A empresa Agropalma, que é a maior produtora de óleo de dendê do país e está metida em um grande escândalo envolvendo a grilagem de terras públicas e privadas, segundo acusações do Ministério Público, sofreu duas derrotas em um só dia. Ontem, por unanimidade, a 1ª Turma de Direito Público, do Tribunal de Justiça do Pará, anulou a sentença do juiz do Acará, Wilson Corrêa, que em 2015 havia condenado a família Tabaranã na ação reivindicatória, acolhendo integralmente os argumentos apresentados por advogados da Agropalma. Foi a primeira grande derrota da empresa no julgamento.
A segunda derrota também tem a ver com o primeiro caso. Foi em uma ação cautelar, na qual a Agropalma teve contra ela a inversão do ônus de sucumbência. Quer dizer, os honorários de advogados serão pagos, no valor de 10% pela empresa, à família beneficiada pela nulidade da primeira decisão. A cautelar foi impetrada pelos advogados de José Maria Tabaranã da Costa e Aida Raimunda Maia da Costa, contra sentença proferida pelo juiz do Acará, Wilson Corrêa, que nos autos dessa ação cautelar de antecipação de provas preparatória de ação possessória movida pela Agropalma extinguiu o processo sem julgamento do mérito.
O juiz alegou perda do objeto e condenou os réus ao pagamento de custas e honorários advocatícios na ordem de 20% sobre o valor da causa. Na sustentação oral de ontem, de julgamento da cautelar, como defensor da família, o advogado Flávio Galvão alegou não ter havido aos Tabaranã a oportunidade de defesa e do contraditório, inclusive a apresentação dos documentos que possuem sobre a propriedade de parte das terras ocupadas pela empresa, o que iria desfazer a perda de objeto da ação como decidiu o juiz.
Galvão afirmou ainda que um laudo de profissional, contratado por R$ 56 mil pela Agropalma e no qual o juiz se baseou para proferir a sentença condenatória, “foi desqualificado por perícia do Instituto Renato Chaves”. O juiz ignorou até mesmo a existência, no processo, de documentos falsos e das fraudes em cartórios nas matrículas das terras. A existência do cartório “fantasma” Oliveira Santos sequer foi considerada pelo magistrado.
Os argumentos de Galvão foram acolhidos e a desembargadora Célia Regina Pinheiro, também relatora da apelação cível, que seria julgada logo em seguida, votou pelo provimento parcial do recurso, condenando a Agropalma – na inversão do ônus de sucumbência – a pagar 10% aos advogados dos Tabaranã. “Entendo salutar o exame dos fatos nos autos”, disse ela. O voto foi acompanhado pelos desembargadores Ezilda Pastana Mutran e Roberto Moura.
Sentença polêmica só viu um lado
No outro julgamento do caso – a apelação cível dos Tabaranã contra a sentença do juiz que os condenara em 2015 – , a desembargadora Célia Regina Pinheiro, relatora, na leitura do voto, entendeu que o juiz do Acará sentenciou precipitadamente o processo, suprimindo a fase de produção de provas, que envolvia, inclusive, manifestação do Iterpa, totalmente ignorada por Wilson Corrêa. Os desembargadores Roberto Moura e Ezilda Pastana Mutran acompanharam o voto de Célia Regina pela nulidade dos atos do juiz.
Agora, o processo retorna para a 1ª instância (Acará), onde o juiz deve enviar o caso para a Vara Agrária de Castanhal, que é a vara competente para dirimir os assuntos que envolvem interesse público, como já foi decidido por dois presidentes do TJ do Pará: os desembargadores Rômulo Nunes e Leonardo Tavares. Nessa Vara de Castanhal atua o juiz André Luiz Filo-Creão Fonseca, que em decisões recentes, proferidas neste ano de 2020, mandou cancelar e também bloquear mais de 50 mil hectares das terras das quais a Agropalma se diz dona. Motivo: títulos comprovadamente falsos, obtidos mediante fraudes, emitidos até por cartório “fantasma”. A velha e odiosa grilagem de terras em cujos processos o Ministério Público já se manifestou, escancarando o caso.
Na defesa da Agropalma, o advogado Reinaldo Silveira sustentou que o processo teria corrido de maneira correta no 1º grau, afirmando que o juiz sentenciou e obedeceu o devido processo legal. Além disso, o defensor da Agropalma disse que os autores não teriam preenchido os requisitos da ação reivindicatória. Silveira fez ainda uma ponderação que nada tinha a ver com o que estava sendo julgado, como o fato de a Agropalma ser uma empresa que gera milhares de empregos no Pará e que paga seus impostos, contribuindo para o desenvolvimento econômico do estado.
Após fazer outras considerações e dizer que a Agropalma detém a “posse mansa e pacífica” das terras e que agiu de “boa fé” quando adquiriu as terras de terceiros, Silveira assinalou que a família Tabaranã não era proprietária das terras e que estas pertencem à empresa produtora de dendê. Por fim, o advogado pediu a manutenção da sentença do juiz do Acará.
Para a desembargadora Célia Regina, ocorreu justamente o contrário da tese do defensor da Agropalma. Ou seja, o juiz não obedeceu ao devido processo legal, atropelando a fase de provas. A sentença, para ela, foi açodada e o juiz praticou omissão. Outro detalhe: o juiz não permitiu que os autores da ação, no caso o casal José Maria Tabaranã Costa e Aida Maria Costa, se manifestassem de forma adequada.
O Iterpa compareceu aos autos, disse que tinha interesse na lide processual, mas que precisava de tempo, cerca de 90 dias, para se manifestar. O juiz não esperou a manifestação do Iterpa e lavrou a sentença. Depois que ele julgou, o Iterpa voltou ao processo e reafirmou que havia terras do estado na questão e, desse modo, o interesse do órgão fundiário.
Volta ao Acará, onde juiz jurou suspeição
Segundo Célia Regina, o juízo de segundo grau (desembargo), nesse momento, não poderia transferir o caso à Vara Agrária de Castanhal, pois se assim o fizesse estaria “usurpando” a competência do primeiro grau (juiz). Ela disse que a simples manifestação de interesse do Iterpa, por vislumbrar terras estaduais na questão, não atrai o deslocamento do processo para a Vara Agrária de Castanhal.
É um entendimento questionável, esse da desembargadora, mas ela entende que o juiz do Acará, para as mãos de quem retorna o processo, também poderá remeter o caso para Castanhal. Como ela anulou a sentença, resumiu que o processo deveria voltar ao Acará para que a fase de produção de provas ocorra. Contudo, o juiz Wilson Corrêa, em outra ação da família Tabaranã contra a Agropalma, em 2016, já se julgou suspeito para atuar no caso.
A defesa dos Tabaranã anunciou que vai requerer a incompetência do juiz para atuar novamente no processo em razão de ele já ter se declarado suspeito em outro que envolve assunto semelhante. Assim, o caminho natural seria o próprio Wilson Corrêa, de ofício, remeter o processo para a Vara Agrária de Castanhal para que lá seja colhida a produção de provas.
Se o juiz, porém, mesmo sob suspeição, entender que é competente para manter a atuação dele no caso, a família Tabaranã irá recorrer ao Tribunal de Justiça.
Resumo da ópera judicial: aguardemos os próximos capítulos.
Veja abaixo o documento no qual o juiz do Acará se declara suspeito:
” PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ CONSULTA DE PROCESSOS DO 1º GRAU
Nº Processo:0004646-67.2014.8.14.007626/03/2015Data da Distribuição:DADOS DO PROCESSO Vara:Instância:VARA ÚNICA DE ACARA1º GRAU Gabinete: GABINETE DA VARA ÚNICA DE ACARA DADOS DO DOCUMENTO Nº do Documento:2016.01933843-04 Comarca:ACARÁ
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes noPaís a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade(…) art. 5º., da CF.R.H.DESPACHOI – (… )O dever é a obrigação moral, primeiro para consigo mesmo, e depois para com os outros. O dever é a lei da vida:encontramo-lo nos mínimos detalhes, como nos atos mais elevados.(…)II – (…) Não há ninguém que, depois de ter acendido uma candeia, a cubra com um vaso ou a coloque sob uma cama; mas a põe sobre o candeeiro, a fim de que aqueles que entrem vejam a luz; porque não há nada de secreto que não deva ser descoberto, nem de oculto que não deva ser conhecido e manifestar-se publicamente(…) (São Lucas, cap. VIII, v.16, 17)III
– Considerando a ocorrência de fato superveniente;IV – Nos termos do art. 97, do CPP, declaro-me suspeito, por motivo de foro íntimo, para processar e julgar o presente feito.VI – Proceda-se imediatamente a remessa dos autos ao substituto legal nos termos do art. 97, do CPP.VII – Expeça-se ofício que deverá ser assinado por este juiz direito comunicando a Eg. CJCI, tal providência.Int. e dil.
ACARÁ, 17 de maio de 2016.WILSON DE SOUZA CORRÊA Juiz de DireitoA JUSTIÇA ESTÁ PARA O CIDADÃO E NÃO O CIDADÃO PARA A JUSTIÇA “
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