A juíza Andréa Corrêa Ribeiro, da 3ª Vara do Juizado Especial Cível de Belém, julgou improcedente uma ação contra o jornalista Eduardo Cunha, do site Pará Web News. Ao abordar o caso em que o arcebispo de Belém, Dom Alberto Taveira, envolveu-se em denúncia de abuso sexual contra seminaristas, o jornalista publicou, no dia 7 de dezembro do ano passado, que os padres Alberto Maia de Lima, conhecido por Maíta, e George Jenner França seriam os autores da denúncia contra o arcebispo.
Sobre o padre George Jenner França foi publicado também que ele teria um histórico de acusações de aliciamento de menores e abuso sexual e teve em 2008 seu nome investigado pela CPI da Pedofilia. Os dois religiosos ingressaram com ação contra o jornalista por calúnia, injúria e difamação, cobrando indenização por danos morais, além de exigirem que a matéria do Para Web News fosse retirada do site. Na época, o jornalista disse ao Ver-o-Fato que as informações que publicou eram de “fonte da Cúria”, ligada à Igreja Católica.
O processo do padre Alberto Maia de Lima tramita na 5ª Vara do Juizado Especial Cível, mas os fundamentos jurídicos e os advogados das partes são os mesmos da ação movida contra o jornalista pelo padre George e julgada improcedente pela justiça, no último dia 23. George argumenta que a respeito das acusações contra ele “provou inocência e as denúncias foram arquivadas por falta de provas”.
Afirma a juíza Andréa Ribeiro na decisão: “No caso dos autos, este Juízo não restou convencido das alegações do autor, por não vislumbrar que os fatos noticiados pela requerida, nas reportagens, estivessem extrapolando o direito de informar “. Ainda de acordo com a magistrada, a notícia publicada por Eduardo Cunha “não ultrapassou o caráter meramente jornalístico ou informativo, tampouco demonstrou que o réu não agiu com animus narrandi, mas, tão somente, exerceu o direito de informação, nos limites adstritos às matérias jornalísticas, relatando o fato ocorrido”.
Veja, abaixo, a íntegra da decisão judicial:
” SENTENÇA
Vistos etc.
Trata-se de ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais, ajuizada por GEORGE JENNER EVANGELISTA FRANCA em face de EDUARDO SARMENTO CUNHA.
Narra o autor que no dia 07.12.2020, foi alertado por fiéis de sua paróquia que o blog Pará Web News, de propriedade do requerido, havia publicado matéria com sua foto, com o título “PADRE QUE ACUSA DOM ALBERTO JÁ FOI DENUNCIADO NA CPI DA PEDOFILIA”. Aduz que a matéria afirma que o autor é o responsável pela denúncia contra o Bispo Dom Alberto
Taveira, que está sendo investigado pela Polícia Civil do Pará e que tramita sob segredo de justiça.
Esclarece que a notícia veiculada afirma que o autor teria sido investigado na CPI da pedofilia no ano de 2008, sendo acusado de abuso contra um menor de 16 anos e, ainda, realizava orgias na paróquia, que estava sob a sua administração. Afirma, no entanto, que não é autor da denúncia contra Dom Alberto Taveira no judiciário. Quanto aos demais fatos, afirma que provou sua inocência e as denúncias foram arquivadas por falta de provas.
Alega que sua imagem está sendo exposta indevidamente, trazendo danos irreparáveis, uma vez que a difamação está sendo compartilhada nas diversas redes sociais e na comunidade em que o autor é pároco. O requerido apresentou contestação alegando, preliminarmente, a conexão. No mérito sustenta a ausência de ato ilícito e a liberdade de imprensa, o excesso do valor da indenização pretendido e ao final requer a total improcedência da ação.
É o breve relatório, conforme autoriza o art. 38, da Lei n° 9.099/95.
Alega a contestante, a ocorrência da conexão, uma vez que tramita na 5a Vara do Juizado Especial Cível outro processo, nº. 0876388-16.2020.8.14.0301, cujo autor é o padre ALBERTO MAIA DE LIMA que possui a mesma parte ré, causa de pedir e pedidos, de forma que os dois processos devem ser reunidos para que não sejam proferidas decisões conflitantes.
Ressalta, ainda, que ambos autores estão representados pelos mesmos advogados e as petições são praticamente idênticas, o que apenas reforça a identidade das ações. Em que pesem as alegações da requerida, em consulta ao sistema Pje e da simples análise processual observo que eventual pedido de conexão deve ser requerido nos autos do processo nº. 0876388-16.2020.8.14.0301, vez que o processo foi ajuizado no dia 10.12.2020 às 13:42h, enquanto o processo em análise, foi distribuído anteriormente, no dia 10.12.2020 às 12:35h. Por tal razão deixo de analisar o pedido do requerido.
Passo a análise do mérito.
A presente demanda traz como controvérsia dois grandes direitos fundamentais: a liberdade de expressão (art. 5º, XIV, da Constituição Federal), e a inviolabilidade, privacidade, honra e a dignidade humana (art. 5º, X, da Constituição Federal). Trata-se de tema de extrema relevância no contexto atual, onde a imprensa tem sido protagonista de grandes embates.
Neste sentido, o judiciário tem sido cada vez mais instado a se manifestar sobre qual direito deve prevalecer no caso concreto, a liberdade de imprensa, expressão e informação, ou o direito a intimidade, privacidade e a dignidade humana. No caso dos autos, este Juízo não restou convencido das alegações do autor, por não vislumbrar que os fatos noticiados pela requerida, nas reportagens, estivessem extrapolando o direito de informar.
A notícia não ultrapassou o caráter meramente jornalístico ou informativo, tampouco demonstrou que o réu não agiu com animus narrandi, mas, tão somente, exerceu o direito de informação, nos limites adstritos às matérias jornalísticas, relatando o fato ocorrido. No que se refere a informação de que o autor foi denunciado na CPI da pedofília, observo que o fato é
verídico, tendo a parte requerida trazido os autos a integralidade da Comissão Parlamentar de Inquérito, onde o nome do autor está vinculado ao 55º caso investigado.
Quando da análise do mérito, verifico que na Reclamação nº 22.328, cujo relator foi o Ministro Roberto Barroso, fora objeto da controvérsia o direito ao esquecimento versus o direito coletivo à informação, cuja ementa segue abaixo colacionada: Direito Constitucional. Agravo regimental em reclamação. Liberdade de expressão. Decisão judicial que determinou a retirada de matéria jornalística de sítio eletrônico. Afronta ao julgado na ADPF 130. Procedência.
1. O Supremo Tribunal Federal tem sido mais flexível na admissão de reclamação em matéria de liberdade de expressão, em razão da persistente vulneração desse direito na cultura brasileira, inclusive por via judicial. 2. No julgamento da ADPF 130, o STF proibiu enfaticamente a censura de publicações jornalísticas, bem como tornou excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões. 3. A liberdade de expressão desfruta de uma posição preferencial no Estado democrático brasileiro, por ser uma pré-condição para o exercício esclarecido dos demais direitos e liberdades.
4. Eventual uso abusivo da liberdade de expressão deve ser reparado, preferencialmente, por meio de retificação, direito de resposta ou indenização. Ao determinar a retirada de matéria jornalística de sítio eletrônico de meio de comunicação, a decisão reclamada violou essa orientação. 5. Reclamação julgada procedente. (Rcl 22328, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 06/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-090 DIVULG 09-05-2018 PUBLIC 10-05-2018)
Na referida decisão, restou expressamente consignado o status preferencial da liberdade de expressão, bem como a proibição da censura de matérias jornalísticas. Sabe-se que não há hierarquia entre os direitos fundamentais, contudo, há preferência na proteção da liberdade de expressão, o qual em seu sentido amplo engloba liberdade de imprensa e liberdade de informação. Não obstante, tal direito não é absoluto, de modo que, a própria constituição já previu suas limitações.
Por esta razão, o seu afastamento, no caso a censura, somente ocorrerá em última ratio e de forma excepcional. Destaco que tal entendimento já fora exposto quando do julgamento da ADPF 130, o que demonstra que nossa Suprema Corte possui entendimento sólido a respeito do direito à liberdade de expressão. Em referida reclamação, o ponto mais relevante, se consubstancia na classificação de 08 critérios a serem utilizados quando da ponderação entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade:
01 – veracidade do fato;
02 – licitude do meio empregado na obtenção da informação;
03 – personalidade pública ou privada da pessoa objeto da notícia;
04 – local do fato;
05 – natureza do fato;
06 – existência de interesse público na divulgação em tese;
07 – existência de interesse público na divulgação de fatos relacionados com a atuação de órgãos
públicos;
08 – preferência por sanções a posteriori, que não envolvam a proibição prévia da divulgação.
Assim, subjugando-se os fatos narrados nestes autos aos critérios de ponderação, verifico que um dos fatos narrados é verídico, não sendo empregado meio ilícito para obter a informação, não estão protegidos ou são reservados, a sua natureza não envolve caráter sigiloso. Especificamente, no que se refere a informação de que o autor tenha sido denunciante de fatos que
envolviam o Arcebispo de Belém, não há como afirmar que a informação é mentirosa, tendo em vista que a investigação do caso é sigilosa, no entanto, no que diz respeito a tal informações, entendo que a parte autora faria jus ao direito de resposta, pedido não realizado nos autos.
Por todo exposto, não vislumbro o uso abusivo do direito de liberdade de imprensa, invadindo o limite do direito do autor de inviolabilidade da honra e da imagem e, por conseguinte, entendo pela inexistência de dano moral. Neste sentido, em que pese este juízo sensibilizar-se com os fatos narrados nos autos, bem como compreender a angústia sofrida pelo autor ao ter seu nome novamente exposto por situação embaraçosa ocorrida em seu passado, entendo que imprensa, no caso o requerido, tem o direito de publicar a matéria, não podendo ter seu
direito cerceado, sob pena de iniciarmos uma caminhada ao retrocesso de garantias e direitos arduamente conquistados.
Diante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO do autor, nos termos do art. 487, I do CPC. Isento as partes de custas, despesas processuais e honorários de sucumbência, em virtude da gratuidade do primeiro grau de jurisdição nos Juizados Especiais (arts. 54 e 55, da Lei nº. 9099/95). Após o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquivem-se os autos.
Belém, 23 de junho de 2021.
Andréa Cristine Corrêa Ribeiro
Juíza de Direito “