho, está enfrentando questionamentos sobre a falta de consulta prévia, livre e informada (CPLI) às comunidades indígenas e quilombolas em torno do controverso anúncio de uma venda de quase R$ 1 bilhão em créditos de carbono para investidores internacionais.
Apesar de o governador frequentemente promover a iniciativa como uma importante conquista econômica e ambiental, o silêncio dele em relação ao envolvimento direto dessas comunidades tradicionais tem gerado críticas de organizações da sociedade civil e do Ministério Público Federal (MPF).
Para se ter ideia do estágio em que se encontra o imbroglio, em resposta à pressão do MPF e do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) esclareceu que, até o momento, não houve venda de créditos de carbono, mas apenas a assinatura de um protocolo de intenções.
Segundo o titular da Semas, Raul Protázio, a efetivação do negócio depende da aprovação do Sistema Jurisdicional de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+), que exige, entre outros fatores, a realização da CPLI com os povos impactados.
Ainda assim, o MPF e o MPPA destacaram que a ausência de transparência no processo e a exclusão de atores fundamentais representam graves riscos de violação de direitos. Durante a reunião convocada pelas instituições nesta terça-feira (19), promotores e procuradores apontaram lacunas, como o acesso restrito a documentos e a ausência de envolvimento direto da sociedade civil.
Problemas estruturais no modelo proposto
A proposta de comercialização de créditos de carbono pelo estado também levanta dúvidas sobre a titularidade dos ativos ambientais. Parte dos créditos previstos estaria vinculada a áreas que não integram o patrimônio fundiário do Pará, como terras indígenas, Unidades de Conservação de Proteção Integral e áreas de uso sustentável sob domínio federal ou municipal.
A falta de clareza jurídica quanto à origem desses créditos pode comprometer a integridade da negociação e expor o estado a questionamentos legais em escala nacional e internacional.
Implicações legais e éticas
A não realização da CPLI, como preveem a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Constituição Federal, representa uma violação explícita aos direitos de comunidades indígenas e tradicionais. Caso o Pará siga adiante sem cumprir os protocolos exigidos, o estado poderá enfrentar ações judiciais e sanções em instâncias nacionais e internacionais, além de desgaste reputacional.
Além disso, o caso ressalta uma contradição ética: enquanto o governo celebra a possível geração de receitas com créditos de carbono, falha em considerar os impactos diretos nas populações que preservam e vivem em territórios de relevância ambiental.
Para lideranças indígenas e quilombolas, a ausência de consulta é mais um exemplo de invisibilidade institucional em decisões que afetam diretamente seu modo de vida.
Caminhos para a transparência
O MPF e o MPPA reforçam que a realização de consultas amplas e a inclusão de comunidades são condições indispensáveis para qualquer negociação envolvendo créditos de carbono. A Semas terá de demonstrar, nas próximas etapas, como pretende assegurar a transparência do processo e respeitar os direitos das comunidades, além de resolver as questões de titularidade das terras.
A condução deste processo será um teste importante para a credibilidade do Pará como líder ambiental no cenário global e para sua capacidade de alinhar sustentabilidade com justiça social.