Nuno Vasconcellos – empresário *
A floresta deve ser preservada a qualquer preço, mas não precisa ficar intacta. É possível combinar preservação com exploração racional dos recursos da região
Um dado divulgado na semana passada pela World Resources Institute — WRI, uma ONG internacional que lida com temas ambientais, voltou a chamar atenção para o mais comentado e menos esclarecido entre os temas que envolvem o Brasil nos últimos anos. E como o resultado mostrado era positivo, o fato não gerou o mesmo estardalhaço que gerava no tempo em que a situação andava de mal a pior. Trata-se, claro, do índice de desmatamento da Amazônia. De acordo com a ONG, com base em dados analisados pela Universidade de Maryland, dos Estados Unidos, no primeiro trimestre deste ano a taxa de desmatamento na região foi 36% menor na comparação com o ano anterior.
A queda corrobora a tendência já apontada em outros levantamentos sobre o mesmo tema e mostra que, naquilo que diz respeito à exploração predatória, o perigo que pesa sobre a floresta nos dias de hoje parece menor do que o de dois ou três anos atrás. De acordo com os dados de outra organização, a Imazon, criada em 1990 por pesquisadores norte-americanos e brasileiros, a Amazônia Legal, que abrange mais da metade do território brasileiro, registrou no ano de 2023 um total de 4.030 Km² de áreas desmatadas. Em 2022, a área desmatada havia sido mais de duas vezes maior: 10.573 Km².
Aqui é bom fazer um pequeno esclarecimento: do ponto de vista deste colunista, a Amazônia deve ser preservada o máximo possível. Tudo o que puder ser feito para deixar a floresta como era antes que os primeiros europeus pisassem em seu solo, ali pelo final do século 15 ou início do século 16, terá que ser feito. Este é um ponto importante. Outro ponto importante é o de que a preservação não impede o aproveitamento racional da floresta nem a plena exploração econômica de seus recursos.
Defender a preservação da Amazônia não significa dizer que a floresta deva, como desejam alguns ambientalistas mais fundamentalistas, ser mantida como um santuário livre de todo e qualquer contato com a mão humana. Ou, quando muito, restrita à exploração meramente extrativista pelos indígenas e povos ribeirinhos que habitam a região. A floresta é rica demais para se limitar a isso! A questão não é proibir o uso, mas saber usar o que ela oferece. A floresta só passará a ser uma fonte de recursos capaz de beneficiar milhões de brasileiros, e contribuir para a transformação do Brasil em um país desenvolvido, se sobreviver como floresta. Como deserto, ela não terá qualquer serventia.
Essa discussão, por mais atual que pareça, não é nova. No dia 22 de novembro de 1796, há quase 227 anos, portanto, Rodrigo de Souza Coutinho, o Conde dos Arcos, que na época era o mais poderoso ministro do príncipe regente Dom João, de Portugal — que mais tarde, já vivendo no Brasil, seria coroado como o rei Dom João VI — escreveu uma orientação a seu irmão, Francisco de Souza Coutinho, então governador do Pará.
O Conde determinava que o governo estabelecesse em nome da coroa um sistema racional de exploração da madeira da região, com o replantio obrigatório de árvores no lugar de cada uma que fosse derrubada para a construção de navios ou para a exportação a outros países da Europa. (Este fato está descrito pelo historiador Oliveira Lima em sua obra D. João VI no Brasil.) O Conde já sabia naquela época que, mesmo abundantes, os recursos da mata não eram infinitos.
Crime lesa-pátria
Hoje, é claro, a região tem a oferecer muito mais do que madeira e, na imensa maioria dos casos, é mais lucrativo manter uma árvore de pé do que derrubá-la. A região dispõe de recursos valiosos demais para não serem transformados em riqueza. Sem falar das alternativas geradas pela diversidade do bioma mais rico do mundo; sem mencionar a capacidade inesgotável de geração de energia limpa e renovável; e sem considerar os 14 milhões de barris de petróleo localizados no extremo norte do litoral brasileiro — na área que vai da costa do Amapá até a do Rio Grande do Norte —, que dobrariam o total de reservas brasileiras, a Amazônia é um reservatório de minerais de altíssimo valor.
Espalhadas pela região existem reservas comprovadas de bauxita, que dá origem ao alumínio, cobre, cromo, diamantes, ferro, fosfato, manganês, níquel, nióbio, ouro, paládio, prata, titânio, zinco e — fora da ordem alfabética, mas não menos importante — urânio. Deixar esse tesouro onde está, sem utilizá-lo a serviço do crescimento da economia, da geração de renda e de empregos de qualidade para os milhões de brasileiros que necessitam de trabalho e bem-estar, mais do que um absurdo fora de propósito, seria um crime lesa-pátria.
Este assunto é espinhoso e, antes que alguém atire a primeira pedra, convém esclarecer! Ninguém aqui defende a exploração predatória que vem à cabeça de qualquer pessoa que mede os impactos ambientais da exploração da floresta a partir das imagens repugnantes das áreas depredadas pelo garimpo ilegal. Essa é, de fato, uma praga que devasta as áreas exploradas, contamina os rios com mercúrio, elimina a vida animal e deixa apenas a destruição por onde passa. O garimpo ilegal deve, portanto, ser perseguido, combatido e eliminado a qualquer custo.
A exploração que se defende, aqui, é de outra natureza. Veja, por exemplo, o que acontece na Serra dos Carajás, o estado do Pará. Ali, o esforço pela recuperação das áreas mineradas teve início tão logo começou a exploração das jazidas de minério de ferro. Ali, os critérios de preservação ambiental são muito mais rígidos e confiáveis do que os alcançados, por exemplo, na região mineradora de Minas Gerais. De 2014 para cá, a Vale, que explora Carajás, replantou mais de 82 mil mudas de castanha do pará, sem contar com as outras espécies que devolveu à natureza.
Antes de questionar essa afirmação, responda a uma pergunta: que é pior para o meio ambiente? Jazidas exploradas por métodos modernos, com alta tecnologia para o aproveitamento e a destinação adequada das sobras, como acontece no coração da Amazônia, em Carajás, ou as toneladas e toneladas de rejeitos armazenados em barragens precárias e sujeitas a acidentes devastadores em áreas sob responsabilidade da mesma Vale, como os que aconteceram em Mariana e em Brumadinho, na Região Sudeste? A resposta a essa questão, claro, está na ponta da língua de qualquer um que se preocupe com a sustentabilidade.
Ações de marketing
Outro ponto a ser levado em conta quando se analisa com objetividade a questão do desmatamento da Amazônia é o verdadeiro impacto da perda da cobertura vegetal medido pelos órgãos que se dedicam a esse tipo de acompanhamento. Todos esses órgãos, antes que se questionem os dados que eles levantam, a começar pelo Instituto de Pesquisas Espaciais, o INPE, são instituições da mais alta seriedade. O mesmo reconhecimento vale para as ONGs que atuam na região e, até prova em contrário, são movidas apenas pela intenção de contribuir para preservar a vida na floresta.
Mas é preciso chamar atenção para um detalhe: os 4030 km² desmatados em 2023 estão diluídos nos cinco milhões de quilômetros quadrados que formam a chamada Amazônia Legal e correspondem a 59% do território brasileiro. A região se espalha pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão. Cada um deles contribui com uma parte desses 4030 Km² que, somados, representam 0,08% da região. Mesmo se tomarmos os 10.573 Km² de 2022, o impacto, à primeira vista, não é tão grande assim. Somados eles representam 0,2% do total.
Caso estivéssemos falando de uma área contínua, que consumisse em um só ano 0,2% do total da Amazônia, a consequência seria a abertura no coração da mata de uma clareira correspondente a oito vezes e meia a área do município do Rio de Janeiro. Aí sim, teríamos que tomar providências muito mais aceleradas e radicais para conter o desastre. O fato de o desmatamento estar espalhado em pequenos focos faz com que seus efeitos sejam diluídos. Embora isso não signifique que o problema não exista nem elimine a necessidade de controle, é preciso reconhecer que o perigo que paira sobre a floresta pode, nesse caso, ser reduzido com ações bem estudadas e bem orientadas sem a necessidade de manter a floresta livre de qualquer intervenção.
Da mesma forma, e ao contrário do que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dito, o fato de o ritmo do desmatamento ter se reduzido de forma tão radical de 2022 para 2023 não significa que a situação esteja sob controle nem que que a ameaça à Amazônia tenha deixado de existir. Pelo contrário: o fato de o risco ter sido reduzido não significa que o perigo esteja afastado. É preciso muito mais do que ações de marketing e discursos bem-intencionados para que o problema esteja, senão resolvido, pelo menos bem encaminhado.
As trombetas do apocalipse
Dias atrás, e como foi discutido neste espaço na semana passada, o presidente da França, o megaprotecionista Emmanuel Macron, visitou o Brasil e esteve em Belém do Pará, que sediará em 2025 a 30ª Conferência das Nações Unidas Sobre o Clima, a COP-30. Para Macron, a Amazônia por si só não representa novidade. Mesmo porque, a 840 quilômetros em linha reta de Belém — distância relativamente curta para os padrões amazônicos — está Caiena, a capital da Guiana Francesa.
Não se trata de uma colônia, mas de um departamento ultramarino francês em plena América do Sul e único território do continente sob domínio de um país europeu. Se quisesse apenas visitar a floresta, portanto, Macron não precisava ter saído do território que governa. Aliás, pela agenda mais badalada da viagem, a impressão que ficou foi a de que Macron não tinha muito o que fazer numa mata que, para ele, não representa qualquer novidade.
A sensação, no final das contas, foi a de que, por trás do discurso preservacionista de Macron, havia uma agenda mais discreta, relacionada com a exploração dos recursos naturais estratégicos do Brasil. E essa impressão foi confirmada pelos fatos. O mais importante dos acordos assinados durante a visita do francês prevê investimentos para exploração e processamento de urânio no Brasil — cujas jazidas, em boa parte, encontram-se na Amazônia.
A razão para esse interesse é explicável: o urânio processado é essencial para a geração da energia nuclear e mais de 70% da eletricidade consumida pelos franceses é proveniente dessa fonte. Como o Niger, país africano que é o principal fornecedor do mineral para a França, atravessa um momento de instabilidade política, Macron viu no Brasil a solução de abastecimento de um produto que, para seu país, é de primeiríssima necessidade.
O acordo assinado pelos dois presidentes demonstra a forma como a França, assim como outros países europeus que ainda guardam um ranço da mentalidade colonialista do passado, encara a exploração dos recursos brasileiros. Quando se trata de algo que os beneficia, eles não veem o menor problema em explorar os recursos naturais a torto e a direito.
Quando o principal beneficiário é o próprio Brasil, no entanto, suas trombetas tocam como se anunciassem o apocalipse e suas vozes se levantam para impor exigências descabidas. Foi o que fez a França, apenas para citar um caso recente, que se valeu de desculpas ambientalistas fora de propósito para melar o acordo do Mercosul com a União Europeia, que abriria para os produtos agrícolas brasileiros as portas do bilionário mercado do Velho Continente.
Não se trata, aqui, de colocar o Brasil como uma vítima indefesa de grandes potências, mas de reconhecer que a atual postura de sua diplomacia não tem contribuído para reforçar a posição do país perante os interlocutores com quem precisa negociar questões sensíveis, mas fundamentais, como a política em relação à Amazônia. Os europeus precisam deixar de usar as acusações exageradas como arma para tentar impedir a exploração, em benefício do Brasil, dos recursos da floresta.
Precisa ficar claro para o mundo inteiro que as dimensões da região permitem que a preservação seja combinada com a exploração racional de seus recursos. Era isso, por sinal, que o Conde dos Arcos já propunha em 1796: as árvores que caírem com resultado da exploração precisam ser repostas. O efeito prático dessa postura talvez não seja sentido de imediato, mas será fundamental para que a floresta continue existindo com toda sua pujança no futuro.
Contaminação por mercúrio
Outro ponto essencial diz respeito às populações que vivem na Amazônia e que precisam da ação do Estado para manter sua integridade. O caso mais grave é o dos indígenas, especialmente os yanomami. Enquanto Macron condecorava o cacique Raoni no Pará, os yanomami de Roraima continuavam padecendo sob o impacto da exploração predatória e criminosa que a ausência histórica do Estado estimulou que se fizesse em suas terras. A situação do povo yanomami, até prova em contrário, continua tão grave no governo de Lula quanto estava no governo Bolsonaro e qualquer percepção diferente desta não passará de mera propaganda.
Uma pesquisa divulgada pela Fundação Oswaldo Cruz na semana passada mostrou que exames realizados nos cabelos de 287 yanomamis indicaram que 84% deles tinham seus organismos contaminados por mercúrio — substância tóxica, de uso proibido, mas que é livremente empregado para apuração do ouro nos garimpos ilegais. E mais: 11% desses 287 indivíduos tinham níveis de contaminação elevadíssimos e apresentavam os sintomas mais graves das doenças causadas pelo mercúrio. Essas doenças são diarreia, tremores, inflamação nas gengivas, fraqueza extrema e até demência.
Este é o ponto que deve ser trazido para o centro da agenda. É inconcebível que, em pleno século 21, seres humanos vulneráveis, como é o caso dos yanomamis e de outras nações indígenas, continuem expostos aos riscos causados pela omissão de quem tem a obrigação de protegê-los. Enquanto eles não forem postos em primeiro lugar nem contarem com a atenção de quem posa de defensor da floresta, mas que muda de ideia quando isso beneficia seus interesses, todo o discurso preservacionista em relação àquela região extensa, rica e vulnerável será inútil e não passará de mais uma das muitas lendas e mistérios da Amazônia.
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