Quando Diego (nome fictício, por razões de segurança) trocou a Venezuela pelos Estados Unidos sabia que tinha pouco tempo até que o cerco apertasse. Ele chegou à fronteira americana no dia 20 de novembro, quando o número de venezuelanos tentando cruzar o Rio Grande batia recordes. Atrás dessa onda de migração em massa sobrou um país devastado pela crise e com uma demografia muito diferente da que existia há pelo menos seis anos.
Os imigrantes venezuelanos passaram a enfrentar um cerco na América Latina, já que muitos governos – incluindo o México – agora exigem visto de entrada. Além disso, a crise econômica, agravada pela pandemia, acelerou o processo de migração. Em dezembro, 24.961 venezuelanos apareceram na fronteira – um ano antes, foram apenas 371.
“O medo era que, se demorássemos, não conseguiríamos mais por conta do visto. A dificuldade foi sair da Venezuela, porque estávamos eu, minha cunhada e minha sobrinha de 3 anos. Pagamos US$ 2,4 mil para sair com a menina, porque não havia documentação para retirá-la do país”, conta o jovem de 30 anos, formado em Manutenção Aeronáutica, que vive em Miami, no Estado da Flórida.
Em 2021, mais de 40 mil venezuelanos entraram no México com o visto de turista, muitos em Cancún. Aos poucos, eles começaram a cruzar para os Estados Unidos em busca de uma vida melhor.
“Eu não passava necessidade na Venezuela, mas não tinha progresso econômico para ter minhas coisas, uma casa, um carro ou mesmo crescimento profissional. Tive a chance de vir e viver com meu irmão, que me emprestou o dinheiro. Saímos da Venezuela em um voo com escala no Panamá e chegamos ao México”, disse Diego.
Ao contrário dele, muitos venezuelanos não pegaram um voo para os Estados Unidos. “Muitas famílias que chegam agora estão deslocadas há anos. Eles decidiram partir, como ocorreu com os haitianos. Mas a diferença é que, entre os venezuelanos, apenas entre 20% e 25% dos pedidos de asilo são negados”, explica a professora da Faculdade de Educação de Harvard Gabrielle Oliveira, que realiza pesquisas com famílias de imigrantes.
Bomba demográfica
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 6 milhões de venezuelanos deixaram o país desde 2015 e 4 milhões vivem na América Latina. Com a pandemia e o agravamento da crise econômica em países da região, eles resolveram novamente se arriscar e partir rumo aos EUA.
A chegada massiva de venezuelanos deixou o presidente Joe Biden diante de um desafio. Entre setembro e dezembro, 69.972 venezuelanos chegaram aos Estados Unidos de forma ilegal. Hoje, autoridades americanas estimam que existam 323 mil venezuelanos clandestinos, que são elegíveis para receber o TPS – status de proteção provisória concedido pelo governo dos Estados Unidos.
No entanto, Biden acionou o Título 42, que permite a deportação por questões sanitárias – o argumento é que os imigrantes ampliam o risco de disseminação da covid. Assim, os Estados Unidos passaram a expulsar os venezuelanos, que foram enviados para a Colômbia, onde residiam antes. A política causou forte atrito com o presidente colombiano, Iván Duque.
Impacto
O impacto do êxodo é enorme na Venezuela. O país começa a ser conhecido como “uma terra de idosos e crianças”. Segundo pesquisa recente, no país existem hoje 65 pessoas dependentes – menores de 15 anos ou maiores de 60 – para cada 100 pessoas em idade economicamente ativa. “Os jovens sumiram da Venezuela. Eu mesmo tinha poucos conhecidos ainda lá, a maioria foi embora do país”, conta Diego.
Projeção do Instituto Nacional de Estatística da Venezuela (INE), de 2015, estimava que, em 2020, o país teria 32,5 milhões de habitantes. No entanto, segundo o Banco Mundial, a Venezuela tem hoje 28 milhões. A diminuição é resultado da baixa natalidade e alta mortalidade, além do fluxo migratório. Segundo a Universidade Católica Andrés Bello, de Caracas, 60% dos migrantes venezuelanos têm idades entre 15 anos e 50 anos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.