Para o editor do Ver-o-Fato, a morte de Luiz Maklouf Carvalho, representa um duro impacto para quem com ele conviveu na redação do jornal “O Estado do Pará”, onde iniciou sua longa e vitoriosa trajetória no jornalismo brasileiro. ‘Mak”, como era mais conhecido nas redações onde trabalhou, vivia a profissão com muita intensidade, iluminando com seu texto conciso e contundente – sobretudo em reportagens investigativas, nas quais desnudava as entranhas do poder e a podridão dos poderosos – as matérias que fazia questão de assinar.
Em “O Estado do Pará”, Maklouf assinava coluna de cinema e cumpria pautas literalmente incendiárias, tratando de violações de direitos humanos, conflitos fundiários e seus massacres no campo, movimento sindical e estudantil, além de política, onde meteu-se em grandes confusões, sobretudo com simpatizantes do então regime militar, revelando fatos que a censura à imprensa da época não queria que viessem à tona.
Por diversas vezes, o editor do Ver-o-Fato dividiu com “Mak” investigações que redundaram em manchetes de grande repercussão dentro e fora do Pará, como os contratos de risco do governo federal para exploração de petróleo na Amazônia, a pesca estrangeira por grandes barcos que atuavam abertamente na costa atlântica e nos grandes rios do estado, a exploração de ouro na Serra das Andorinhas, as mazelas dos projetos de colonização na Transamazônica e tantos outros temas polêmicos.
“Vou embora, Mendes, aqui não dá mais”, surpreendeu-me Mak ao anunciar que iria morar em São Paulo. Tomamos todas no Bar do Parque na última noite em que estivemos juntos em Belém. Era 1982 e o jornal “O Estado do Pará” já não mais existia. Havia fechado, no final de 1980, por má gestão do arrendatário, que devolveu o prédio, a redação e os jornalistas, todos demitidos, ao controle da família Lopo e Conceição Lobato de Castro, os verdadeiros proprietários.
Mak foi embora de Belém buscar novos desafios no jornalismo. Fui deixá-lo no aeroporto e ainda dentro do táxi, em meio a bagagens, discos e livros encaixotados, cobrei dele a devolução de algumas obras que a ele tinha emprestado. “Toma, vou te devolver todos, menos um”, disse-me, com aquele sorriso maroto de quem já me havia engambelado. O livro era “Cartas do Cárcere”, do Gramsci, que depois me diria ser o livro de cabeceira dele. Tirei sarro: “o marxismo não tá com nada, Mak”, mas pode ficar, é meu presente”.
Voltei a rever o Mak em meados dos anos 90, quando ele apareceu na redação de O Liberal, onde eu trabalhava. Saímos para jantar, tomar cerveja e jogar conversa fora. Um papo formidável, sobre os bastidores do jornalismo paulista e o Pará, suas coisas e politicagens . Depois disso, ainda nos reencontramos outras poucas vezes. Ele soubera que eu atuava como correspondente do Estadão e me falou que havia sido sondado para trabalhar no jornal. E lá, de fato, produziu as melhores matérias de sua brilhante carreira, obtendo prêmios e o reconhecimento nacional.
Vai em paz, amigo Mak.
Por sinal, na edição de hoje, o Estadão presta sua homenagem ao repórter paraense que, com o brilho de seu talento, foi mais um caboclo amazônida a angariar a credibilidade do público ao jornal da família Mesquita. Veja o texto,abaixo:
“O jornalista e escritor Luiz Maklouf Carvalho morreu neste sábado, dia 16, aos 67 anos. Repórter de O Estado de S. Paulo, Mak, como era conhecido entre os colegas, foi autor de livros e reportagens que marcaram o jornalismo brasileiro retratando alguns dos mais importantes personagens da República, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao atual ocupante do Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro. Ele era repórter do Estadão desde 2016.
Dono de um texto escorreito e reconhecido pelos colegas por sua apuração exata, Maklouf nasceu em 1953, em Belém (PA). Formou-se em Direito pela Universidade Federal do Pará. Foi ali que, como revisor de O Liberal, iniciou a carreira que o levaria a amealhar quase todos os prêmios possíveis que um jornalista pode ganhar neste País. Em seu estado natal, Maklouf foi repórter dos diários A Província do Pará e o Estado do Pará, onde ganhou seu primeiro grande prêmio, o Esso, de reportagem. Editou ainda o jornal Resistência, da Sociedade Paraense dos Direitos Humanos, obtendo o primeiro de seus quatro prêmios Vladimir Herzog.
Era correspondente do jornal Movimento, da chamada imprensa alternativa, de São Paulo, começando aí sua relação com as redações da grande imprensa paulista. Ele as conheceu quase todas. A partir de 1983, mudou-se para a cidade que o acolheria e testemunharia a sequência de sua carreira e o nascimento do escritor de livros reportagens que o levariam a dois prêmios Jabubi: em 1998, com o Mulheres que foram à Luta Armada (1998), a primeira obra a contar a experiência das militantes que pegaram em armas contra a ditadura, entre as quais a ex-presidente Dilma Rousseff; e, em 2005, com Já vi esse filme – reportagens (e polêmicas) sobre Lula e/ou PT , que reuniu textos que mostravam o percurso do partido que então dominava o Poder Executivo do País.
Maklouf também é autor de Contido a bala – A vida e a morte do advogado Paulo Fonteles, advogado de posseiros no sul do Pará, (Cejup, 1994), livro que foi sua estréia como escritor. Nos anos seguintes, seu interesse pelos conflitos na região o levaria a escrever O Coronel Rompe o Silêncio, com o depoimento inédito do coronel Lício Augusto Ribeiro, um veterano do combate à Guerrilha do Araguaia. Também foi autor de Cobras Criadas, a biografia de David Nasser, o mais famoso e polêmico repórter dos anos 1950, cuja trajetória se confunde com o da revista O Cruzeiro, do grupo dos Diários Associados. Tinha fascinação por grande personagens e suas histórias e foi assim que sua trajetória fez dele coautor do livro Vultos da República.
Quando trabalhava, no Jonal da Tarde, do Grupo Estado, na década de 1990, Maklouf revelou o primeiro escândalo de corrupção do PT, o chamado “caso CPEM”, em referência a uma empresa de consultoria com esse nome. A reportagem ouviu a acusação do então dirigente petista Paulo de Tarso Venceslau, contra a empresa e o advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, então presidente de honra do PT. A CPEM havia sido contratada sem licitação por prefeituras petistas para prestar assessoria no setor de arrecadação de impostos. Em contrapartida, a consultoria daria dinheiro para campanhas do partido.
Depois, o ex-dirigente também questionou o fato de Lula morar em imóvel de Teixeira de graça, durante oito anos. “Após sua reportagem, me aproximei do Maklouf. Tínhamos algumas coisas em comum. A reportagem teve uma repercussão enorme”, afirmou Venceslau. Ainda nos anos 1990 e 2000, Maklouf passou pelas redações dos jornais Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil e das revistas Época e Piauí. Até retornar ao Grupo Estado, como repórter do Estadão. Foi então que iniciou, pouco antes do impeachment de Dilma Rousseff, a publicar uma série de textos, traçando o perfil dos novos protagonistas da política nacional.
Durante a campanha eleitoral de 2018, Maklouf encontrou um tesouro que soube ler e escutar: a cópia do processo e os aúdios do julgamento do então capitão Jair Messsias Bolsonaro, que levaram à sua absolvição pelo Superior Tribunal Militar (STM) depois de ele ter sido condenado por 3 a 0 por um Conselho de Justificação do Exército, um tribunal de honra militar que concluíra que o então oficial mentira e faltara com o pundonor na investigação sobre um plano para colocar bombas em quartéis.
Maklouf descobriria que Bolsonaro foi eleito presidente sem que o País conhecesse as circunstâncias sobre o mais grave episódio que marcou sua carreira militar e antecedeu sua entrada para a política. O plano terrorista era um protesto contra os baixos soldos em 1987. De seu trabalho como repórter nasceria seu último livro: O cadete e o capitão: A vida de Jair Bolsonaro no quartel, publicado em 2019.
O escritor já lutava então contra a doença que provocaria sua morte: um câncer no pulmão. Em relato que ele escreveu para o jornal em 2018, Maklouf explicou que se tratava de um tipo de câncer que afeta quem já foi fumante. “Não faz nenhuma diferença se você parou de fumar pra lá de 15 anos, como no caso”, explicou. Ele chegara a fumar três maços por dia e foi tratado com imuno-quimioterapia. Nos últimos dias, estava internado no A.C.Camargo Cancer Center, na Liberdade, em São Paulo.
De Maklouf disse hoje o deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM), um dos políticos que o repórter perfilou para o Estadão. “O Brasil acabar de perder um grande brasileiro e um dos maiores jornalistas do país. Luiz Maklouf perdeu a guerra para o câncer de pulmão. Certo dia, após ser anunciado como relator da Reforma da Previdência, recebi uma ligação pedindo uma entrevista especial para o jornal O Estado de S. Paulo. Marquei de receber o jornalista no hotel que eu morava aqui em BSB. Foi a melhor entrevista que já concedi na minha vida.”
Maklouf deixa mulher, Elza, com quem veio para São Paulo em 1983, dois filhos filhos, Luiza e Felipe, e três netos, Malu, Liz e Vicente. “Um amante do Machado. Me apresentou tudo o que eu aprecio culturalmente falando, Guimarães, Flaubert, Chico, Caetano, Belchior, Beatles, Bethânia, Velha Guarda da Portela, Miles Davis, Fernando Pessoa… Como eu amo a lembrança dele recitando Álvaro de Campos, Poema em Linha Reta, em um dos nossos tantos memoráveis almoços de domingo da infância e adolescência”, escreveu a filha. O velório será neste sábado, no cemitério de Vila Mariana; e o enterro, nesta tarde”.
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