Susto. De repente alguém cola na janela do carro e tenta olhar através da película escura. Após o espanto, ao notar que se tratava de um pedinte e não de um assalto, minha reação foi apenas fazer a negativa com o dedo. A pessoa se foi, mas olhando de novo, agora mais tranquilo, percebo que é uma criança.
Após receber meu não, se junta ao restante da família, provavelmente venezuelana, que está sentada na calçada em plena avenida Nazaré, um pouco antes da tradicional chuva da tarde. Um homem, aparentemente também em situação de rua, começa a mexer com uma das pequeninas do grupo, parando apenas quando um motociclista resolve intervir. Que perigo.
Sigo e pego a José Bonifácio, rumo a Duque. No semáforo que faz fronteira com a José Malcher, mais crianças, agora vendendo pupunha junto de um adulto, que interpretei ser o irmão mais velho. Novamente dei a negativa, pois não gosto de pupunha.
Mas pelo retrovisor fiquei olhando o moleque que talvez bata na minha cintura. Provavelmente não tem nem 10 anos de idade, estava com uma sandália velha, uma pele que visivelmente estava fustigada pelo sol e falando alto ao mostrar o punhado de pupunha por cada janela que passava, saindo entrecortando os carros assim que o sinal se transformava no verde.
Fiquei pensativo. Nessa idade, quem nunca trabalhou em casa ou ajudando numa venda dos pais aqui ou ali? Mas o que havia presenciado é bem mais que isso, pois exigia um tempo, um protagonismo e desenvoltura que certamente rouba grande parte da fase boa que é a infância. Algo que, se não estava erradicado, certamente já víamos bem menos pelas ruas de Belém.
Sigo nessa reflexão pela Duque, Julio César, Centenário até a Augusto Montenegro. No retorno próximo ao shopping e grandes condomínios de luxo, mais crianças. Dessa vez limpavam vidros de carro em troca de algum trocado. Herdando um mau hábito de alguns de seus pares adultos, vieram logo jogando sabão sem mesmo pedir minha adesão ao serviço. Um limpava na frente e outras o vidro traseiro.
Era um grupo de uns seis garotos que se dividiam entre o sentido Icoarací e Entroncamento. O trabalho era bem feito. O rapazinho já tinha até todo o vocabulário tradicional de quem geralmente faz esse tipo de limpeza nas ruas, chamando você, por exemplo, de “patrão”. Puxei 2 reais e dei ao terceiro molequinho, achando fazer parte do bando da limpeza.
Os outros dois foram cobrar e uma mini confusão se instalou até finalmente se entenderem e tudo ficar na paz. O sinal abriu, eles agradeceram com o tradicional “valeu tio” e continuei rumo a minha tradicional bolha cotidiana.
Depois vem o questionamento de sempre: será que é correto dar dinheiro para crianças que “trabalham” nas ruas? Será que por trás existe um adulto alcoólatra e explorador de trabalho infantil? Nunca vamos saber. O calor do momento sempre impera. No meu caso, imperou no terceiro semáforo. Impossível não se indignar ou ter pena.
Algo está errado
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