Lideranças indígenas dos 16 territórios que serão afetados pela construção da Ferrogrão, entre os Estados de Mato Grosso e Pará, cobram do governo o direito de serem consultados antes da continuidade da obra – um dos maiores projetos de infraestrutura de transportes do País. A mobilização, encabeçada pela Rede Xingu+, aliança que reúne as principais organizações indígenas da bacia do Rio Xingu, responde à última decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre o caso.
No fim de maio, Moraes decidiu remeter para o centro de mediação de litígios da Corte a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que envolve a Ferrogrão. Ele autorizou a retomada dos estudos relacionados à ferrovia, mas manteve suspensa a lei que liberava a execução da obra.
A ação questiona a Lei 13.452, de 2017, que excluiu cerca de 862 hectares do Parque Nacional do Jamanxim e os destinou aos leitos e às faixas da Ferrogrão (EF-170) e da BR-163 – rodovia que liga as cidades de Tenente Portela, no Rio Grande do Sul, a Santarém, no Pará.
Com 933 quilômetros, a Ferrogrão segue o traçado da BR-163: parte de Sinop (MT) – maior produtor de grãos do País – e vai até o Porto de Miritituba, em Itaituba (PA). E é estratégica para o escoamento das safras de grãos do Centro-Oeste pela região Norte, de onde as cargas são transportadas por hidrovia até o Rio Amazonas, e de lá para exportação.
Para Moraes, “há risco de que a norma produza efeitos irreversíveis”. Isso porque a ADI, da qual ele é relator, trata de procedimento legal de desafetação (ato que retira ou altera a finalidade) de áreas protegidas. Assim, a execução do projeto está condicionada à autorização do STF. Moraes deu prazo de 60 dias para a mediação apresentar uma proposta de acordo.
Paralisado
O projeto da Ferrogrão, com custo estimado de R$ 21 bilhões, foi interrompido em 2021 por decisão de Moraes. Segundo a Rede Xingu+, há consenso entre o Ministério dos Transportes e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) quanto à necessidade de revisar os estudos técnicos da ferrovia.
No documento enviado ao governo, os indígenas apontam maneiras de alinhar os estudos às diretrizes atuais de políticas públicas da gestão Lula e ao cumprimento do compromisso do Brasil em reduzir a perda de vegetação nativa da Amazônia com desmatamento zero até 2030.
A Rede preparou um parecer com as condicionantes socioambientais a serem consideradas no projeto. Entre elas, está a realização de consulta livre, prévia e informada aos povos e comunidades potencialmente afetadas pelas obras. No parecer, os indígenas mostram que a consulta seria uma obrigação assumida pelo Estado brasileiro por meio da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e um direito dos povos e comunidades indígenas e tradicionais.
Grilagem
As lideranças indígenas querem também o reconhecimento dos direitos territoriais dos povos da região e a regularização fundiária na área de influência da ferrovia, com a destinação de terras públicas e a criação de unidades de conservação, para evitar uma corrida pela grilagem de terras não destinadas ao redor da ferrovia. Entre esses povos, estão os Munduruku, Mebêngôkre, Kayapó, Isolados do Iriri Novo, Panará e Apiaká.
Em sua decisão, Moraes destacou a importância da construção da ferrovia para o escoamento da produção de milho, soja, farelo e óleo de soja, fertilizantes, açúcar e etanol. E destacou que a obra pode reduzir em R$ 19,2 bilhões o custo do frete na região.
O Ministério dos Transportes disse que tenta buscar conciliação com as partes envolvidas. Mas não entrou em detalhes sobre as discussões, alegando que o processo é sigiloso. Segundo o ministério, o governo está aberto para discutir as questões ambientais que precisam ser enfrentadas.
Procurada pela reportagem, a ANTT informou que segue dialogando com os órgãos competentes e aguarda diretrizes do Ministério dos Transportes para, então, dar prosseguimento ao projeto. Mas evitou comentar a exigência de consulta dos povos indígenas. O STF informou que ainda não houve nenhuma reunião para discutir o caso no Centro de Soluções Alternativas de Litígios (Cesal). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.