O Ministério Público Federal (MPF) iniciou ação civil pública contra Edward Luz, conhecido como antropólogo dos ruralistas, por atos e falas racistas contra o cacique Raoni Metuktire, do povo Kayapó Mebengokrê, durante o evento Amazônia Centro do Mundo, realizado em Altamira, no oeste do Pará, em novembro de 2020. Na ocasião, Luz praticou assédio direto, perseguindo o cacique pela cidade e disseminando mentiras sobre ele nas redes sociais.
Para o MPF, ao difamar e assediar o líder político e espiritual dos Kayapó, Edward Luz provocou danos morais ao cacique e a todo o povo e deve pagar indenização a ser revertida para a comunidade Mebengokrê no valor de R$ 100 mil. A ação, assinada por 23 procuradores da República, também pede que Luz seja obrigado a fazer um pedido de desculpas formal a Raoni Metuktire nos mesmos espaços virtuais que usou para caluniá-lo.
A ação inclui pedidos urgentes, para que a Justiça determine a retirada, em 48 horas, de todas as postagens ofensivas e fraudulentas contra Raoni feitas por Edward Luz em seu blog e seus perfis em redes sociais, sobretudo o Twitter. A Justiça também deve decidir sobre a proibição de que o acusado faça novas postagens ofendendo ou inventando mentiras sobre o cacique.
Para o MPF, há “perigo de dano irreparável” porque as mentiras sobre o cacique o colocam em situação de risco, incitando a violência contra indígenas. A ação lembra que a Amazônia é recordista em assassinatos de defensores de direitos humanos e do meio ambiente. O cacique Raoni é um dos mais conhecidos ativistas em defesa das terras indígenas e da floresta amazônica em todo o mundo e, além disso, tem 91 anos. Por causa de sua idade avançada, a ação vai tramitar em regime de urgência.
Perseguição e mentiras – O evento Amazônia Centro do Mundo foi promovido em Altamira em novembro de 2020 para reunir lideranças indígenas, ribeirinhas, quilombolas, ambientalistas, pesquisadores e estudantes para debater a crise climática, a preservação da floresta e dos seus povos. O cacique Raoni foi o convidado de honra do evento.
Mesmo antes do início das programações – nos dias 18 e 19 de novembro – o acusado Edward Luz já fazia postagens na internet atacando os organizadores e as lideranças convidadas, acusando uma suposta conspiração contra a soberania nacional por parte dos moradores da floresta amazônica em conluio com organizações não governamentais e convocando autointitulados patriotas para estarem no campus da Universidade Federal do Pará (UFPA), onde ocorreria o evento.
Os dias que antecederam o início do evento foram tensos, com áudios circulando nos celulares falando em guerra dos ditos patriotas contra os ativistas que estariam em Altamira. No dia 18, no começo da programação, realmente um grupo de cerca de 15 pessoas, liderados por Edward Luz, iniciou um tumulto berrando pela execução do hino nacional e empurrando pessoas que protestavam contra a presença de fazendeiros envolvidos em conflitos de terra justamente com os indígenas, agricultores e ribeirinhos da região.
O cacique Raoni estava na mesa para fazer sua fala e diante da confusão, falou palavras em kayapó para que os guerreiros de seu povo não reagissem às provocações. O grupo de Luz prosseguiu no local fazendo provocações mesmo após a execução do hino nacional. Quando o cacique Raoni fez a fala de abertura no evento, traduzida por um parente, mencionou diretamente Edward Luz, exigindo que tivesse respeito pelos indígenas. O grupo de fazendeiros reagiu e acabou agredindo um professor da UFPA. Nesse momento, foram retirados pela Polícia Federal. Durante toda a confusão, não houve nenhuma reação por parte dos guerreiros Kayapó presentes.
Mesmo assim, imediatamente após serem retirados, os fazendeiros e Luz passaram a circular vídeos caluniando o cacique Raoni e dizendo que ele tinha ordenado os participantes do evento a praticarem violências contra eles. No dia seguinte, testemunhas informaram ao MPF que Edward Luz foi até o hotel onde o cacique estaria hospedado para o confrontar. A investigação mostrou que o antropólogo praticou assédio sistemático contra o líder Kayapó, chegando até a alugar quarto no hotel onde ele se hospedaria, o que obrigou o indígena a se abrigar em uma casa particular.
Vergonha e danos – O próprio cacique Raoni Metuktire esteve no MPF em Altamira prestando depoimento sobre as violências que sofreu e pedindo atuação contra o agressor. Raoni disse “sua luta há anos é por manter a floresta em pé. E que no início do evento pedia para as pessoas manterem a calma. Que quando chegou falei para não confrontar, não brigar, mas o que aconteceu ontem, foi aquele homem que tentou acabar com a reunião, e ele ficou mentindo que eu pedi pro pessoal agredir e eu nunca falei isso, eu falei pra ninguém bater nele. Se eu autorizasse ia ter confronto. Mas eu falei o contrário. Eu disse para não bater, não expulsar, mas fiquei sabendo que ele fica mentindo, me acusando do que não fiz, nunca fiz isso e ele entrou com papel contra mim na polícia, eu não gostei do que ele fez. Fiquei com vergonha. A vergonha a gente não gosta de sentir.”
Em pareceres antropológicos solicitados pelo MPF, os danos contra a liderança Kayapó se demonstraram ainda mais graves. Para Thais Mantovanelli, pesquisadora que fala a língua mebengokrê e estava recepcionando o cacique em Altamira, os atos de Luz foram duplamente ofensivos. “Tanto por ele ser um líder político quanto um líder espiritual, um pajé. Esse tipo de ofensa para a cultura mebengokrê sujeita causar o enfraquecimento do karón do pajé, da sua alma, repercutindo no seu poder”, analisou.
“Minha imagem foi associado ao de provocador de violências. Eu não fiz isso, pelo contrário sempre pedi e fiz apelo para o bem viver dos brancos e índios. Sempre pedi paz às autoridades do Brasil. Defendo sempre o meu povo para não sofrerem violência, sempre defendi nossa terra para vivermos em paz dentro dela”, disse o cacique em outro parecer, feito pelo setor de perícias antropológicas do próprio MPF. Outros líderes Kayapó ressaltaram que se sentiram ofendidos também e que a imagem de todo o povo foi manchada pelos atos de Luz.
Antecedentes – O antropóogo Edward Mantoanelli Luz já responde a três ações penais movidas pelo MPF – por calúnia contra uma antropóloga, por criar obstáculo à fiscalização ambiental e por desacato contra agente público – e foi preso três vezes desde 2020, por invadir terra indígena e por tentar impedir o trabalho de agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Na última detenção, em julho de 2022, ele foi solto após cumprir prisão preventiva e é monitorado por tornozeleira eletrônica. No processo que responde por caluniar uma antropóloga, Luz se retratou publicamente ao MPF e à Justiça, dando fim ao caso. Nos demais, ele ainda está respondendo criminalmente. Fonte: Ascom do MPF no Pará.
Processo 1003310-88.2022.4.01.3903 – Vara Cível e Criminal da Justiça Federal em Altamira (PA)