“Os supostos fatos apresentados para justificar o pedido formulado são conjecturas que não indicam, de forma concreta, a interferência do denunciado nas investigações nem intimação ou ameaça a membro do Ministério Público como mencionam os requerentes. Desse modo, entende esta relatora que o órgão requerente não conseguiu demonstrar, de forma concreta e objetiva, a presença dos requisitos do art. 312, do CPP. Portanto, da análise dos elementos trazidos aos autos, a prisão cautelar revela-se como medida desproporcional aos fatos trazidos. In casu, não restou concretamente demonstrado, no pedido formulado, ameaça a membros do Ministério Público ou a instrução processual ou quaisquer dos seus requisitos autorizadores”.
Este foi um dos argumentos apresentados na fundamentação de sua decisão, pela desembargadora Maria de Nazaré Silva Gouveia dos Santos, para indeferir o pedido de prisão do chefe da Casa Militar do governo do Pará, coronel Osmar Vieira da Costa Junior. O pedido de prisão foi formulado pelo procurador-geral de Justiça, Gilberto Martins, que na semana passada ainda chefiava o Ministério Público do Pará. O MP diz, pelo relato, que restou claro que o referido denunciado, prevalecendo-se das funções do cargo que ocupa (Chefe da Casa Militar), recebeu informações privilegiadas (já no dia 25.03.21) de servidor (não nominado) da Segup (serviço de inteligência) de que “um funcionário do Ministério Público Estadual” teria vazado “informações sigilosas” que lhe diziam respeito e que seriam endereçadas a um blogueiro.
Extraindo-se como dedução lógica que tais “informações sigilosas” foram publicadas em reportagem envolvendo o denunciado e veiculadas no Jornal Liberal 2ª Edição do dia 24.03.21.
Aduz, ainda, o Parquet, que o “funcionário do Ministério Público” citado no relato policial, embora não esteja expresso na ocorrência, trata-se do então Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público Gilberto Valente Martins que, de fato, esteve no aludido prédio, especificamente no mesmo dia e horários mencionados. O que chama a atenção e demonstra claramente a audácia e intimidação do referido denunciado – diz o relatório – Osmar da Costa Júniort, como membro da organização criminosa – Orcrim – são os episódios acontecidos antes do dia 31.03.21 (data da formalização do Boletim), por entender que este só foi registrado porque o vigilante do edifício mencionado, de nome Arleson Leal da Cruz registrou, no dia 29.03.21, também um Boletim de Ocorrência Virtual, aduzindo que:
no dia 26/03/2021, às 12:30 identificou-se na portaria o Policial Federal Alencar solicitando as imagens de um visitante que adentrou no condomínio Place 395, no mesmo dia, com horários
detalhados. Sendo informado ao referido Policial que não tinha autorização, somente com ordem da administração ou da síndica, que após insistência foi lhe orientado a retornar às 14 h para falar com o zelador. Prossegue ainda, aduzindo que no dia 28/03/2021, às 18:20h, um carro de placa QVG VOYAGE 1.6 Prata, encostou na referida portaria até a hora do término do seu expediente, ocasião em que percebeu um carro lhe seguindo, foi quando pediu auxílio da polícia, o qual na abordagem identificou-se.
Suscita que as câmeras de vigilância e segurança do referido edifício capturaram a imagem do citado Policial Federal Alencar, tratando-se de Cleomenes de Alencar Ribeiro, cedido ao
Governo do Estado do Pará, ocupante do cargo em comissão de Assessor III (Assessor Policial), com lotação na Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social – Segup, conforme Portaria n° 3.509/2019, de 08 de maio de 2019, publicada no Diário Oficial nº 33880, de 24 de maio de 2019.
Que as imagens solicitadas não foram repassadas ao citado Policial Federal, somente solicitadas formalmente no dia 31.03.21, pelo Delegado Marco Antônio Duarte da Fonseca, por meio Ofício n° 598/2021-SU/SÃO BRÁS. Aduz o Ministério Público que os fatos demonstram que o então Procurador-Geral de Justiça Gilberto Martins estava sendo seguido por terceiras pessoas, tanto que o identificaram no interior do referido edifício e que o referido denunciado queria as filmagens para criar um fato político e possivelmente publicar em jornal de grande circulação, como um escândalo, ao quererem associá-lo como a pessoa que “vazou informações sigilosas” ao blogueiro Orly.
Ocorre que a ação penal não tramitava em segredo de justiça, não sendo sigilosa. Argumenta que o denunciado Osmar da Costa Júnior utilizou, em proveito próprio e da Orcrim, a estrutura estatal e policial a que tem acesso, para colher informações privilegiadas e empregá-las para fins escusos, ilícitos e imorais, visando a intimidar a autoridade que o processou e embaraçar a investigação dos crimes que envolvem a organização criminosa.
Trechos da decisão judicial
“Destarte, as imputações trazidas na inicial e eventual gravidade das condutas em tese atribuídas não se mostram suficientes para justificar o encarceramento preventivo, visto que devem reunir os fundamentos legais exigidos. O devido processo penal obedece a fórmulas que propiciam tempos próprios para cada decisão. Decretar ou não decretar a prisão preventiva não deve antecipar juízo de culpa ou de inocência nem, portanto, pode ser visto como antecipação da reprimenda ou como gesto de impunidade”, diz Nazaré Gouveia dos Santos.
“Ademais, é necessário salvaguardar a credibilidade das instituições, especialmente do Poder Judiciário, que somente se fortalecerá na exata medida em que for capaz de manter o regime de estrito cumprimento da lei, seja na apuração e no julgamento de graves delitos, seja na preservação dos princípios constitucionais da presunção de inocência, do direito à ampla defesa
e ao devido processo legal, no âmbito dos quais se insere também o da vedação de prisões provisórias fora dos estritos casos autorizados pelo legislador”.
Mais adiante, a desembargadora diz: “conforme bem mencionou o saudoso ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, em palestra proferida em evento jurídico, em Ribeirão Preto/SP: “o Poder Judiciário tem de exercer seu papel com prudência, com serenidade, com racionalidade, sem protagonismos, porque é isso que a sociedade espera do juiz”. Nesse sentido, além da demonstração concreta e objetiva das circunstâncias de fato indicativas de estar em risco a preservação dos valores jurídicos protegidos pelo art. 312 do Código de
Processo Penal, é indispensável restar evidenciado que o encarceramento do acusado justifica a medida de exceção decretada, haja vista que a prisão processual, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe-se, além da satisfação dos pressupostos legais, razões concretas da imprescindibilidade da medida extrema e cautelar de privação de liberdade”.
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